O Monte Olimpo

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     Por mais que eu pudesse me esforçar, eu não conseguia entender como a fé dos mortais funcionava. Se suas crenças em seus amados deuses eram baseadas no medo, na necessidade de algo ou no simples amor de seus corações pulsantes, isso eu não sabia.

     Muitos deles idolatravam estátuas, cruzes e ícones. Havia realmente muita imaginação para criar nossos rostos, que não eram sempre semelhantes. Bilhares daquelas ferramentas de crença eram para a súplica em toda a Terra.

     A adoração deles se tornara algo muito confuso para mim. Sim, confuso para a filha da deusa que sabia de tudo.

     Pois de que adiantavam suas orações, desejos e preces? As divindades não possuíam mais o interesse em ouvir suas lamentações. Estavam ausentes em meio às guerras por todo o universo.

     Para mim, os deuses eram ainda mais confusos do que os homens. Eles realmente se importavam com os mortais? Eu me questionava as mesmas coisas todas as vezes que admirava o horizonte azulado na janela de meu aposento, no Monte Olimpo.

     -O que pensa quando olha para essas montanhas e o azul do céu, Lana? –Me perguntou Harmonia, filha de Afrodite, abraçando uma das colunas de mármore enquanto me observava.

     -Penso em tudo. –Respondi. Eu costumava ficar observando tudo em frente à janela frequentemente.

     -Sobre o Novo Olimpo? –Harmonia estava falando do Novo Monte Olimpo. Que estava sendo construído havia centenas de anos pelo deus Hefesto. Este seria um novo palácio, para os novos deuses que estavam surgindo.

     Fiz que não com a cabeça.

     -Sobre o que pensa então? –Ela saiu detrás da coluna e sentou sobre minha cama, que era tão macia e confortável quanto às nuvens.

     -Eu me faço perguntas sobre os mortais e os deuses. –Me afastei da ventana e também me sentei sobre a cama. –Não entendo no que é baseada a fé dos mortais e nem mesmo se os deuses se importam com eles.

     -Eu acredito que eles nos adorem por sermos o controle de toda a força, Lana. Os deuses se importam sim... Porém todos nós temos nossos afazeres, que nos ocupam. Você deveria saber de tudo isso, é a filha de...

     -De Atena! –Interrompi. -Eu sei. –Atena era minha mãe adotiva. E por ser uma das donzelas, virgem para sempre, ela não poderia ter filhos da maneira tradicional. Então me adotou quando nasci no ventre de Gaia, a Terra.

     Éramos mais de cinquenta, os deuses e eu. E todos tinham o mesmo sangue que percorria nas veias de Zeus, o deus dos deuses. Ninguém era igual a ninguém no Monte Olimpo, ninguém era como os homens pensavam que fossemos. Parecíamo-nos com eles certamente... Porém, gigantes e imortais.

     Cada deus controlava alguma força da natureza. Como a luz, o oceano e o amor por exemplo. Eu era uma deusa, mas não possuía força como eles.

     O que eu era?

     Essa sempre foi a minha maior pergunta.

     -Não deixe sua mãe te ouvir fazendo estas perguntas! –Harmonia exclamou. –Para ela não pode haver dúvidas para uma deusa da sabedoria. –Atena estava quase sempre fora do Olimpo, competindo com deuses e mortais, mostrando sempre ser a melhor de todos. Então, provavelmente não me ouviria dizendo isso.

     -Eu não sou uma deusa da sabedoria, Harmonia. Se eu realmente fosse, não haveria dúvidas para mim. Eu fui criada e isolada nesse palácio, não conheço o mundo como ela. Não sei quais são os meus domínios.

     -Certamente um dia você irá descobrir. Cedo ou tarde. –Ela sorriu. Harmonia era a deusa da paz e do bem. Então era sempre calma e graciosa comigo.

     Minha morada no Olimpo provava que eu era uma divindade. Pois a luz divina que resplandecia por lá era tão intensa que nenhum mortal, monstro ou mesmo semideus sobreviveria ao olhar.

     Talvez meu título fosse ''A deusa do nada''. Ou das dúvidas.

     Mesmo que eu não pudesse ser classificada por nenhum nome específico, eu era a única filha de Atena. E isso me fazia ser respeitada por outras divindades, pois ela tinha o título de ''Deusa da sabedoria, da estratégia e filha preferida de Zeus''. Os deuses não discutiam com a minha mãe.

     -Não quer ir até o salão e distrair a cabeça? –Harmonia continuou.

     -Tudo bem. Quero comer alguma coisa. –Respondi.

     Andamos até o salão, o maior lugar do Olimpo, feito de cristais pelo próprio deus Hefesto. No centro havia uma imensa mesa com um enorme banquete, ambrósia era um dos doces principais que todos nós adorávamos. Também havia vinho e uvas que eram trazidos ao palácio graças ao deus Dionísio, o mesmo quem dava festas por lá.

     Por todo o salão a música de uma lira se espalhava, quem a tocava era Apolo, um deus jovem, bonito e brilhante, como se fosse o próprio Sol. Haviam algumas divindades juntas a ele sobre a mesa, estas eram: Ártemis, Hebe, Eros e Afrodite.

     Sentei-me em frente à Ártemis e Harmonia ao meu lado. Ártemis admirava seu arco em forma de lua.

     Tive o prazer em saborear a primeira maça do dia. Um doce quase mel.

     -Bom dia, Lana! –Sorriu Afrodite. A beleza de seus cabelos louros, quase ouro, envolvia-se em seu perfeito rosto simétrico.

     -Bom dia, Afro! –Respondi.

     -Hoje é um verdadeiro dia lindo, ótimo para se apaixonar, não acha? –Ela balançou a cabeça.

     -É um dia lindo sim. –Eu ri. –Para me apaixonar? Hum, talvez.

     -Deve ter muitos pretendentes!

     -Mamãe! –Harmonia exclamou.

     -Filha, você sabe que eu adoro falar sobre isso. –Afrodite logo me olhou, à espera de uma resposta. Em seguida, todos também.

     -Ah, não! –Exclamei envergonhada. –Não tenho nenhum!

     -Por quê?

     -Ora... Acho que... É por que... Eu... Eu sou uma deusa da sabedoria! Não tenho tempo para isso! –Tentei parecer séria.

     Todos então começaram a rir, inclusive Apolo que havia parado de tocar sua lira. Senti-me envergonhada, parecia que todos eles sabiam que eu não possuía um dom.

     Abaixei minha cabeça por alguns instantes e o salão foi tomado por um silêncio. Uma gigante sombra entrara pairando pelo ar, era minha mãe.

Atena.

A deusa do nadaOnde histórias criam vida. Descubra agora