Atena e Ares, as faces da guerra

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     Eu poderia acordar naquela manhã dizendo que tudo estava no mínimo bem, agir sem me preocupar com coisas sobre meu passado e o meu presente, planejar calmamente como construiria meu futuro. Eu poderia ser uma deusa como qualquer outra, esbanjando poder e adquirindo admiração. Eu poderia ser a deusa do verão ou do inverno, ter o prazer em realizar transformações e me sentir segura sobre meu papel divino. Mas isso não é para mim, é só para os outros deuses, ou pelo menos, para os Olimpianos.

     Desconhecer a minha linhagem era só o que faltava para minha sanidade me dizer adeus. Aquela não era a solução de uma dúvida, mas sim, a criação de muitas outras. As questões entravam na minha cabeça e não havia nada que eu pudesse fazer para impedi-las. Era como se eu não conhecesse mais o meu próprio eu, era como se eu tivesse me tornado uma completa estranha para mim mesma.

     Se Gaia não foi minha genetriz, então quem foi?

     Aprendi com Atena a odiar as dúvidas, e fazer de tudo para encontrar uma resposta. Aprendi com Gaia, a ser paciente e desfrutar dos mistérios, com ela aprendi que ser diferente dos outros deuses era bom, e que me tonava única. Mas nada mais fazia sentido. Eu me sentia agora como uma intrusa no panteão grego, me sentia sem rumo, sem história, sem verdade. Comecei a pensar que se Zeus e os outros deuses descobrissem, eu poderia ser rejeitada, já que ter o sangue olimpiano era tudo de mais profundo orgulho no palácio. Só que Atena havia me acolhido tão bem, sem nem buscar conhecer minha origem antes de tudo. Ela era a minha verdadeira mãe, o meu tudo.

     Quando ela me revelou, fiquei paralisada, atônita, como se tivesse encarado os olhos de Medusa e me tornado uma estátua. Acabamos decidindo manter isso em segredo, para o meu próprio bem, e continuarmos com os treinamentos como se nada tivesse acontecido. Eu poderia fingir estar bem, no entanto, por dentro, estava tremendamente abalada.

     Eu estava no campo, sentada em uma rocha esculpida, que servia como arquibancada, tentando me concentrar na batalha entre Ares e Atena, o que era muito interessante, mas que naquele momento não prendia minha atenção. Eu não conseguia parar de tatear as linhas das costuras dos meus dedos, era esquisito sentir minha pele emendada. Eu queria me distrair com qualquer coisa, apenas para não precisar pensar naquela confusão. Era necessário esvaziar minha mente, só não sabia como.

     -Está prestando atenção, Lana?! –Atena chamou minha atenção.

     -Sim, senhora! Estou. –Respondi, tentando não transparecer minha desorientação.

     -Pois então, como eu estava dizendo, não subjugue um inimigo na luta. Não apenas se ache melhor do que ele, seja melhor do que ele! Não vale a pena tentar humilha-lo, isso é deselegante e não prova verdadeiramente sua capacidade. É preciso colocar um ponto final numa batalha!

     -Isso vale para você também, Palas. –Ares secou o suor do rosto usando a mão e se apoiou com o braço em sua espada vermelha.

     -Eu não tento humilhar ninguém, Ares. Eu apenas provo o que sou, e se isso parece tornar alguém inferior a mim, talvez seja porque ele não é páreo.

     -Dizem que Zeus me criou depois porque preferia um guerreiro que não fosse tão misericordioso como você. Misericórdia para ele é sinônimo de imperícia.

     Ela o fitou com um sorriso fechado, lançou os cabelos para trás dos ombros, estralou o pescoço e os pulsos, gerando um ruído desconfortável, e girou vagarosamente a lança com as pontas dos dedos, até que propôs:

     -Que tal guerrearmos seriamente? Você sentirá na pele o quanto sou misericordiosa!

     -Estamos aqui para isso! –Ele sacou um círculo de fogo com sua mão livre.

A deusa do nadaOnde histórias criam vida. Descubra agora