♪Dissonância

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"Qualquer música, na verdade, é um dueto entre você e o compositor."

— O Jovem Sherlock Holmes.


♪♪♪


— Do começo mais uma vez! — Edgar gritou e obriguei meus dedos a se moverem novamente.

Estávamos ensaiando há mais de três horas sem descanso algum, meu professor sequer ligava que o horário de aula já havia expirado, só sairia quando minha performance estivesse perfeita.

Resumindo, teríamos muito trabalho pela frente.

Senhor Perfeccionista fazia-me tocar diversas vezes o mesmo compasso, queria que eu adivinhasse o erro e quando isso não acontecia, suspirava e me olhava como se não tivesse solução para o meu caso.

O cansaço me invadia e me perder nas linhas da partitura se tornava recorrente com o passar dos minutos, meus olhos pesavam e meus dedos moviam-se com lentidão. Mesmo se quisesse, Edgar não teria uma boa apresentação hoje, pelo menos não de minha parte.

— Já chega senhorita Scherzo, você está matando meus ouvidos — reclamou enquanto arrumava suas coisas.

— Não exagere. — Revirei os olhos. — Não está tão horrível assim, não faça tanto drama Edgar.

— Não estou sendo dramático, Lyra — suspirou. — Sinceridade e drama são coisas diferentes, e do jeito que as coisas estão indo você não passará no exame da banca. — Depois de organizar suas coisas ele se levantou. — Terminamos por hoje, mas amanhã quero que me mostre o primeiro movimento decorado. E não se esqueça que faltam apenas trinta dias para as apresentações.

Abaixei a cabeça, tinha consciência do tempo que me restava. E começaria a me desesperar se pensasse muito no assunto.

Guardei as partituras na bolsa e sai da sala. Não queria tocar mais nenhuma peça hoje, porém marquei um ensaio com Ara e não podia faltar.

Andei até a última sala do corredor e encontrei Arabesque por lá, porém não estava sozinha, uma mulher a acompanhava. Ela vestia uma saia lápis vermelha e uma blusa branca, sua pele escura realçava seus olhos cinza e ornava muito bem com suas mechas castanhas. Ninguém podia negar que Celesta tinha uma beleza exuberante.

Fiquei parada na batente da porta por alguns segundos, sem saber se deveria ou não entrar. As duas conversavam sobre algo e pareciam bem à vontade, e não queria estragar esse momento. Finalmente estavam se reconciliando e provavelmente eu só atrapalharia.

Daria mais alguns minutos de privacidade para ambas e depois voltaria para ensaiar.

O teatro estava deserto, não havia uma alma viva sequer que ouviria meu salto batendo contra o piso de madeira. Andei até a frente do palco e parei ao lado do piano, admirando-o. A lembrança de semana passada quando toquei ao lado de uma orquestra ainda estava viva dentro de mim e fazia-me sorrir. Curiosamente, a partitura do concerto continuava ali, como se ninguém tivesse tirado-a do lugar. Ela estava aberta no meio da peça em um dos solos do piano e havia marcações em vermelho em várias notas, o dono deveria ser muito minucioso para dar atenção a pequenos sinais da linha.

Voltei as folhas até a página inicial e comecei a tocar. As anotações feitas ajudavam o pianista a prestar mais atenção em trechos específicos. Os ouvidos e olhos de quem escrevera eram excepcionais.

Mesmo tendo consciência de que estava sozinha, bem ao fundo conseguia ouvir os instrumentos da orquestra acompanhando-me com o decorrer da peça.

Mozart Terminou ComigoOnde histórias criam vida. Descubra agora