"Há música no ar. Tudo que se deve fazer é pegar o quanto for preciso."
— Edward Elgar.♪♪♪
Sentia-me desconfortável e ao mesmo tempo em casa.
Meus olhos corriam pelos rostos que apareciam, tentando identificar algum conhecido indesejado, mas logo se perdiam nos detalhes do próprio salão do teatro.
Não importava quantas vezes viesse, eu sempre me espantava sua grandiosidade. As colunas em mármore, o tapete vermelho, as escadarias, os lustres e então o palco. Tudo era magnífico.
Meu tempo para apreciar os detalhes arquitetônicos foi pouco, pois o espetáculo logo começaria e tive que me apressar para entrar.
Um dos funcionários me levou até a fusa de número dez e então me sentei, havia um casal ao meu lado que usava roupas exageradamente elegantes, isso me fez pensar se era eu que estava simples demais para a ocasião ou se era apenas aqueles dois que queriam chamar a atenção. E se for a segunda opção devo dizer que conseguiram. Principalmente a mulher, apenas seu chapéu vermelho cheio de plumas e rendas já a tornava um alvo para os holofotes. Seu vestido parecia uma combinação do estilo vitoriano com o atual, uma mistura não muito boa em minha opinião. Era tudo muito chamativo, só faltava aquelas perucas brancas de 1700 que a mulher estaria pronta para encenar uma ficção histórica.
O homem estava menos chamativo que sua acompanhante, mas estava longe de ser discreto. Seu terno verde fluorescente, um colete xadrez nas cores azul e amarelo, sem contar a gravata branca que dava um contraste ainda maior. Eu diria que esse homem era uma ótima bandeira brasileira ambulante.
Senti os olhares de ambos em mim, haviam notado que eu os encarava e isso me obrigou a observar o grande lustre e o teto ilustrado do teatro.
"A senhorita não é muito discreta"
De fato, não carrego este dom, senhor Siwen.
Os músicos afinavam seus instrumentos com precisão, as luzes estavam acesas e murmúrios eram ouvidos por todo lado. Concentrei-me em uma conversa específica, a do casal ao meu lado, pelo que havia entendido, a mulher tinha um voo marcado daqui algumas horas e reclamava que, se a orquestra demorasse mais do que o previsto, ele pagaria pelo prejuízo.
Eles começaram a discutir sobre isso até que as luzes se apagaram e o maestro entrou no palco, ou seja, fora uma discussão demorada.
A primeira peça era o Concerto Para Orquestra de Béla Bartók, o mesmo que ouvi em uma das provas do Conservatório, entretanto aqui não seria apenas o primeiro movimento e sim a obra completa.
Béla Bartók foi um compositor que me confundiu muito, pois na minha cabeça Bela é um nome feminino. Talvez a mãe do pobre Bartók não estivesse muito lúcida quando escolheu esse nome? Ou estava esperando uma menina e no fim, depois de registrado no cartório, descobriram que era um homem? Quem sabe...
O primeiro movimento é aberto com as cordas e os instrumentos de sopro entram logo em seguida. Dava uma sensação de um ambiente noturno, criava-se uma tensão no ar, como se algo fosse acontecer futuramente.
Sentia-me caminhando em uma floresta escura, em uma carruagem, quando os trompetes se erguiam era como se chegasse de encontro a um rei. Era um ambiente quase místico que se formava.
Uma grande peça de teatro, onde cada instrumento representava um personagem ou um ambiente. As flautas e oboés me lembravam de fadas, em alguns momentos dava-se a impressão que estavam fugindo de algum mal que se aproximava, mas então a calmaria voltava. Se tornava relaxante, mas sempre com aquele sentimento de que não continuaria assim por muito tempo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mozart Terminou Comigo
RomanceDizem que amores de verão são passageiros, mas e os de outono? Pois foi numa fria tarde outonal que a jovem pianista, Lyra Scherzo, conhece alguém que faria seu mundo dançar em um ritmo completamente diferente. Tudo começou em uma sala de música...