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Voltei para casa remoendo a conversa com Nicholas, eu realmente o tinha deixado muito magoado, nunca foi meu objetivo, compará-lo ao seu pai não foi nada consciente... Foi algo que fugiu totalmente do meu controle, agora eu só queria que ele entendesse o quanto tudo isso ainda podia ser difícil pra mim.

Almocei e Aldo me chamou ao escritório para que eu me familiarizasse mais com a França, então passei a tarde inteira pesquisando coisas sobre o país e começando um curso online do idioma, Aldo me indicou um para iniciantes, claro que eu não aprenderia tudo nas semanas que faltavam para a viagem, Felipe estaria lá para me ajudar com o francês, mas eu adiantaria algumas coisas, pelo menos eu aprenderia a dizer bonjour, e a pedir ajuda, caso me perdesse na cidade ou estivesse com muita fome sem saber como dizer “fome”, e “quanto custa”. Obviamente eu teria muitos micos para contar na volta da viagem, isso se eu aguentar passar esse tempo todo lá.

- Com o tempo vai melhorar. – Aldo garantiu. – Eu nem me preparei exatamente para ir à França e em um mês lá, já estava me virando muito bem, pra sua informação, engordei três quilos só no primeiro mês.

- Mas se virar não é o suficiente para mim, eu vou pra uma escola! Ninguém vai esperar que eu traduza tudo no google para poder continuar a aula, eu vou ter que correr para acompanhar... Eu nunca fui boa em correr.

- Seu curso é de um ano, Julie, você vai aprendendo aos poucos. Todos ao seu redor falarão francês, não tem como não aprender! E o Felipe me assegurou que vai te ajudar em casa com aulas particulares, ele praticamente nasceu lá, mas fala português fluentemente, vai ser ótimo pra você.

Eu respirei fundo e agradeci mentalmente a Deus por mamãe ter encontrado um homem tão bom quanto meu pai. Aldo agia como nosso pai, e mesmo que a gente quisesse dizer que não, isso era muito bom, nos dava uma sensação de segurança, de estar amparado, tenho certeza que depois de tanto apoio até o Romeu sente isso.

- Muito obrigada, Aldo. Você está ajudando muito. – falei, dando um abraço apertado nele. – Você é um a... Paizão. É isso, você está sendo um pai para mim e para os meus irmãos.

Não consegui conter as palavras, mas dizer isso não significava que eu não amasse mais meu pai Edgar, eu o amaria para sempre, porém meu pai já tinha dado seu melhor, e Aldo é que estava conosco agora.

- Obrigada vocês, por terem me deixado entrar em sua família. Eu agradeço a Deus, por ter me dado filhos quando eu pensava que não poderia mais tê-los.

Eu já estava começando a chorar quando ouvi mamãe na porta, seus olhos já estavam marejados. Aldo abriu espaço e ela se juntou a nós.

- Eu amo vocês! – mamãe disse.

~~*~~

Encerrei meus estudos de francês às sete da noite, depois de minha mãe me chamar pela quinta vez para jantar. Fechei o notebook e fui para a sala de jantar, exausta, mas satisfeita por ter a mente ocupada, sem pensar nem em Nicholas, nem em Benjamim, falhando miseravelmente agora, claro.

- Hoje nós temos macarronada! – mamãe anunciou, destampando a panela.

- Está com uma cara ótima! – Thaíse falou, já se servindo de uma grande quantidade de massa.

- Amor, será que não é um pouco demais? – Romeu questionou, assim, como quem parece não ter mais amor à vida.

Thaíse o encarou incrédula, e apontou o garfo na sua direção.

- Um pouco demais? Um pouco demais é ter que acordar todas as noites para dar de comer a um bebê que nunca está sem fome. Um pouco demais? É não ter tempo nem para tomar banho ou pentear o cabelo... E ainda não poder fazer uma refeição em paz! – ela esbravejou, e todos na mesa, com exceção do meu irmão, riram.

Romeu estava um pouco assustado, esse era um lado dela que ele provavelmente não conhecia, mas era nisso que noites mal dormidas a transformavam. Num monstro. Nossa casa era seu habitat, e qualquer um de nós poderia ser a presa.

~~*~~

No final do jantar, depois de todos terem comido pelo menos duas porcões, minha mãe me chamou para conversar em seu quarto.

- O que foi, mãe?

- Filha, eu recebi uma coisa, estava entre as coisas do ateliê, seu tio Claudio achou e enviou para nós, chegou no meu escritório. – ela disse, tirando uma caixa de dentro do seu guarda-roupa.

- O que é isso? – perguntei, sentindo meu coração bater mais forte só de imaginar que tesouros aquela caixa escondia, detalhes do meu pai que eu não conhecia.

- Uma capsula do tempo. – ela disse, e as palavras soaram como música para os meus ouvidos. – Ele a fez quando você tinha alguns meses de nascida.

Mamãe pôs a caixa cuidadosamente em cima da cama e abriu a tampa, revelando uma porção de coisas que eu nunca tinha visto. Nem tive coragem de tocar, pareciam lembranças frágeis que se perderiam ao menor contato com o ambiente, e eu não queria correr esse risco, esperei um movimento de minha mãe.

- É toda sua! – ela me encorajou, - Eu já remexi bastante no que tem aí, e Romeu pode ver mais tarde quando Thaíse estiver mais calma.

- Tá bom. – falei, colocando a caixa no meu colo.

Eu simplesmente não sabia por onde começar. Meus olhos passeavam rápido por cada objeto, e eu desejava saber tudo sobre cada um deles. Peguei uma foto de um bebê, não era eu, era Romeu, tão bochechudo que dava vontade de apertar, era igualzinho ao pequeno Edgar. Haviam outras fotos de Romeu, da mamãe, dos três juntos, e depois eu, bem pequena, quase carequinha, sem nem ter aberto os olhos ainda. Tinham fotos dele mais jovem, até o pai do Isaque estava em uma imagem. Entre outras coisas, duas coisas me chamaram atenção: Uma lista com metas e um pincel, que estava cuidadosamente enrolado num tecido.

Pela lista eu vi que papai deixou de realizar muitas coisas, mas meus olhos brilharam quando eu percebi que pelo menos uma coisa dali eu poderia realizar por ele. Um dos itens era devolver o pincel para o seu dono, papai foi numa exposição de artes quando era bem pequeno, acompanhado da vovó, e foi nesse dia que ele se apaixonou por arte, por causa de um artista francês que participou da amostra, ele deu um mini curso que mesmo sendo criança papai insistiu para assistir. Ele foi o primeiro a chegar e o último a sair, porque queria falar com o pintor. Papai escreveu que ele era bem jovem, e tinha sotaque de Portugal, e ofereceu o pincel para ele, mas meu pai deveria devolver no dia seguinte que era o último dia da exposição. Acontece que a vovó não conseguiu chegar a tempo, não encontraram o pintor e ninguém sabia quem ele era. E a história ficou assim... Papai nunca pôde ir à França devolver o pincel.

Agora essa missão era minha.

Enlace (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora