37

119 22 2
                                    

O senhor Jerônimo balançou a cabeça repetidas vezes, respondendo afirmativamente a minha pergunta.

- Eu quero aceitar Jesus. – ele disse.

- Posso orar com você? – eu perguntei.

- Pode, criança.

Eu segurei sua mão e comecei a falar as palavras de conversão que ouvira o pastor Aurélio falar algumas vezes.

- Eu, Jerônimo, me arrependo de todos os meus pecados, e aceito Jesus como meu único e suficiente Salvador. – falei.

O avô de Jean repetiu o que falei com a voz embargada.

- E agora? – ele perguntou, sorrindo em meio as lágrimas. - O que eu faço?

- Agora, ande com Jesus. – falei.

~~*~~

Eu ainda conversei bastante com o senhor Jerónimo, ele me deu muitas dicas sobre pintura, sobre as exposições... Não que eu pensasse o contrário, mas conversando com ele tive a certeza do quanto eu ainda era iniciante nesse mundo das artes, ele sabia cada coisa que me deixou de queixo caído.

- Estou fazendo com você o que não pude fazer com seu pai, claro que teríamos que ter mais tempo para eu lhe ensinar o que você precisa saber, mas muitas coisas você aprenderá na prática, não há pressa, você ainda tem todo o tempo do mundo.

- É sim, tudo que senhor me disse agora com certeza será muito valioso para minha jornada de pintora.

- Sim, mas não esqueça de ter os seus próprios aprendizados, as suas experiências serão únicas.

Assenti, e olhei ao redor procurando Jean novamente. Não vi quando ele saiu, e ele ainda não tinha voltado.

- Onde será que Jean está? Eu estou com um pouco de sede.

- Eu não sei o que ele está fazendo, mas você pode entrar e ir até a cozinha. Peça para minha filha trazer o meu lanche, por favor.

- Tá bom, eu falarei pra ela. – disse, levantando e entrando na casa.

As portas de correr estavam abertas do jeito que deixamos, e eu acabei me guiando pela voz da mãe de Jean, seu tom de voz era bravo, e eu tive receio de interrompê-la, mas continuei seguindo o som. Quando finalmente a vi, percebi que realmente era a cozinha.

- Você precisa ter mais cuidado Jean! O que você tem é sério! Não pode viajar de um país para outro, isso vai prejudicar ainda mais a sua saúde! – ela gritava com ele, gesticulando as mãos como se estivesse com pressa.

- Mãe, eu já estou bem. Eu tomei meu remédio e pronto, passou. Não há motivo pra pânico. – ele falou, com a voz suave.

Jean levantou da cadeira onde estava sentado e abraçou sua mãe.

- O pior já passou...

- Mas e se o pior voltar? – ela perguntou. – Eu acho melhor você continuar o tratamento aqui.

- Não tem mais tratamento nenhum, mãe. – ele disse.

Eu continuei em silêncio, é feio ouvir a conversa alheia, mas eu não queria interromper a discussão dos dois.

- Tem tratamento sim! – ela contestou.

- Eu não estou mais indo às sessões, já falei com a doutora Lorelay.

- E ela concordou com isso?

- Não! Eu assinei o termo de responsabilidade.

- O QUÊ?! Você não pensa na sua família? Nós precisamos lutar até o fim!

- Mãe, eu estou lutando por outra coisa agora. Eu descobri coisas maiores.

- O que aconteceu? Está agindo assim desde que saiu do hospital em agosto. Filho, nós pensamos que iriamos perder você, mas você sobreviveu e está aqui conosco... Queremos que continue aqui.

- Mãe, a senhora não entende. Eu não sobrevivi por acaso, tudo isso tem um propósito e não envolve estar num hospital cheio de fios e aparelhos no meu corpo. Eu estou prezando minha qualidade de vida.

- Uma vida que vai acabar logo se você não se cuidar como deve!

Levei minha a boca, eles não falaram claramente mas com certeza Jean tinha alguma doença grave que poderia leva-lo a morte, e não queria se tratar.

O silêncio reinou na cozinha e antes que eles voltasse a discutir, apareci na entrada do cômodo, exibindo minha melhor expressão de "eu não sei de nada".

- Jean! Eu estava te procurando, estou com um pouco de sede. Dona Analice, o senhor Jerônimo pediu o lanche dele. – falei.

Os dois disfarçaram o clima pesado que havia antes, e eu dei um sorriso amarelo.

- Eu já estava indo, só estava terminando o lanche. – falou, colocando suco e biscoitos em uma pequena bandeja.

Analice saiu da cozinha apressada, e deixou Jean e eu sozinhos.

- Senta aqui. – ele chamou, me indicando um dos bancos encostados do balcão.

- Quer biscoitos? – ele perguntou, sem me olhar nos olhos.

- Quero sim.

- Minha mãe que fez, ela cozinha muito bem.

- Na minha casa é meu padrasto que cozinha melhor. Mas ele só faz isso em ocasiões especiais. – falei. – Nos outros dias nos contentávamos com as gororobas de Romeu ou pedíamos comida fora.

Jean riu.

- O que são gororobas? – ele perguntou, tomando um gole do suco.

- Você não sabe? Bom, gororoba é uma comida que não dá pra comer, ou você come assumindo os riscos... É uma comida mal feita. – resumi.

- Entendi, aqui em casa mamãe não faz gororoba.

- Sorte sua. – eu disse.

Enquanto lanchávamos, abri a boca várias vezes com a intenção de começar uma conversa com Jean sobre seu problema de saúde, mas seria invasivo. Contive minha curiosidade e preocupação para quando ele resolvesse me contar, se ele resolvesse contar.

~~*~~

Depois do almoço nós fomos para a exposição em um táxi, depois de várias ligações do professor Chevalier preocupado com a nossa demora. Antes do carro sair o avô de Jean me entregou novamente o pincel. Me deu de presente.

- É seu. Você vai fazer bom uso. – ele disse, e Jean e eu nos despedimos de sua família.

Quando já estávamos quase chegando na galeria, Jean puxou conversa.

- Você gostou de conhecer o meu avô?

- Gostei muito! Ele tem muita experiência para compartilhar, nós conversamos bastante, e eu orei para que ele aceitasse a Jesus. – contei.

- O quê? O meu avô aceitou a Jesus? Ele sempre foi ateu. Convicto.

- Bom, eu não sei. O fato é que Deus conhece cada coração e sabe do cada um precisa. Ele colocou as palavras certas em minha boca, e então aconteceu.

- Por que eu estou tão admirado? – ele se perguntou, rindo.

- Boa pergunta!

- Para Deus nada é impossível.

Enlace (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora