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Julieta

Duas semanas se passaram rapidamente na França, entre passeios à museus, idas à cafés e lições mais formais com Felipe na pequena biblioteca da casa dele. Conheci muita coisa legal, mas ainda não fui à torre porque não conseguimos ingresso em um horário que valesse a pena. Não tenho tanta pressa, mas quero enviar pelo menos uma foto de agradecimento para Lorena e Marcela, eu vou estar plenamente parisiense justamente por causa delas.

Falei com minha família poucas vezes, e nem sempre foi bom, eles choram, eu choro, e quando desligamos o telefone eu preciso de tempo para voltar às minhas atividades normais aqui, pelo menos a família de Aldo tem sido muito compreensiva comigo, eles não me julgam ou me obrigam à estar presentes nas reuniões, inclusive as da igreja, que eu ainda não fui em nenhum dia, mas a pior hora é quando tenho que dormir, não estou totalmente habituada com os horários, só que não é esse o problema de fato. Eu apenas estou com saudade. Tento lembrar de meu pai colocando Berceuse para tocar, que por pura coincidência Jean havia me feito lembrar na minha primeira noite aqui, mas não é todo dia que isso funciona, portanto eu venho tendo noites mal dormidas.

A melhor parte do dia é quando consigo responder a alguma pergunta de Felipe em francês, sim, essa com certeza é uma ótima sensação por mais simples que a frase fosse, para mim, recém coroada a grande ameba do francês, acabava sendo um grande avanço.

Hoje de manhã vão começar as minhas aulas, eu estou levemente tranquila, porque Felipe vai me acompanhar nas primeiras semanas, mas também com um pouco de vergonha por precisar da sua presença na sala, mas vou ter que lidar com esse desconforto já que nem existe a possibilidade de ir sem ele.

No café da manhã me deparei com uma linda mesa enfeitada com as coisas mais gostosas, tanto doces, como salgadas.

- Bonjour. - cumprimentei.

- Bonjour. - Adélia respondeu, posicionando um último prato na mesa e se inclinando na minha direção depositando um beijo em minha bochecha.

Felipe e seu pai também me responderam, sorridentes. Todos muito animados com meu primeiro dia de aula, era como se eu fosse a caçula da família começando a fazer algo realmente grande. O ambiente estava bastante agradável, mas logo senti um frio na barriga quando Felipe me chamou para irmos pra escola.

Peguei minha mochila, onde estava o pincel de meu pai, me despedi dos pais de Isaque e o segui até o carro.

~~*~~

Depois de vinte minutos vi surgir um prédio imponente entre construções de pequeno porte, e a primeira coisa que me chamou atenção foi a pintura da fachada impecável, considerando quase dois séculos de sua existência datados na placa dourada que continha seu nome era um feito extraordinário.

Abri um sorriso e senti algo pular dentro de mim, por fora eu parecia uma garota normal, fingindo costume, mas por dentro eu estava começando a me animar pelo tanto de coisas incríveis que eu aprenderia naquela escola. Minha vontade era sair pulando pela escola, explorando cada cantinho dela, como quando eu era criança e não dava um passo sem tirar os dois pés do chão, mamãe detestava essa mania, eu nunca entendi o porquê, esse era só meu jeito de demonstrar felicidade.

- Essa escola é incrível! - eu disse.

- E você ainda nem viu tudo. Ela é enorme.

- Acho que vou demorar a parar de me impressionar com esse lugar, essa arquitetura, todos os detalhes...

Eu mexia minha cabeça de um lado para o outro tentando captar todas as características do largo pátio que nos levava a uma grande escada que dava acesso as salas de aula.

No corredor das salas, haviam fotos que eu presumi serem de ex alunos da escola, corri meus olhos rapidamente sobre o nome deles querendo saber se alguém tinha emprestado aquele pincel para o meu pai, mas nenhum dos nomes começava com as iniciais gravadas nele. Não sei exatamente como vou encontrar o dono, considerando que a única pista que tenho é a inicia: J&A. Quem será essa pessoa, e por onde anda? Fiquei gastando pensamentos tentando criar hipóteses sobre essas questões, mas como era de se esperar, não cheguei a nenhuma conclusão.

- Aonde você vai? - ouvir Felipe perguntar, com um sorriso brincalhão no rosto.

- O que foi?

- Sua sala é esta.

- Ah sim. - eu ri, voltando alguns passos.

Felipe abriu a porta para mim e eu entrei sendo observada por outros alunos que há estavam lá. Por sorte, o professor ainda não tinha chegado.

- Bonjour. - cumprimentei, com a voz trêmula por estar falando pela primeira vez com franceses que não fossem da minha família.

- Bonjour. - alguns responderam e eu respirei aliviada por eles terem se virado novamente para o que estavam fazendo antes da minha chegada.

- Você foi bem. - Felipe cochichou, me conduzindo para uma cadeira no fundo da sala.

Eu me sentei e percebi que estava mais nervosa do que gostaria de admitir. Se os primeiros dias de aula fosse iguais no mundo inteiro eu passaria a maior vergonha de toda a minha vida.

Respirei bem fundo por cinco vezes, e então tentei não pensar no que estava por vir, caso contrário eu fugiria dali correndo. Fiquei conversando com Felipe, até que seu celular tocou e ele saiu da sala para atender.

Depois de alguns minutos ele voltou com os olhos vermelhos, ele passava as mãos na cabeça com força, apertando os olhos com força para não chorar. Ele sentou na cadeira na minha frente por um segundo e eu toquei em seu ombro, querendo saber que notícia tinha deixado ele tão mau.

- O que aconteceu, Felipe?

- Meu pai, ele teve um AVC. Está no hospital entre a vida e a morte.

Levei minha mão à boca, e depois o abracei.

- Eu sinto muito, Felipe. Tenho certeza que Deus vai cuidar de tudo. Nós vamos para o hospital?

- Não, você precisa ficar, não pode começar já faltando. Você vai ficar bem se eu for?

Demorei para responder, dizer não estava fora de questão, só que eu sei que não vou ficar bem sem ele, o jeito é me virar, o momento exige isso. Pedi forças a Deus e mandei Felipe ir.

- Pode ir, Felipe. Não se preocupe comigo, eu pego um táxi para casa.

- Ok, qualquer coisa me liga!

Eu assenti, e vi meu Google tradutor sumindo do meu campo de visão, eu não podia fazer nada, ele tinha que estar com seus pais agora.

Enlace (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora