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Uma mulher apareceu na entrada da casa, ela estava com os cabelos presos em um coque e com um avental manchado de molho de tomate.

- Vamos deixar para outra hora, minha mãe já veio nos receber. - ele disse.

- Tá bom.

Fomos até ela, que limpando as mãos recebeu Jean e eu num grande abraço. Parecia que ela já me conhecia.

- Que bom que vieram. Você é a Julieta?

- Sim, sou eu.

- É um prazer, eu sou Analice, mãe desse anjinho. - falou, apertando as bochechas dele.

- Vocês se parecem um pouco. - falei, sorrindo.

- Fala isso porque ainda não viu o meu pai, os dois são idênticos. Agora vamos entrando, eu preparei um lanchinho para vocês. – ela disse, abrindo caminho para passarmos na sua frente.

Nós entramos na casa e eu fiquei surpresa com todos os quadros expostos na parede. Tão diferentes.

- São todos do meu avô. – Jean informou.

- São incríveis.

- Ele está no jardim do outro lado, podem ir pra lá, eu levo o lanche de vocês. Você deve estar ansiosa para vê-lo.

- Estou mesmo. – falei, sorrindo.

- É por aqui, Julie.

Jean foi na minha frente e abriu as portas de vidro que davam para o quintal de forma solene.

- Mademoiselle.

- Obrigada.

Ele caminhou até o avô. Ele estava sentado em uma cadeira entretido com um livro, não pareceu perceber nossa presença.

- Vô...

Antes de falar qualquer coisa eles se abraçaram.

- Jean, eu pensei que não veria você de novo.

- Não diga isso vô. Eu estou bem aqui.

- Filho, não é certo nós enterramos vocês... Como é que aquela doutora deixou você vir aqui?

- Digamos que eu tenha fugido dela... Mas vô. Eu estou bem aqui, o pior já passou.

- Coitada da doutora Lorelay...

- Ela vai superar... E hoje eu trouxe alguém especial para o senhor conhecer. – ele disse, encerrando aquele papo estranho sobre morte.

- É mais uma namorada?

- Não vô. É melhor que isso. Lembra daquela viagem ao Brasil? O senhor sempre contava essa história para nós, do garoto que conheceu.

- O pequeno Edgar.

Meu coração se alegrou ao saber que ele lembrava do meu pai depois de tanto tempo.

- Depois daquele dia eu nunca mais o vi. Gostaria de ter ensinado mais coisas para ele, mas eu não soube como encontra-lo.

Jean fez sinal para que eu me aproximasse. Eu dei passos lentos até eles, e o seu avô apoiou o livro na mesa de ferro branca. Ao me aproximar notei que suas mãos eram trêmulas.

- Senhor Jerónimo, essa é Julieta, filha de Edgar. – Jean me apresentou.

- Olá, senhor. – falei, estendendo minha mão com um sorriso.

- Você é mesmo filha de Edgar? – ele perguntou, estendendo as mãos trêmulas para tocar meu rosto.

~~*~~

Eu confirmei que era mesmo filha do garoto que ele conheceu há décadas, e me sentei ao seu lado.

- Eu nunca esqueci o seu pai. Ele era um garoto muito alegre, e vocês tem os mesmos olhos... E as mesmas mãos. Eu tinha certeza de que ele era um artista.

- Ele se tornou, desde aquele dia. O senhor foi uma inspiração para ele por todos esses anos. Ele não teria sido o que foi se não fosse pelo senhor, e eu também não pintaria. – falei, sorrindo para ele, desenrolando o tecido que cobria o pincel.

- Está em perfeito estado. – ele disse, pegando o objeto e admirando-o.

- Um dos sonhos do meu era devolver esse pincel para o senhor, infelizmente ele não teve tempo. Um acidente deu um fim a sua vida. Mas hoje eu estou aqui, realizando seu desejo, e tendo a oportunidade de conhecer o senhor, que foi tão importante pra ele.

O senhor Jerónimo me abraçou e eu deixei algumas lágrimas caírem, procurei Jean e ele tinha saído do quintal, talvez tivesse ido ver sua mãe.

- Eu fico muito alegre pelas notícias que você me trouxe, é uma pena não poder reencontrar Edgar, mas saber que ele trabalhou como artista e que lhe ensinou isso, é muito gratificante... Mas eu não vou aceitar o pincel de volta.

- Como não? Eu vim aqui especialmente devolvê-lo! O Jean disse que esse pincel foi um presente do seu pai, feito sob medida pra você.

- Tudo isso é verdade, ele só esqueceu de dizer que eu não posso mais pintar. Eu tenho mal de Parkinson, não tenho mais a firmeza de antes nas minhas mãos. – falou, com a voz embargada, e ao mesmo tempo transbordando mágoa.

- Eu sinto muito. – falei.

- Minhas mãos que foram tão úteis um dia hoje servem para muito pouco. De nada vale ter feito tanto e agora não poder fazer nada!

- Não diga isso. Eu não entendo exatamente o que o senhor está passando, mas o senhor já viveu tanto! Serviu de inspiração para tanto novos artistas! – o encorajei. – Não é porque hoje não pode pintar que tudo o que fez foi em vão, é o contrário! O senhor fez tanto e tão bem que até hoje pode ver os frutos do seu trabalho! Vários novos artistas e professores que ainda admiram suas obras e se inspiram no seu talento.

- Então por que a sensação é de que eu desperdicei os meus melhores anos?

Quando o senhor Jerónimo proferiu aquelas palavras o Espírito Santo me lembrou de um versículo que o pastor Aurélio sempre falava nas reuniões com os jovens.

- Lembra-te do teu Criador nos dias de sua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento. – falei em voz alta, sem perceber.

- O quê? – ele estranhou.

- Talvez aquilo que o senhor achou que importava mais não fosse o certo. Talvez o senhor tenha deixado de lado o propósito real da vida.

- Está dizendo que eu errei em ter me dedicado à pintura por tanto tempo?

- Não! Estou dizendo que o senhor errou em não ter investido na vida eterna, há algo além disso que vivemos, e nós precisamos investir na vida que virá. Juntar tesouros no céu. Acontece que muitas vezes nós só investimos nas coisas daqui, os anos passam, e a traça consome tudo que levamos uma vida inteira para construir. – falei, sentindo algo diferente depois de libertar todas essas palavras.

O rosto do avô de Jean se contorceu em uma careta e ele deixou escapar algumas lágrimas.

- Como você sabe tudo isso? Você é jovem demais para falar essas coisas. – ele reclamou.

- Senhor Jerônimo, não sei no que o senhor acredita, mas tudo isso que falei não veio de mim. Foi o Espírito Santo que me trouxe essas palavras. Eu vim aqui apenas lhe entregar o pincel, mas Ele, como sempre, tem planos maiores e melhores. E eu preciso dizer, o tempo que o senhor perdeu longe de Cristo não pode ser recuperado, mas enquanto existe vida, existe esperança. Você pode optar por Ele hoje. E juntar a partir de agora tesouros que nada poderá destruir, e se preparar para uma vida eterna abundante ao lado do seu Criador. O senhor quer aceitar Jesus como seu único e suficiente Salvador?

Enlace (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora