Uomo in mare

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Era um final de tarde típico do inverno em Campos do Jordão, uma cidadezinha interiorana localizada a 139 km de São Paulo. O termômetro marcava apenas 5 graus, e o casal havia decidido aproveitar um fim de semana longe das preocupações da capital, desconectados de celulares, tablets e notebooks.
Era apenas ele, ela, uma lareira, uma TV, um DVD e alguns filmes antigos que provavelmente estavam assistindo pela milésima vez. Mas isso não importava. O que realmente desejavam era passar aquele tempo juntos, abraçados e se amando.
Durante as cenas de beijo, ele aproveitava para beijá-la simultaneamente, o que arrancava gargalhadas dela. Em menos de seis meses, eles se tornariam um só. Aquela noite já era uma prévia do que seria a lua de mel.
Ao terminar o quarto filme, a noiva sentiu fome e pediu ao companheiro para ir ao mercado, que ficava no final da rua, comprar pães e leite para preparar chocolate quente.
Não queria ficar longe dela um segundo sequer. Finalmente haviam conseguido uma brecha em suas agendas para passar um tempo juntos. No entanto, ele também estava com fome. Vestiu dois casacos, luvas e touca, e deu-lhe muitos beijos. Antes de fechar a porta, viu-a acenar sorridente. A alegria dela fez seu coração se encher de felicidade.
O pequeno mercado estava com fila na padaria. A princípio, não se importou, pois o amor que sentia por ela lhe proporcionava uma felicidade constante. Cantava a música favorita dela enquanto pegava os produtos da prateleira. Finalmente foi comprar os pães e pegou um lugar na fila próxima à rua.
De lá, observava o movimento dos veículos e pedestres que passavam, encantados com a beleza da cidade. No entanto, algo chamou sua atenção: um carro de polícia passou devagar, com dois homens fardados dentro, observando a movimentação. Pensou que fosse normal, afinal, ele mesmo era policial e sabia que às vezes era necessário vigiar a área.
Alguns minutos depois, enquanto pagava as compras no caixa, viu uma motocicleta passar velozmente, acompanhada pela sirene e pelo giroflex da polícia. Não sentiu medo. Sua arma estava no bolso, caso alguém tentasse algo contra ele.
Andou apressado de volta à pequena casa, onde deixou a noiva esperando. Ansiava em beijá-la e abraçá-la. Mas, ao abrir a porta, a cena que encontrou foi devastadora: a mulher estava caída no chão, com sangue cobrindo suas roupas e agonizando.
Correu para ela, chamando-a:
- Bruna... Bruna, meu amor... O que aconteceu? - as últimas palavras foram as mais difíceis de serem pronunciadas. Seus olhos já estavam cheios de lágrimas.
- Eles entraram... Vasculharam tudo... Viram que não tinha nada e... Atiraram! - ela falava pausadamente, com dificuldade para respirar.
- Vou chamar uma ambulância! - gritou, tentando se levantar, mas foi detido pela mão dela.
- Sinto muito... Já está na hora de eu partir... - avisou, gemendo de dor e com a respiração descompassada.
- Não diga isso. Eu te amo! Eu preciso de você! - o homem suplicou, em meio a um choro desesperado.
- Deixe-me ir, Thiago... Eu... Também... - sem conseguir terminar a frase, deu um último grito e expirou.
- Fica comigo... Por favor... - ajoelhou-se. - Por favor!!! - implorou. Já era tarde demais. Bruna estava morta.
Ele a pegou nos braços, tentando reanimá-la. Acariciou-a e beijou-a. Diante do corpo sem vida da noiva, Thiago fez uma promessa a si mesmo: nunca mais permitiria que a impunidade prevalecesse. Ele iria atrás dos responsáveis pela morte da mulher com quem planejava construir um lar.
Cerca de duas semanas depois, o resultado da perícia foi divulgado: dois indivíduos com passagens pela polícia estavam foragidos após uma onda de assaltos em cidades vizinhas a Campos do Jordão. O detalhe crucial era que estavam em regime aberto. Os policiais estavam realizando rondas para capturá-los após denúncias de pessoas que supostamente haviam visto os suspeitos.
Chegaram à casa onde Bruna foi morta tarde demais. Os ladrões já haviam revirado tudo e priorizado a fuga. Foram capturados, mas Thiago tinha certeza de que, se não fossem tomadas providências, logo estariam na rua novamente.
Em seu dia de folga, decidiu ir ao presídio onde os criminosos haviam sido detidos. Levou consigo uma arma e subornou o carcereiro para entrar na cela. Conhecia o sistema policial e sabia que ele aceitaria.
Junto aos dois bandidos, havia mais quatro. Tentaram intimidar Thiago, mas ele não se deixou abalar. Deixou a raiva falar mais alto, puxou o revólver do bolso e agrediu dois deles, atirando na cabeça dos outros três. Em seguida, pegou um frasco de álcool, espalhou-o pelos corpos e ateou fogo.
O carcereiro prestou queixa e Thiago foi absolvido pelo crime, graças a um bom advogado que lhe ajudou na defesa. Este advogado acabou se tornando amigo de Thiago e, como pena, ele foi transferido para a cela administrativa.
Rodrigo, o amigo e advogado, aplaudiu sua atitude. Já estava cansado das falhas da lei que beneficiavam criminosos. A partir de então, juraram juntos que fariam justiça, mesmo que fosse por suas próprias mãos.
Assim nasceu o justiceiro de São Paulo. Rodrigo passava as informações sobre os bandidos, enquanto Thiago os caçava e matava. O advogado começou a treinar algumas táticas de tiro e luta com Thiago, para ajudá-lo caso estivesse em perigo.
Rodrigo pintou uma caveira semelhante à do Justiceiro, o anti-herói das histórias em quadrinhos da Marvel, em seu colete. Comprou uma máscara que cobria parte do rosto e também apresentava esse símbolo. Adquiriu armamento pesado, recrutando pessoas do exército. Alimentou seu ódio, relembrou o treinamento militar e saiu às ruas para intimidar quem cometesse crimes.
Rodrigo começou a se preocupar ao ver o amigo matando pessoas perto de sua residência. Aconselhou-o a se mudar para longe dali, e Thiago seguiu seu conselho.
Usou o dinheiro que havia economizado para comprar uma casa com sua noiva dois anos antes da tragédia para adquirir um imóvel em um bairro mais pobre, onde pudesse viver tranquilamente sozinho.
Ao estacionar seu Audi, chamou a atenção de uma jovem que saía da casa em frente à sua nova moradia.
"Bem bonitinha!" - pensou.
Tirou os óculos escuros e a cumprimentou, deixando-a sem graça. Riu sozinho.
Percebeu que a mudança iria levar tempo. Estava faminto e perguntou aos entregadores onde havia um restaurante.
- Apenas no shopping! - foi a resposta.
Revirou os olhos. Teria de se acostumar a morar longe de tudo.
Chegando à praça de alimentação, onde pretendia comer algo delicioso em paz, viu pessoas filmando, tirando fotos e comentando sobre uma briga de casal. Passou pelo meio da multidão, empurrando a todos. Por coincidência, um imbecil estava puxando o braço de sua vizinha bonitinha.
A cólera tomou conta dele. Decidiu se intrometer. Nunca teve medo de apanhar, pois amava uma boa briga.
Acompanhou a menina até a administração, onde viu seguranças repreendendo o idiota. A fome o consumia, mas teve que esperar.
Não muito depois, viu a mocinha saindo de mãos dadas com o imbecil, não por vontade própria. Notou que ela estava sendo forçada.
- O que deu lá dentro? - ousou perguntar.
- Não deu em nada - respondeu o namorado, sorrindo orgulhoso e voltando a arrastá-la.
Antes de sumirem de seu campo de visão, viu-a lançar-lhe um olhar de clamor. Não entendeu muito bem, mas apenas riu consigo mesmo, repetindo em tom satírico as palavras do brutamonte:
- Não deu em nada... - repetiu em tom satírico e finalmente pôde almoçar em paz.

InerziaOnde histórias criam vida. Descubra agora