Quando Tutto Per Finire

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Já estava liberada para voltar ao trabalho, o que era irônico. Afinal, sua função era altamente estressante e desgastante, o que poderia lhe custar dias de vida.
- É necessário, Pâmela! - fala para si mesma antes de atravessar a porta do enorme prédio. Solta um suspiro sôfrego. Por fim, tira o crachá do bolso, passa-o na catraca e entra na sala de operações.
Ao chegar ao corredor da equipe de seu supervisor, recebe olhares curiosos. O chefe a cumprimenta com um abraço cheio de condescendência e pergunta o que havia acontecido.
Após ouvir uma jovem relatar sua doença com uma cura improvável, algumas pessoas a alentam, outras lançam olhares de condolência, e algumas simplesmente lamentam.
Tudo parece falso para ela. Ninguém realmente se importou, nunca puderam ser chamados de amigos. Agora a tratam como se fosse querida.
- Então é assim que se trata um moribundo? - indaga-se.
O dia passa rapidamente, um ponto positivo por estar longe do "inferno" mais cedo, e um ponto negativo por ter menos tempo de vida.
Ao passar pela catraca, despede-se de algumas colegas que decidiram conversar com ela pela primeira vez desde que entrou na empresa.
Uma forte chuva cai lá fora, como se o mundo fosse acabar em água. Revira a bolsa e constata que esqueceu o guarda-chuva.
- Porra! - ralha.
- Quer uma carona de guarda-chuva? - pergunta o supervisor, surgindo por trás dela.
- Se possível, eu agradeço! - responde, sorrindo simpática.
Ele enrosca uma das mãos em sua cintura, o que a deixa constrangida. Antes de atravessarem a saída, abre o enorme guarda-chuva que os cobre.
Conversam sobre o quanto o tempo é maluco: ora está frio, ora está calor. Porém, Pâmela nota o olhar interessado do homem sobre ela. Transmite desejo, quase psicopatia.
Finalmente, chegam à estação de metrô, para seu alívio.
- Bom, nos vemos amanhã! - diz ele, dando um beijo em sua bochecha, próximo ao canto do lábio.
- Até amanhã, Antônio! - abaixa a cabeça e anda depressa. Além de estar assustada com o ocorrido, está atrasada para a aula.
[x]
Chegando à faculdade, é recebida carinhosamente por Elaine e Carolina. Ambas a abraçam fortemente, enchendo-a de perguntas. Ela não pode explicar muita coisa, pois o professor surge pigarreando por trás delas. A aula iria começar.
Somente no intervalo consegue se sentar com as amigas para atualizá-las sobre os últimos acontecimentos. Ambas lamentam sua enfermidade, mas oferecem todas as forças e energias positivas possíveis.
Elaine vibra ao ouvir sobre o noivado com Daniel, contudo, Carolina enrijece o semblante.
- Amigas, vocês estão muito tristes! Sei que esse negócio de doença no coração é terrível, mas você vai se casar! - diz a loira, empolgada.
- Vai se casar com um cara que a agrediu... - Carol deixa escapar, e é fuzilada pelos orbes verdes de Pâmela.
- Que história é essa, Pam?
- Longa história...
A outra presta atenção em cada palavra. Quando Pâmela termina, se manifesta.
- Sabe, Pam, eu não acho que o Daniel tenha feito por mal...
- Elaine, não acredito que você está defendendo esse canalha! - Carolina a interrompe.
- Não estou defendendo. Só estou dizendo que, às vezes, ele não fez por mal... Há pessoas, como eu, que quando ficam nervosas não pensam nas consequências. Talvez esse tenha sido o caso...
- Eu não posso acreditar que estou ouvindo um absurdo desses! - a morena cruza os braços, bufando.
- A verdade é que você está com raiva dos homens porque o Rodrigo não te quis depois da sua festa! - Elaine diz, sem pensar.
- O quê? Acha que sou você, sempre farejando um macho pra atacar? - retruca.
Pâmela assiste à discussão das amigas, que começa a esquentar com cada frase. Pede para que parem, mas não a ouvem. Assim, se levanta da mesa com o rosto cheio de lágrimas e caminha em direção à saída.
Ambas a encaram em silêncio por um momento, mas logo voltam a discutir.
Ao pisar do lado de fora, vira o pé e quase cai. Por sorte, se apoia na parede. Entretanto, ao se recompor, nota que sua sandália havia arrebentado.
Respira fundo para não surtar de raiva e começa a arrastar o pé sobre o calçado até chegar ao ponto de ônibus. Lá, liga para seu pai, tentando verificar a possibilidade de ele ir encontrá-la e levá-la um sapato. No entanto, assim que pega o celular, um ônibus passa, jogando toda a água suja que estava perto da calçada.
Até pensa em gritar e blasfemar contra Deus. No entanto, a única coisa que consegue fazer é continuar choramingando.
[x]
Thiago tivera um dia cansativo no trabalho, preenchendo muitas papeladas. Estivera entediado por não receber mais alertas de bandidos. Era como se estivessem com medo de serem pegos pelo justiceiro.
Passara em um bar, comprara uma cerveja e bebia enquanto mexia no celular. Contudo, o tédio lhe consumia de forma absurda. Então, decidiu pegar seu carro e fazer uma ronda pela região, mesmo sem uniforme.
Depois de longas voltas, se encontra no bairro do Tatuapé, onde havia agido pela última vez. É inevitável lembrar-se de como protegera Pâmela naquela noite. Xinga mentalmente o fato dos caminhos de ambos sempre se cruzarem, como se fosse destino.
E, mais uma vez, o tal destino lhe prega uma peça. A vê no ponto de ônibus usando um vestido rosa claro, completamente sujo e ensopado, com os cabelos bagunçados e a expressão péssima.
Pensa em falar com ela, mas se lembra de como surtou ao descobrir sobre seu namorado. É uma mentirosa, traiçoeira, que merece passar por isso. Contudo, seu espírito de bom moço não permite que a ignore.
Estaciona o carro próximo ao ponto, abaixa o vidro e olha diretamente para ela.
- Quer que eu te leve para casa?
- Está me perseguindo? - cruza os braços, irritada.
- Não. Apenas estava... - idealiza uma desculpa plausível. - Procurando algum lugar pra comer. Achei que precisasse de ajuda, mas já que é autossuficiente, vou embora. - começa a subir o vidro do carro.
- Espera! - brada, colocando a mão na janela. - Por favor, me leva embora!
Thiago abre a porta e faz sinal para que entre. Mesmo envergonhada pelo estado em que se encontra, ela ousa encará-lo e nota seu charme habitual.
- Então você não é tão independente assim, não é mesmo, criança?
Quando a chama daquela forma, Pâmela sente o sangue ferver em seu rosto. Cerra os punhos, mas respira fundo.
- Olha, sabe aqueles dias que você poderia não ter saído de casa, nem estar viva para vivê-lo, porque tudo dá errado? Então, esse dia é hoje! Por favor, se tiver algo para me dizer, faça-o logo porque ainda dá tempo de eu desistir de aceitar sua ajuda.
- Ei... Calma... Só estou brincando! - gargalha sarcástico. - Só não sei o que seu namorado vai pensar ao te ver sair do meu carro.
- Não vai pensar nada porque ele não é meu dono! - responde. - Esse seu ciúme é tão bobo...
Ao ouvir aquela palavra, Thiago se irrita a ponto de quase bater no veículo da frente. Por sorte, freia a tempo de evitar a colisão.
- Olha aqui, garota, se acha que estou com ciúmes de você, está muito enganada! - fita-a, enraivecido. - Você é só uma pirralha que tem quase idade para ser minha filha e ainda é uma mentirosa que me fez acreditar que estava solteira. Qual o problema? Queria experimentar um cara mais velho e não sabia o que fazer?
- Não quero experimentar nada porque só quero ficar longe de problemas. E você é um deles!
- Ok. Eu sou seu problema... - ri. - Então saia do meu carro! Sou seu problema e não sua solução!
Ela bufa, mas o faz. Bate a porta com força e sai arrastando o pé pela calçada. Estão longe do ponto de ônibus, portanto, terá que tentar ser rápida.
Vê-la daquela forma corta o coração de Thiago. Sente pena e culpa por tudo o que está passando. Não deve ser fácil viver com seus dias contados.
- Pâmela... Por favor... Entra no carro. - pede, já abrindo a porta. Ela o ignora e continua a caminhar. A chuva já voltava, piorando ainda mais sua situação. - É sério, Pâmela. Se você não entrar no carro, vou te arrastar aqui para dentro à força. - ameaça.
- Não pode fazer isso, vou falar que estou sendo sequestrada. - responde sem olhá-lo, fazendo bico.

- Não duvide de mim. Entra agora!

As gotas começam a se intensificar. Então, ela levanta o rosto e encara seu olhar de súplica. Decide entrar novamente no carro e seguem boa parte da viagem em silêncio.

Distraía-se observando a paisagem; mesmo com o vidro embaçado, quando é despertada do transe, ouvindo-o chamá-la:

- Quer comer alguma coisa? Vou parar aqui! - aponta para o estacionamento de um fast food.

Ela afirma com a cabeça, sem encará-lo. Sua barriga reclama de fome, o que arranca um riso silencioso dele.

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