Irreversibile

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Thiago se lamenta por alguns instantes, dando tapas na própria cabeça. Em um impulso de frustração, chuta a mesa de centro da sala com tanta força que ela tomba. Por sorte, não havia nenhum objeto sobre ela. Ele joga o uniforme do justiceiro em cima do sofá e dirige-se à casa da namorada. Toca a campainha insistentemente, bate na porta e chama seu nome, implorando para que o perdoe. No entanto, a resposta é um silêncio absoluto, que o deixa desolado.
Durante o restante do dia, ele tenta ligar para ela diversas vezes. Nas primeiras chamadas, consegue falar, mas depois as ligações caem diretamente na caixa postal. Ele pensa em várias formas de se desculpar. Não está pronto para perdê-la agora, especialmente depois de ter hesitado tanto para ficar com ela. Não desistiria tão facilmente.
Em outro canto da cidade, Pâmela abre os olhos lentamente, sentindo uma forte dor de cabeça. Olha ao redor e percebe que está em um galpão abandonado. Sente que está com mãos e pés amarrados a uma cadeira. Cinco homens mascarados, vestidos completamente de preto, a vigiam. Quando percebem sua movimentação, um deles fala:
— Chefe... Ela acordou!
Um homem aparece na escuridão. Inicialmente, seu rosto está oculto, mas ele se abaixa e se revela:
— Oi, Pam...
— Daniel??? — ela murmura, a voz fraca. — O-O que pretende fazer comigo?
Ele solta um riso debochado.
— Não é óbvio? Você vai pagar por ter me trocado por aquele idiota!
— Vai se ferrar! — ela reage, tentando se soltar sem sucesso. — Eu sabia que você era um canalha, mas não imaginei que fosse tanto assim!
Daniel ri novamente, desta vez com um tom de superioridade. Elaine aparece com os punhos cerrados e um sorriso sádico no rosto.
— E então, Pam... Está confortável? — pergunta ela.
— Ah, cale a boca, piranha... — antes que ela possa terminar, leva uma bofetada no rosto.
— Eu odeio esse seu jeito de falsa! — Elaine retruca, puxando seu cabelo. — Você vai pagar caro por isso.
— Você não passa de uma invejosa, traiçoeira!
Elaine a solta e se afasta, acompanhada de Daniel. Volta alguns minutos depois, trazendo um balde com água gelada, que despeja sobre Pâmela, fazendo-a tremer de frio.
— Seremos o seu pior pesadelo! — adverte Elaine.
Daniel se aproxima com um pote contendo algo que Pâmela não consegue identificar.
— Lembra quando namorávamos e você me pedia para matar as baratas para você, porque morria de medo? — ele pergunta. Ela se mantém em silêncio, tremendo. — Espero que ainda tenha medo delas!
Ele despeja o conteúdo sobre suas pernas, revelando duas baratas. Pâmela grita, chora e implora para que tirem os insetos de cima dela, mas eles apenas riem e assistem à cena como se fosse um entretenimento.
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Já é quase madrugada. Thiago está sentado em sua sala com a TV ligada e uma garrafa de cerveja como companhia. Ele bebe enquanto se lamenta por não ter conseguido falar com a garota que domina seus pensamentos.
Ele contou a Rodrigo sobre o que aconteceu mais cedo, e Rodrigo achou melhor adiar o plano de pegar o Ave da Noite para o dia seguinte. Rodrigo até se ofereceu para visitá-lo, mas Thiago preferiu ficar sozinho.
Thiago desperta de seus pensamentos quando a campainha toca. Confuso, pensa: "Quem diabos viria me visitar a essa hora?". Por precaução, pega a pistola que sempre fica escondida próxima à caixa de luz e a coloca no bolso. Ao abrir a porta, vê Fábio muito irado e Maria desolada.
— Onde está nossa filha, seu filho da puta?
— Esperem... Ela não está na casa de vocês? — replica, sentindo seu corpo gelar.
— Claro que não! Deve estar aqui, não é? — insiste Fábio, irritado. — Olha, não sei quais são suas intenções com ela, mas com certeza não são boas... — diz, adentrando a casa sem permissão.
— Espera! Nós brigamos hoje de manhã. Ela foi para casa! A não ser que ela tenha ido para... — O telefone toca, interrompendo sua explicação. — Só um momento...
Thiago se aproxima do telefone e vê que o número é restrito. Atende sem falar nada, aguardando alguém se manifestar:
— Alô, Thiago? — a voz do outro lado pergunta.
— Quem é?
— Puxa, não se lembra de mim? Que consideração! — zomba a voz. — Bom, vou te mostrar algo interessante. Escute... — gritos de mulher são ouvidos, implorando por socorro e soluçando. — Sabe quem é essa?
— Pâmela? — Thiago pergunta, sentindo suas pernas fraque
jarem. Fábio e Maria arregalam os olhos ao ouvir o nome da filha e se aproximam para obter mais informações.
— Acertou, miserável! — a voz se vangloria. — Agora sabe quem sou eu, Thiago? Ou deveria dizer... Justiceiro? — enfatiza a última palavra.
O ex-policial pressiona os dedos contra a palma da mão.
— Daniel, ou devo dizer Ave da Noite? — responde Thiago no mesmo tom. — Solte Pâmela imediatamente! Seu problema não é com ela, mas comigo!
— Isso é o que você pensa... Encontre-me no galpão abandonado da fábrica de sapatos no Brás*. Quero um acerto de contas! — encerra a ligação.
Os pais da jovem o cercam, ansiosos por respostas.
— Acalmem-se! Preciso fazer uma ligação. — avisa Thiago, discando o número de Rodrigo em seguida.
Thiago informa a Rodrigo sobre a situação. Rodrigo pesquisa o endereço e fornece as informações necessárias. Ele oferece para ir junto, mas Thiago não permite. Após isso, assegura aos pais que irá resgatar a filha deles. Dirige-se ao quarto, deixando-os intrigados.
Volta à sala trajando o uniforme com o qual enfrentou muitos criminosos. Nunca quis usá-lo para causas pessoais, mas está disposto a abrir uma exceção. Porta armas em seus vários bolsos. Fábio e Maria o observam perplexos. Não há tempo para explicações, mas a revelação de sua identidade é óbvia.
Como de costume, vai para a porta dos fundos, sendo seguido pelo casal questionador. Sem responder às perguntas, monta em sua motocicleta e diz pela última vez:
— Vou trazer Pâmela em segurança. Eu prometo! Só não chamem a polícia, pois ele disse que, se fizermos isso, ela morrerá.
Chegando ao endereço informado, é cercado pelos mesmos cinco homens que Pâmela viu ao acordar. Todos estão bem armados, assim como ele. Ele está preparado para o que pode enfrentar.
Desce da moto, puxa duas pistolas de alta potência e começa a atirar ao redor. Apesar de ser atingido, seus uniformes extremamente resistentes o protegem. Dois homens seguram seus braços enquanto os outros três o atacam com chutes, socos e outros golpes.
Thiago ajoelha-se, dá uma rasteira que derruba os que o seguram e pega mais duas armas em seu uniforme. Atira na cabeça de um dos homens, mas é imediatamente atingido por um punhal no ombro esquerdo. Ele berra de dor, vira-se na direção do atacante e o imobiliza com um mata-leão.
Enquanto está prestes a enforcar o atacante, os outros três tentam ajudar o comparsa. Um deles aponta uma pistola para sua cabeça, ameaçando atirar se ele não soltar o homem. No entanto, Thiago toma o revólver da mão do agressor e o usa para atingir tanto o homem que o estava ameaçando quanto o próprio agressor.
Os dois restantes ficam amedrontados com as habilidades do justiceiro e batem na porta do galpão, apavorados. Daniel abre a porta e os vê. A cena seguinte revela o verdadeiro culpado da situação, que está apontando uma arma para a cabeça de Pâmela, amordaçada e chorando.
— Solte as armas, se entregue e ela viverá. — Daniel hesita por um momento, mas finalmente obedece. — Bom garoto! — diz, antes de atingir Thiago com um golpe pesado que o faz desmaiar.
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Thiago acorda sentindo o gosto de sangue em sua boca. Sente algo quente escorrer em sua nuca, provavelmente o mesmo sangue. Ao olhar na direção de uma forte luz, vê Elaine tirando fotos dele. Ao perceber que ele está acordado, ela mostra o celular:
— Oi, docinho! Olha que lindo você está nessa foto... — exibe a tela, revelando que ele está sem máscara. — A essa altura do campeonato, um homem da sua idade querendo ser um justiceiro? Estou empolgada! Aposto que depois de divulgar isso na internet, mais meninas ficarão interessadas em você... — diz, rindo libertinamente.
Thiago olha para o lado e vê Pâmela em silêncio, aos prantos. Daniel surge, encarando-os com um ar de vitória.
— E aí, justiceiro! Como é fazer tantos sacrifícios para nada?
— Por que você não me diz, Ave da Noite? — desafia Thiago.
Pâmela olha para Daniel, confusa.
— Pois é, Pâmela... — Daniel se abaixa diante dela. — Todo esse tempo em que namoramos, você nunca desconfiou. — Ele dá uma risada anasalada. — Sabe o emprego na multinacional? Tudo fachada! De onde acha que eu tirava dinheiro para as nossas viagens e presentes caros? Você é muito ingênua!
— É tão rico, mas mora numa casa tão simples... — diz Pâmela. — Pensei que fosse modéstia da sua parte.
— Claro que não! Apenas preferi construir algo melhor para mim fora deste país de merda! As leis aqui não funcionam. Por isso nunca pagarei por nada do que fiz e estou fazendo. — Ele faz uma pausa. — Vou contar a vocês minha triste história de infância. Quem sabe assim a Pâmela sinta pena de mim, como tem pena de outros bandidos... — Então, começa a narrar como sua mãe morreu e o quanto teve uma infância dolorosa.
— Você deveria se vingar do seu pai, não descontar em nós! — grita Fábio.
— Acham que não fiz isso? — Daniel ergue uma sobrancelha e se põe de pé. — Eu matei meu pai! Quer dizer... Na verdade, mandei algumas pessoas fazerem isso por mim. Não gosto de sujar minhas próprias mãos! — Ele ergue as mãos. — Mandei matar minha tia também, que não quis deixar a mídia divulgar nossa história por medo de represálias... Eu sou como você, Thiago. Um justiceiro.
— Não se compare a mim! — ordena Thiago, com os dentes cerrados.
— Ora, você deve ter alguma motivação para fazer o que faz. Eu fiz porque prometi que mataria todos que me juraram amor eterno e não cumpriram. Trafico drogas para enriquecer e sair daqui. Este país é sujo e injusto. Vai dizer que não pensa igual a mim? — pergunta de forma retórica. — Fique tranquila, Pâmela... Vou te matar antes dele, pois você foi quem jurou amor a mim. Ele é apenas alguém que quero ver sofrer lenta e dolorosamente...
De repente, um barulho de algo sendo jogado contra a porta do local é ouvido. Elaine vai até lá ver.
— O amigo desses cuzões está aqui e veio acompanhado da polícia! — informa.
— Ótimo! Vamos matá-lo primeiro! — diz Daniel, pegando um revólver.

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* Brás é um distrito situado na região centro-leste de São Paulo, conhecida por suas várias fábricas e lojas com preços baixos. *

Este foi o antepenúltimo capítulo e to tipo aquele meme: ESTOU FELIZ E PUTO! Hahahaha  A partir do próximo capítulo, teremos diferenças daqui para o Spirit. Não precisa ter conta lá para ler!

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