Geralmente após terminar o serviço rotineiro, Sara acabava dormindo durante duas horas, enquanto o menino permanecia na sala, assistindo televisão e atendendo no portão, caso alguém chamasse; o que era muito raro acontecer, pois eles não eram de receber visitas.
Em uma destas tardes quaisquer, pouco antes das quinze horas, ele, já autorizado por Sara, abriu a porta da sala, adentrando sobre a mesma e caminhando lentamente, passando pela copa e chegando até a cozinha, como se fosse realmente membro daquela família, onde encontrou Sara sentada sobre uma cadeira, massageando as duas pernas, doloridas pelo inchaço.
— Oi. — Cumprimentou-o ela, com gesto de alguma dor.
— A senhora não está bem? — Se preocupou o menino.
— Coisas de grávida. — Alegou ela, com falso sorriso. — Vamos deitar um pouco na sala e ver televisão que logo melhora.
— Acabou o trabalho?
— Falta lavar a louça. Só que isto não é importante.
Levantou-se e com gesto, pediu ajuda ao menino, seguindo juntos até a sala; ela ligou o televisor no canal cinco, depois deitou-se sobre o mesmo sofá de três lugares de sempre.
— Deite-se no outro sofá. Vamos ver “Sessão da tarde”.
— Posso me deitar no chão?
— Claro que sim! Pegue uma almofada pra pôr a cabeça.
Feliz, Regis deitou-se sobre o tapete da sala, se acomodando com a linda almofada, com a foto de um belo cavalo baio, estampada dos dois lados.
— Até parece o cavalo Bainho que papai tinha no sítio. — Insinuou ele, apresentando a foto à Sara.
Na tevê estava sendo exibido o filme “Jornada alegre”, que narrava as aventuras de um casal de crianças francesas, pelos arrabaldes da bela Paris dos anos sessenta.
— Bonitinho, Regis! — Insinuou Sara. — O menininho até parece você.
— Não! Eu sou maior do que ele!
— É! Pouca coisa. Pode ser que ele tenha oito anos. Mas é igualzinho! Até o cabelo e jeito de se vestir.
Calaram-se e passaram a prestar atenção no filme que era exibido no senhor supremo da sala. A imaginação do menino despertara para o que Sara rotulava ser ele na trama francesa, fazendo-o se ver dentro da bela aventura. Realmente uma estória terna, que cativava qualquer ser, com sentimentos de carinho.
Poucos minutos depois, entrou os reclames comer-ciais e Sara cansada, acabou por fechar os olhos...
O menino sentou-se sobre o tapete e quase em silêncio, ficou brincando de qualquer coisa com as mãos, como se estivesse acompanhado por outros, depois, percebendo que a mulher, cansada, realmente estava dormindo, levantou-se com cuidado, desligou o televisor e lentamente seguiu para a cozinha...
Quando ela acordou, cerca de cinco horas da tarde, se viu sozinha na sala; a almofada arrumada sobre o outro sofá, o televisor desligado e a casa em verdadeiro silêncio.
Levantou-se lentamente e chamou:
— Regis!
Ele, talvez percebendo que ela estava dormindo, para não incomodá-la, teria ido embora.
![](https://img.wattpad.com/cover/15322999-288-k571844.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Anjo da Cara Suja
Teen FictionÉ possível existir a amizade saudável entre um adulto e uma criança que até então era desconhecida? Por que a velha questão, nunca fale com estranhos ainda persiste? E por que precisa haver esta discriminação, dando a entender que a criança é um ser...