Cap. 1 - Vitória Bonélli

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Estávamos em meados de novembro, dos encantados anos de um mil novecentos e setenta e dois, pouco depois da sete horas da noite; Luciano Cavalari, funcionário, público na Vara da infância e juventude, no fórum de Penápolis, contava seus vinte e cinco anos de idade, branco, magro, cabelos pretos bem aparados, de estatura normal e estava sentado na poltrona da sala de estar, bem à frente de sua jovem esposa Sara, de vinte e um anos, também branca, de cabelos negros longos, que sendo casados a pouco menos de um ano, estava então no quinto mês de gestação do tão sonhado primeiro filho.

Devido o cansaço do rotineiro dia de uma dona de casa e as pernas que incham devido estado de gravidez, Sara estava então deitada no outro sofá, dos que a gente chama de três lugares, assistindo em preto e branco, pela tevê Tupy de São Paulo, a emocionante telenovela "Vitória Bonelli", que narra o drama de uma mulher, Vitória, interpretada pela atriz Berta Zemel, que acabava de ficar viúva, ao lado de seus quatro filhos, todos jovens e que foram batizados com os nomes bíblicos: Thiago (Tony Ramos), Mateus (Carlos Alberto Ricceli), Lucas (Flaminio Fávero) e Verônica (Anna Maria Dias).

            Devido o calor dessa época do ano, o casal adquiriu o costume em deixar a porta de entrada da casa, que fica a apenas três metros de distância para o portão que leva à rua, sempre aberta, durante todo o período em que ficava ali naquela sala assistindo a programação de tevê, que geral-mente começava para eles às sete horas da noite, com aquela telenovela, depois, o telejornal na mesma emissora, seguido depois, pela telenovela da Tevê Globo, "Selva de Pedra" com os grandes astros Regina Duarte, Francisco Cuoco, Dina Sfat, Carlos Eduardo Dolabella, Mario Lago, Gilberto Martinho, Arlete Salles, Sônia Braga, Heloisa Helena, Gloria Pires... E depois, pela Tevê Record, os seriados semanais: Os pioneiros, Bonanza, Dakitari, Kung Fú...

            Naquela noite porem, por estar um pouco fria, devido um esquisito vento gelado, Luciano, mesmo sem se levantar usando os pés, empurrou a porta, fechando-a, alheio ao que acontecia do lado de fora. Sara então lhe chamou a atenção:

            — Você fechou a porta. Tem um menininho, que sempre assiste à novela, encostado no portão.

            — Como assim? — Se espantou Luciano, levantando-se imediatamente.

            — Uma criança. — Explicou Sara, sem se levantar. — Todas as noites ele está aí.

            Luciano abriu a porta apressadamente e como não havia ninguém no portão, seguiu rapidamente até ele, de onde, pode avistar uma criança branca, maltrapilha, descalça, magra, de uns dez anos de idade, cabelos castanhos, que cabisbaixa, se afastava lentamente para o final da rua deserta e sem asfalto.

            — Hei menino! — Chamou-o Luciano.

            Ele olhou para trás e talvez pensando que não fosse consigo, voltou a caminhar lentamente. E como não seria com ele, se eram as duas únicas pessoas, naquele lugar ermo, tendo por companhia, apenas a pouca claridade, que as lâmpadas de talvez cem watts, produziam do alto dos postes de iluminação pública.

            — Menino! Espere! — Insistiu Luciano.

            Ele tornou a parar, se virando e apontando o polegar para o próprio peito, perguntou timidamente:

            — Eu?

            — Venha cá!

            Um tanto receoso, voltou até a uns dois metros de seu interlocutor.

            — Você estava assistindo a novela? — Perguntou-lhe Luciano.

            Ele apenas deu de ombros, como a dizer: "o que importa"?

Anjo da Cara SujaOnde histórias criam vida. Descubra agora