A CONDIÇÃO DE VÍTIMA
Estabelecido o seqüestro do corpo, inicia-se então um processo mais destruidor que é a
"condição de vítima".
Ao separar a pessoa seqüestrada de seu espaço de identificação, e confiná-la num espaço de
negação, o seqüestrador estabelece com o seqüestrado uma relação de dependência.
A manutenção da vida agora depende do estranho recém-chegado.
O que antes era um direito da pessoa, direito inalienável, agora esta inteiramente ameaçado,
nas mãos de outras pessoas totalmente desconhecidas. A consciência da dependência e a
certeza de que a vida agora já não lhe pertence, porque está em outras mãos, colocam o
seqüestrado numa condição de inteira e total fragilidade.
Essa fragilidade vira atitude, postura. Desencadeia o que chamamos de "condição de vitima",
uma vez que a rendição è o único jeito de garantir a sobrevivência.
Uma vitima é alguém cujas fraquezas podemos explorar, e é justamente este o método utilizado
na maioria dos seqüestros do corpo. O
seqüestrador faz questão de abalar todas as estruturas da pessoa seqüestrada.
Ameaça matar os que ela ama, ameaça atentar contra os seus valores, subjuga e faz questão de
demonstrar quem é a autoridade, o centro de todas as decisões. Os maus tratos, a vida na
precariedade, o local inóspito, a comida qualquer, o desprezo, tudo estará a serviço desse
objetivo único: vitimar.Quanto maior a sensação de vitima no seqüestrado, maior será o controle do seqüestrador.
Quanto pior for o tratamento no cativeiro, maior será o medo e, conseqüentemente, a rendição
da vítima.
Sentir medo é um jeito estranho de atribuir autoridade a alguém.
Temer uma realidade ou uma pessoa é o mesmo que lhe entregar o direito de nos assombrar
constantemente. Sempre que estamos paralisados pelo medo, de alguma forma, estamos
privados de nós mesmos.
O senso comum nos ensina que o cão tem o poder de perceber o nosso medo, e isso o encoraja
para nos agredir. Olhá-lo nos olhos é um recurso que inibe o ataque. Isso é interessante. Toda
relação de domínio é sempre estabelecida a partir do medo. Sentir medo é o mesmo que
legitimar no outro o comando da situação. Se eu temo o escuro, de alguma forma estou lhe
atribuindo mais poderes que a mim. O MEDO nos faz vítimas, acentua ainda mais o
esquecimento do que podemos. O que pode me fazer uma sala escura: Porque tenho medo de
ficar sozinho? São perguntas simples para as quais geralmente não temos respostas. A razão
não dá conta de jogar luzes sobre certas situações justamente porque ela está paralisada pelo
medo. O medo nos priva da inteligência, ainda que temporariamente.
Temer alguém e obedecer às suas ordens são desdobramentos estranhos da perda de
identidade. No caso do seqüestro do corpo, o medo nasce da convicção de que o outro
decidirá o destino da vida. Viver ou morrer será uma decisão do seqüestrador. É o absurdo de
reconhecer que o bem mais precioso que se tem está nas mãos de quem acabou de chegar; de
quem nunca fez pane dos seus significados. Talvez seja por isso que em muitos casos de
seqüestro, a vítima faça questão de estabelecer uma relação amistosa com o seqüestrador.
Talvez seja um reconhecimento, ainda que inconsciente, da necessidade de ser amada pelo
inimigo, de despertar-lhe alguma predileção que lhe favoreça a preservação da vida, ou até
mesmo de evitar a mutilação de órgãos, tão freqüentes em casos de seqüestros.
O medo do inimigo pode conduzir a pessoa a esta relação amistosa.
O medo tem o poder de gerar gentilezas agressivas, silenciosas, a manutenção de uma fria
guerra entre as pessoas.
Assim que estabelecida, a condição de vítima traz uma tranqüilidade para a relação entre
seqüestrado e seqüestrador. Não havendo mais resistência da parte de quem está subjugado à
violência, o seqüestro pode arrastar-se no tempo sem dificuldades. Enquanto houver alguma
resistência ao reconhecimento do domínio, o seqüestrado ainda representará perigo para o
seqüestrador, forçando-o a ter atitudes ainda mais violentas. A condição de vitima cessa a
violência dos alardes, para dar lugar a violência mais sutil, silenciosa.
O PREÇO DO RESGATE E SEU VALOR SIMBÓLICO
O fim do seqüestro do corpo está sempre ligado ao pagamento, ou não, do valor do resgate.