O encanto de ser pessoa

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O ENCANTO DE SER PESSOA
A palavra pessoa é muito comum entre nós. Apesar de a repetirmos o tempo todo, nem sempre a aplicamos com a devida consciência de
seu significado. Geralmente a compreendemos somente como referência primeira ao ser humano, mas creio que valha a pena mergulhar um pouco mais nos significados profundos para os quais a palavra pode nos apontar.
A palavra "pessoa", do latim persona e do grego prósopon, foi amplamente sustentada na cultura como referente aos "disfarces teatrais", e por isso ficou muito associada à personalidade representada pelo ator. Os gregos, grandes inventores do teatro, e certamente os maiores fundadores da cultura ocidental, legaram-nos essa palavra e essa derivação: pessoa é a máscara que o ator sustenta no rosto. O contexto cristão ultrapassou essa concepção e plenificou a palavra para um sentido mais profundo.
Segundo a Antropologia teológica cristã, o conceito de pessoa
deve ser compreendido a partir de dois pilares: ser pessoa consiste em "dispor de si" e depois "estar disponível". Dispor de si é o mesmo que "ser de si, ter posse do que se é". Esse primeiro pilar refere-se diretamente a tudo aquilo que já
mencionamos a respeito da subjetividade. O eu primeiro, o irrenunciável que nos caracteriza em nossa singularidade.
E interessante perceber que a singularidade é um tesouro que não se esgota. Constantemente, vivemos a aventura de desvendar nossos territórios. E como se todos os dias fizéssemos uma caminhada pelo espaço onde está localizada nossa casa, e sempre descobríssemos lugares nunca antes percebidos. Uma vez descoberto, o território passa a incorporar o que somos. Olhamos e dizemos: isso é meu! Descobrir não é o mesmo que inventar. Nós já estamos em nós; o único esforço é descobrir o que somos.
Isso traz ao conceito de pessoa uma dinâmica que nos possibilita dizer que, enquanto estivermos vivos, estaremos constantemente
aumentando nossa propriedade. Estaremos nos aventurando no duro processo do autoconhecimento, desbravando fronteiras, retirando as travas das porteiras que nos impedem de ir além do que já pudemos avançar em nós mesmos.
Cada pessoa é uma propriedade já entregue, isto é, dada a si mesma, mas ainda precisa ser conquistada. E como se pudéssemos reconhecer:
"Eu já sou meu, mas preciso me conquistar", porque, embora eu tenha a escritura nas mãos, ainda não conheci a propriedade que a escritura me assegura possuir.
A disposição de si é dom. Deus nos entrega a nós mesmos o tempo todo. E presente que tem o poder de nos encantar pela vida inteira. Presente imenso que requer calma no desembrulho. Vamos aos poucos, tomando posse, retirando lacres, descobrindo detalhes. Tornar-se pessoa é aventura constante de busca, e o resultado dessa busca é a disposição de si.
O segundo pilar do conceito de pessoa consiste em "estar
disponível". O que dispõe de si estabelece relações. Depois de assumida a propriedade, aquele que se possui passa a ter condições de receber visitas. Ser visitado é também um jeito de reconhecer o que possuímos. A presença do outro nos indica o que somos. O encontro nos diferencia num primeiro momento para depois nos congregar. No processo da diferenciação está a posse de si mesmo. Olhamos para o que o outro é e descobrimos que não somos o outro. Já no processo de congregação, somos desafiados a unir o que somos àquilo que os outros não são. O contrário também é verdadeiro. Unimos o que ainda não somos àquilo que os outros já são.
Somos semelhantes às tramas dos teares. Os fios se entrelaçam para juntos formarem o tecido. Em suas cores diversas, eles não deixam de
ser o que são. Outro exemplo torna interessante o mundo das palavras. Uma palavra na solidão tem um significado particular. Quando colocada no contexto da frase, porém, ela amplia a sua capacidade de significar. E o abraço das
palavras que gera o significado da frase. Ser pessoa é, antes de qualquer coisa, ser uma palavra, para depois ser frase.
Nisso consistem os dois pilares do conceito de "pessoa". Possuir-se para disponibilizar-se. É a vida na prática, é a trama da existência e sua riqueza insondável. Encontros e despedidas. Passagens transitórias, chegadas definitivas. Vida se desdobrando em pequenas partes. Eu me encontrando, surpreendendo-me, como se ainda não soubesse nada sobre mim. Eu misturando minha vida na vida do outro, encontrando-o, permitindo que nossos significados nos congreguem. Eu abandonando a solidão de minha
condição de posse de mim mesmo para alcançar a proeza de ser com o outro.

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