significados. Já no seqüestro da subjetividade nem sempre há o sofrimento imediato do corpo. O que há é o sofrimento psicológico que, com o tempo, refletirá no corpo. Por ser um processo mais lento, o seqüestro da subjetividade pode, num primeiro momento, ser sinônimo de prazer, satisfação, porque o corpo não é subjugado a maus tratos concretos, como no caso do seqüestro da materialidade.
Há casos de seqüestro da subjetividade que desembocam em violências físicas também, mas tais violências não fazem parte do processo inicial, porque o seqüestrador não poderá seduzir sua vítima pela força da violência, ao contrário, inicialmente será dócil, cortês, gentil e usará de todas as artimanhas para que a sedução seja bem-sucedida.
Outro aspecto também interessante a ser lembrado é que em alguns casos de aprisionamento do corpo a subjetividade consegue ser preservada livre é o caso de pessoas que, mesmo encarceradas em celas de prisões, ainda continuam no exercício de sua liberdade. Tudo depende da capacidade que o ser humano tem de manter-se na posse de si, mesmo quando tudo parece contrário.
Recordo-me de uma cena belíssima do filme "Um sonho de liberdade", quando o personagem principal é submetido ao sofrimento da solitária.
Um mês depois, ao sair do terrível castigo que lhe foi imposto, alguém o interroga de como foi possível suportar todo aquele tempo de silêncio e solidão.
Curiosamente ele respondeu que ouvia música o tempo todo, e que isso ajudou o tempo a passar. Indignado, aquele que o questionara recorda que na solitária não há aparelho de som, e
o personagem sabiamente concluí que não precisava de aparelhos de som para ouvir músicas, pois elas já estavam dentro dele.
Outro exemplo interessante, e que também está no mesmo filme, é a história do velho que cuidava dos livros no presídio. Este velho, alguns dias depois de alcançar a liberdade, enforcou-se. Durante toda a sua vida ele foi prisioneiro e, ao se tornar livre, descobriu que não saberia viver longe das grades.
Ele não aprendeu a ser livre, e por isso resolveu morrer depois de perder o direito de ficar na prisão.
Há prisões que são mais que paredes e celas. Há prisões que não são concretas, e por isso não há nada que possa concretamente ser quebrado.
No seqüestro do corpo há um cativeiro localizado que precisa ser aberto. Já no seqüestro da subjetividade os cativeiros não possuem localização para que possamos chegar pela força de nossos pés. Trata-se de uma prisão mais sutil, mas nem por isso menos cruel.
É importante termos claro que o seqüestro do corpo é uma realidade menos comum, mas o seqüestro da subjetividade é um fenômeno que há todo momento acontece em nosso meio: ou porque estamos presenciando alguém sendo levado de si, ou porque estamos seqüestrando, ou sendo seqüestrados.
O que podemos perceber é que a estrutura social em que estamos situados é fortemente marcada pelas relações que seqüestram. É seqüestro da subjetividade tudo aquilo que nos priva de nós mesmos. Até mesmo nas pequenas realidades, as mais simples, há sempre o risco de que estejamos abrindo mão de nossos valores em detrimento da vontade de seqüestradores que em nada estão comprometidos com nossa realização humana.
É seqüestro da subjetividade todo o processo que neutraliza e impede o ser humano de conhecer-se, passando a assumir uma postura ditada
por outros. E sequestro da subjetividade a projeção da vida humana em metas inalcançáveis, costurada à mentalidade de que as pessoas são perfeitas e que há sempre um final feliz reservado, pronto para chover do céu sobre nossas cabeças. Mas é também sequestro da subjetividade a projeção da vida humana a partir de metas rasas, em que a mediocridade é a regra a ser considerada e o pessimismo antropológico é a consequência.
E sequestro da subjetividade a redução da experiência religiosa ao horizonte histórico, dissociado de uma esperança que extrapole a experiência do tempo, assim como também é sequestro da subjetividade a experiência religiosa que esquece o cheiro humano da dor, da desesperança e que se limita a promessas de um céu futuro, sem implicações históricas.
É sequestro da subjetividade cada vez que o coletivo prevalece sobre o particular, massacrando-o em vez de incorporá-lo como parte irrenunciável. Mas é também sequestro da subjetividade cada vez que o sujeito é valorizado em detrimento de uma multidão que perde a voz para que ele possa gritar sozinho.
É sequestro da subjetividade quando alguém, no exercício de imaginar, projeta o outro como personagem, e com ele estabelece uma relação baseada na falsidade que despersonaliza e aprisiona. Jura a promessa de um amor eterno que se desdobra em cruel forma de prisão.
É sequestro da subjetividade toda relação de trabalho que seja marcada pelo desrespeito à dignidade do trabalhador, forçando-o a se tornar mero mecanismo de produção, desconsiderando sua condição de ser humano que merece descanso e remuneração justa.
É sequestro da subjetividade cada vez que, no processo educacional, as crianças são submetidas à pedagogia do medo e o aprendizado se torna um fardo, deixa de ser um desejo.
É sequestro da subjetividade cada vez que o sujeito é desconsiderado como organismo vivo, colocado na condição de mecanismo, objeto manuseável.