O PEQUENO AGRESSOR...
Uma outra história, uma outra mulher. Nessa mulher não existiam marcas de violência. O que havia era uma expressão de cansaço num rosto que parecia ter envelhecido antes do tempo. O rosto é o retraio da
história vivida.
Nela, o sofrimento não nasceu de agressões de um mando que não soube amar, mas de um filho que, aos nove anos de idade, assumiu o comando da casa. Um filho sem limites, agressivo e totalmente arredio a qualquer regra.
Contou-me que o casamento havia terminado poucos meses antes. O marido, incapacitado de transformar a relação que ela estabelecera com o filho, resolveu ir embora definitivamente. Deixou de ser marido, mas
também deixou de ser pai.
Ela disse que não fez muito esforço para que o marido permanecesse. Alimentava a ilusão de que com sua ausência o filho pudesse se tornar mais dócil, mas isso não aconteceu.
Contou-me também que o marido não teve muita influência na educação do menino. O trabalho lhe retirava rotineiramente da vida familiar, e, nas poucas vezes que tentava alguma forma de repreensão, a mãe o desautorizava severamente.
Envergonhada, confessou-me que, por duas vezes, o menino a agrediu fisicamente. Na primeira ocasião, a reação agressiva foi pelo simples fato de ela ter passado pela sala sem pmvbiT ler levado com o pé o cabo do vídeo
game. Arremessou-lhe uma tesoura e a machucou na perna.
A segunda agressão resultou de uma pergunta corriqueira, coisa de quem ama: a mãe apenas perguntara se o filho já havia tomado café.
A envelhecida mulher salientou um detalhe interessante. Confessou-me que, mais doído que receber uma agressão física do próprio filho, foi ouvi-lo gritar o desejo de matá-la.
Depois disso, ela percebeu que precisava de ajuda. Recorreu a uma psicóloga, mas o menino se recusou a entrar no consultório. A psicóloga a alertara para a necessidade de retomar a autoridade sobre a criança, mas ela não soube nem tentar.
A vida não estava fácil. Estava sendo refém do seu amor. Reconheceu que errou por amar de um jeito errado. Não, ela não queria errar.
Queria apenas livrar o seu menino da infância triste que ela vivera ao lado de
um pai agressor. No ímpeto de fazer-lhe bem, acabou por alimentar no filho uma personalidade sem controle e monstruosa.
Admitiu temê-lo. Reconheceu que escolhe as palavras para falar com ele, porque teme sua reação. A relação está invertida. O filho assumiu o controle da mãe. Ele tem acesso ao seu medo, sabe que é soberano porque
reconhece a fragilidade da mulher que não quer errar.
Não querer errar é uma fragilidade terrível. O medo do erro nos neutraliza as forças e não nos permite ir além de nosso pequeno mundo.
O pequeno homem de apenas nove anos de idade é o seu agressor. No relato daquela mulher, pude identificar o sofrimento que nasce da boa intenção. Mas boas intenções não salvam o mundo. É preciso um algo a mais. E preciso a constante vigilância do discernimento que nos assegura se nossas intenções estão de fato alcançando o melhor resultado. Amores cegos podem nos conduzir
ao caos.
A dura experiência de uma mulher que aos trinta e sete anos de idade é refém de seu filho de nove é a prova concreta dessa afirmação. Os dois estavam marcados por limitações fecundas: o menino, privado de ser educado de maneira correta, e a mãe, privada de sua autoridade e de sua própria liberdade. O amor não pode ser cego. Caso contrário, ele nos coloca no cativeiro, gera privações.
Na tentativa de livrar seu filho do sofrimento que um dia havia experimentado, ela o privou da disciplina que gera caráter. Filho que não é criado a partir de limites estabelecidos é filho sem pai e sem mãe. O limite é a expressão concreta do amor dos pais. Eles delimitam o território para que o
filho cresça sem ser tão vitimado pelos males que são próprios dos dias de hoje.
Ouvi o desabafo daquela mulher e confesso que não soube muito
o que dizer. Reverter um quadro como esse requer muita sabedoria. Sugeri ajuda terapêutica para os dois.
A necessidade de ambos diz respeito à posse de suas identidades. Eles não sabem o que são na relação que estabeleceram. A mãe precisa saber que é mãe e o filho que é filho. Como vimos anteriormente, a identidade assumida nos posiciona a partir do que podemos, mas também do que não podemos. Que mudem as mentalidades, porém uma coisa não poderá ser mudada: pais e mães não têm o direito de abdicar da responsabilidade de educar os seus filhos, e educação é o processo amoroso de estabelecer limites não está acontecendo, então temos alguma
subjetividade cortada, isto é, uma pessoa ausente de si mesma, distante de seu papel.
Duas histórias de agressões originadas de fontes tão distintas. Um marido agressivo e um filho sem limites, mas ao mesmo tempo comportamentos tão semelhantes. Vítimas que construíram seus agressores, aos poucos, bem aos poucos.
Isso nos leva a entender que a seriedade da violência não
depende do tamanho de quem agride. Uma criança tem o mesmo poder que um adulto, desde que a ela seja dada a autoridade. O que legitima a violência é a autoridade que entregamos ao agressor.
O desafio constante das relações humanas é preservar a liberdade das pessoas. Quando a liberdade é negada, a relação passa a representar um sério risco, porque atenta diretamente contra a fonte geradora da pessoa. Não há pessoa sem a experiência da liberdade.