— Você precisa de um novo emprego — minha mãe falou para mim enquanto estávamos tomando o café da manhã. — Você chega muito tarde, é perigoso. Faz dois anos que você trabalha naquele lugar, custa eles mudarem o seu horário?
Continuei passando manteiga no pão francês ignorando os olhos verdes da minha mãe, presos em mim. Se ela soubesse o quão invisível eu era naquele lugar entenderia o porquê de eles nunca terem mudado o meu horário. Eu não reclamava de trabalhar a noite, por um lado era bom, porque o meu horário maluco nunca permitia que eu ficasse muito tempo em casa ociosa e escutando as ladainhas da minha mãe.
Era apenas eu, minha mãe e Natália, minha irmã mais velha, vivendo em uma pequena casa no Bom Sucesso, bairro periférico de Rio Claro interior de São Paulo. Eu não sabia quem era o meu pai, nunca o conheci, e nunca tive vontade de conhecê-lo. Tália sempre disse que ele era um bêbado, um encosto para a minha mãe e que sempre batia nela quando perdia todo o seu salário de pedreiro no jogo. Eu era um bebê quando ele saiu de casa para ir no bar e nunca mais voltou. Minha mãe o procurou por anos, mas desistiu quando ficou sabendo que ele estava muito bem com a sua nova família no Rio de Janeiro.
Nossa casa era bem simples. Sala, dois quartos, cozinha e um quintal minúsculo. As paredes estavam com a tinta desgastada, o chão sem piso e o portão sem pintar. Era uma casa modesta e a única cujo o aluguel conseguíamos pagar. Mamãe era empregada doméstica em um bairro nobre da cidade, o Jardim Portugal. Ela era quem tinha o maior salário, mas eu percebia em seu semblante o cansaço que a vida e o serviço havia lhe dado. Éramos parecidas e ás vezes eu enxergava detalhes do seu rosto no meu, tínhamos o mesmo nariz empinado, as sobrancelhas finas e arqueadas, as maças dos nossos rostos se ruborizavam facilmente e uma pinta minúscula na clavícula. Porém, o cabelo de minha mãe era mais grosso, cachos serpenteavam o seu rosto redondo.
Tália também trabalhava na área da limpeza, ela era faxineira em um prédio de luxo no centro da cidade. Tália tinha 32 anos, nunca namorou e nunca teve perspectiva de casamento, era tão sozinha quanto eu. Tália culpava a sua solidão a sua falta de beleza, o que era mentira já que Tália era comum, nem bonita e nem feia, assim como eu, éramos simples, nunca chamaríamos atenção de um homem de um jeito insano, digno de romances da Harlequim. Tália tinha cabelos castanhos encaracolados e o seu rosto era parecidíssimo com o meu. Eu culpava a solidão dela pela falta de atitude que Tália sempre demonstrava. Minha irmã sempre foi muito acomodada e tinha medo de se arriscar. Eu não podia a criticar por isso, depois que eu perdi a minha perna naquele acidente, também me acomodei.
Ficamos em silêncio por um tempo enquanto bebericávamos o café e comíamos o pão.
— Sabe o pastor Jorge? — minha mãe perguntou para mim quebrando o silêncio. — Ele assumiu a igreja aqui do bairro, pobrezinho ficou viúvo tão cedo. Se você trabalhasse de dia poderia participar dos cultos.
Então era por isso que a minha mãe queria que eu trabalhasse de dia? Para ir na igreja! Desde o meu acidente eu não pisava em uma igreja, o meu relacionamento com Deus havia acabado no dia em que ele deixou aquele motorista desgraçado me atropelar.
Fiquei em silêncio, eu não iria voltar para a igreja. Tália e minha mãe trocaram olhares e então a minha irmã mais velha falou:
— Sabe, Tasha? Você não pode passar a vida inteira culpando Deus e o mundo pelos seus problemas. Já faz 6 anos, está na hora de você seguir em frente.
Como se seguir em frente fosse a coisa mais fácil do mundo.
*
Invisível. Ás vezes eu me perguntava se as pessoas realmente me enxergavam, se me viam de verdade, porque era como se eu não existisse, era como se eu tivesse morrido naquele acidente e a minha alma havia partido junto com a minha perna.
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Ainda Não Acabou
ChickLitNatasha não sabe, mas foi Max quem destruiu os seus sonhos. Foi ele quem arruinou a sua vida e a condenou a viver uma vida vazia, sem perspectiva e sem um futuro. Agora Max terá a chance de consertar um grande erro do passado, e Natasha terá a chanc...