ELA

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Ela era um passáro

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Ela era um passáro. Ainda é, mas agora não voa mais.

— Natasha, você tem sido uma excelente funcionária. Durante esses dois anos só faltou dinheiro no seu caixa uma vez. Você faltou apenas três vezes e está sempre disposta a ajudar em outros setores. Entretanto, estamos passando por um momento difícil, você sabe, né? Poucos clientes, e consequentemente não estamos arrecadando aquilo que pensávamos que iríamos arrecadar. A crise chegou no nosso mercado, mesmo pertencendo a uma rede de supermercados muito grande na região estamos com problemas financeiros, e por isso teremos que cortar gastos. Eu sinto muito, Natasha, mas você está demitida.

Encarei o chão. Cerrei as pálpebras tentando evitar as lágrimas. Estava me sentindo tão envergonhada. Dois anos trabalhando naquele lugar, dois anos jogados no lixo. Assenti para o meu ex chefe, fiquei surpresa em ver que César se lembrava de mim, certamente para me mandar embora assim, ele deveria ter tido um estalo de memória. Não adiantava argumentar ou choramingar, ele havia sido bem claro. Por mais competente que eu fosse, eu não trabalhava mais ali.

Ergui a cabeça, enquanto caminhava pelo corredor do vestiário acompanhada por um segurança que garantiria que eu sairia da empresa sem levar nada que não fosse meu. Eu sairia daquele lugar com apenas uma mísera quantia e sem nenhum amigo. Foram dois anos sendo invisível, jantando sozinha, fugindo de funcionárias fofoqueiras que causariam a minha demissão... não adiantou muito no final.

Despedi-me do guarda e segui para o ponto de ônibus sem olhar para trás. Naquele momento eu me perguntei qual era o objetivo disso tudo? Não havia sentido na minha vida. Não havia nada.

*

— Você chegou cedo, o que aconteceu? — Tália perguntou assim que eu adentrei na sala, suspirei fundo tentando encontrar a melhor maneira para explicar a ela que eu havia sido demitida.

— Tasha, o que faz em casa? — A voz da minha mãe ecoou da cozinha, o cheiro de bife acebolado e batata frita invadiu as minhas narinas e fez o meu estômago roncar, mamãe estava preparando o jantar.

Forcei as minhas pernas andarem em direção a ela, suspirei cansada passando as minhas mãos no cabelo.

— Me mandaram embora.

Minha mãe me olhou chocada com a boca entreaberta abandonando na mesa a tigela com arroz.

— Mas por quê? O que aconteceu? — ela inquiriu com uma mão contra o peito.

— Eu não sei, não me querem mais lá. A crise atingiu o mercado e estão cortando gastos, e funcionários são um gasto.

Aproximei-me da mesa e sentei lentamente encarando os azulejos amarelados da parede da cozinha. Eu conseguia ouvir a respiração abafada da minha mãe. Eu sei o que ela estava pensando: o que vamos fazer agora para comprar a sua nova prótese? O que vamos fazer pra pagar as contas, o empréstimo no banco, o aluguel? Era uma renda a menos.

Ainda Não AcabouOnde histórias criam vida. Descubra agora