Constrangimento.Segundo o Aurelio tem como definição: •Ato de constranger, •Violencia que tira liberdade de ação
•Acanhamento, embaraço.
Minha definição: Conhecer os pais de Ana.
Em todos esses anos em que a surdez e a incapacidade de falar traçaram um curso sem som em minha vida, o que resume toda a minha existencia, eu me ressentia da minha condição. Nunca saberia o que era ter conforto de uma musica preferida ou si quer um dia ouviria as batidas de coração da minha amada. Mas depois que a conheci, ha tres meses tenho um emprego de cronista freelancer para o jornal da cidade, o que me rende o suficiente para sobreviver. Tenho alguns seletos amigos e como isso tudo não fosse suficiente, Ana se deu de presente para mim. Mergulhei em um precipicio quando a conheci e na queda nunca me senti tão livre.
Então, percebendo tudo isso enquanto estou sentado na mesa de jantar dos pais dela e, tentando dizer a mãe de Ana com um olhar apavorado que sou alérgico a frutos do mar, estou entre a letargia e uma gratidão culpada em usar minha mudez como vantagem. Por um lado não sei como nem o que dizer sobre o fato de que se um camarão si quer chegar perto de mim incho como baiacu raivoso e que, alem de não poder falar, em breve não poderei respirar, e ao mesmo tempo, estou envergonhado de estar grato de eles esperarem que eu nada fale. Você pode me chamar de covarde se quiser.
Acho que vou enviar minha definição de “Constrangimento” ao Aurelio.
Ana finalmente toma ciência do meu olhar, e aperta minha mão.
Olho para ela.
Acho que ela gostaria de ser muda também, por que ela parece meio verde.
A mãe de Ana me observa como um falcão. Ana é uma copia exata da mãe. E é realmente uma pena e uma benção que a semelhança entre as duas acaba aí. Enquanto os olhos de Ana são doces e gentis, os de Cristina são de um castanho frio e que não refletem luz, os labios cheios perdem a beleza enquanto rijos e selados. A expressão é severa ao me olhar e sua postura é de deboche e altivez. E tenho a plena certeza que ela me odeia. Ela me fez ter certeza de que eu entendia a mensagem durante aquele jantar.
O pai de Ana simplesmente me ignora.
Depois de apertar minha mão com punhos de ferro (o qual fiz questão de devolver na mesma moeda) não me ofereceu mais nada, nem um olhar de compaixão diante da encarnação de harpia que é a mãe de Ana.
Ana olha o prato a sua frente e o verde de seu rosto parece ir perdendo vantagem para um branco doentio e em seguida para um vermelho furioso. Continuo encarando-a e aperto sua mão para lhe perguntar o que há de errado mas ela me ignora.
E então ela explode.
A mão de Ana bate forte em cima da mesa de jantar cara, sei disso porque prataria treme e a caçarola de marisco derrama um pouco do seu caldo venenoso.
Uma discussão se ergue.
Nunca vi Ana desse jeito, e em meio a confusão faço uma nota mental de nunca deixa-la brava.
Ela aponta o dedo iristo sobre o rosto da mãe que parece não reconhecer a própria filha. Mas logo isso passa e Cristina se ergue sobre a filha e segura seu braço.
Me ponho de pé. Não sei exatamente o que vou fazer mas o ato violento contra Ana me deixa com os pelos da nuca ouriçados e não consigo ficar parado.
Eu leio os labios de Ana.
"Preconceituosa" é primeira palavra que capto.
Seguidos de "Você sabia!"
O Sr. Carlos parece estar tomando chá das 17h assistindo tudo como quem ve um comercial de produtos de cabelo na TV.
Volto minha atenção a mãe de Ana que soltou o braço da filha e me olha com um odio velado.
Sou pego de suspresa por um puxão e sou arrancado da sala de jantar, arrastado pela sala e quando dou por mim estou fora da casa.
Ana entra no carro e chora.
Me sinto perdido.
Entro no carro sem tentar tocá-la ou dizer qualquer coisa. Dirijo por não sei quanto tempo e totalmente sem rumo assim como me sentia naquele momento.
Estou acostumado a rejeição por pessoas preconceituosas e limitadas como os pais de Ana, pessoas que acham que sabem o valor de outras baseado no que elas podem ou não fazer. No que elas possuem. O que não estou acostumado é ver a mulher que amo sofrendo por minha causa e isso doí mais do que a própria rejeição.
O fato é que sei que essa cena pode e vai se repetir. Sei disso porque já perdi amigos e uma namorada por conta da minha condição. Pessoas que se cansaram de sofrer a rejeição junto comigo e que pior de tudo, tentaram evitar que ela aconteça. Isso se torna um peso rapidamente. Eu me torno um peso.
E olhando para Ana encolhida no banco do passageiro chorando baixinho sem nem ao menos olhar para mim, me pergunto agora se o preço de tragá-la para minha vida é mais alto do que nos dois podemos pagar.
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Wooooww... 2 semanas e temos mais de 300 visualizações! Vocês são demais, não imaginava que chegaria a isso tudo, obrigada mesmo.
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Feliz dia Nacional do livro (29/10)
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Medo, a Coragem [DEGUSTAÇÃO - DE GRAÇA NA AMAZON]
RomanceQuarenta e oito passos separam Jhon de Ana. Na companhia incessante do silêncio desde o seu nascimento, lhe restava apenas aquilo que a visão lhe permitia. Todos os dias seus caminhos cruzavam um com o outro. Jhon nunca havia tido coragem de agir...