Algo que é sumariamente confundido pelas pessoas são as horas e a passagem do tempo. Ora, poderia uma máquina construída pelo homem com inúmeras e pequeninas peças ditar quanto tempo leva para um homem ser feliz de verdade nessa vida? Então, enquanto estou aqui preso por essas paredes sem som que é a minha rotina, eu concluo: O relógio marca as horas, mas os passos dela marcavam o tempo. Levava quarenta e oito passos para que minha felicidade chegasse. O tempo escorria entre meus dedos enquanto seus olhos se dirigiam até mim. Eram claros em meio àquele castanho escuro denso e gentil. Enquanto os meus eram surpresos por a quase seis meses ela passar pela minha casa todos os dias no mesmo horário. E em todos esses dias ela nunca havia se esquecido de olhar. Havia dias que eu simplesmente me sentava em frente a minha janela e contava seus passos até ela erguer o rosto na minha direção, e eu, como uma flor se inclina para o seu Sol nascente eu assistia seus passos, até ele sumirem no horizonte junto com minha dose de felicidade diária.
Eu entendia porque eu nunca havia falado com ela. Observando bem essa frase nunca uma simples palavra havia me resumido tão bem . Eu não podia falar. Sou mudo e surdo desde que vim ao mundo. O silencio sempre fora minha companheira. Olho para as minhas mãos. Talvez ela seja como o pecado, olhe mas não toque.
Antes que eu possa seguir com a minha rotina, hoje sinto algo diferente . Abro as cortinas do meu quarto. Não consigo ver nada a não ser papéis presos ao vidro. Inúmeros deles, tantos que eu não conseguia ver a luz do Sol. E havia coisas escritas como:
"Oi, meu nome é Ana, a menina que mora a quarenta e oito passos de você, qual é o seu nome?" "Por que você nunca vem aqui fora?" "Desculpa colar papéis na sua janela, juro que limpo depois" e coisas também como "O que tem na sua xícara? Café ou chá?" Ri com essa pergunta, sempre estou com uma xícara nas mãos quando a vejo.
E de todas as perguntas que ela colou na minha janela a que mais me chocou foi: "O que você faria se não tivesse medo?"
Não sei quanto tempo fiquei sentado na minha cama, só sei que quando despertei do meu torpor e abri a janela, ela, minha Ana, já havia seguido seu caminho.
Não consegui fechar os olhos a noite, fiquei pensando no que diria a ela se eu pudesse falar, se eu só pudesse... Com todo esse tempo nunca me vi de frente a esse precipício, sabia que precisava tomar uma decisão e quando chega o momento de ve-la passar eu decido: Pule.
Com os pés descalços eu saio pela porta e corro até ela. Chovia forte mas não me importei. Parei a sua frente. Ela era tão bonita, tão doce. Olhei em seus olhos e pensei: Eu pulei do precipício e estou caindo, o que eu faço agora? Me apavoro ou aproveito a queda? E antes que eu recue e volte para casa ela deixa seu Guarda chuva cair e ergue as mãos. Palavras. Suas mãos formam palavras. Ela sabia.
"De todos os dias ensolarados você escolhe um dia chuvoso para vir falar comigo?" Ela pausa e termina dizendo: "E eu agradeço por isso, amo a chuva, e você?" Ela sorri.
Juro que seu sorriso parece formar arco-íris na chuva. Sim, eu amo a chuva, eu penso mas não digo. Estou entre a confusão e a graça divina. Então ergo minhas mãos e digo:
"Café" ela inclina o rosto em tom de pergunta.
"Tem café na minha xícara nas manhãs que te vejo e chá a noite quando você retornar"
"Você me espera na janela quando eu volto?"
Desta vez eu penso e digo: "Todas as noites."
Perdemos a noção de tudo naquela conversa chuvosa e silenciosa. O relógio nunca poderia contabilizar o tempo que ficamos ali. Mas eu sabia que o tempo havia trazido minha felicidade a seis meses mas precisava que eu desse o primeiro passo para tela em meus braços.
Obrigada por ler, obrigada mesmo.
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Bjjssss.
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Medo, a Coragem [DEGUSTAÇÃO - DE GRAÇA NA AMAZON]
RomanceQuarenta e oito passos separam Jhon de Ana. Na companhia incessante do silêncio desde o seu nascimento, lhe restava apenas aquilo que a visão lhe permitia. Todos os dias seus caminhos cruzavam um com o outro. Jhon nunca havia tido coragem de agir...