Capítulo X

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POV ANA

Um, dois, três… Um dois, três… estou contando as faixas amarelas da estrada que passam voando por baixo do carro que estou. Um, dois, três… Um dois três…

Não quero pensar onde estou. Nem com quem estou no momento. Não quero sentir sua presença ao meu lado enquanto dirigi rápido demais para me deixar tranquila. Ele sempre dirigiu como se o inferno estivesse atrás dele. Não quero sentir seu cheiro, então a janela esta aberta jogando seu vento úmido no meu rosto.

Maldita  pensão. Ela poderia estar no meio do deserto e daria no mesmo. Sem ônibus e sem táxi a vista.

Parei de chorar há vinte sete faixas amarelas atrás.

Já tive relacionamentos antes. Mas essa sensação de término nunca tinha chegado a mim  com tanta força. Desde que me sentei aqui, eu não gritei. Não murmurei. Muito menos xinguei sua existência ou chorei de soluçar. As lágrimas simplesmente desciam sem fazer esforço, sem que meus olhos precisassem expeli-las. Sentir dor é a coisa mais fácil do mundo. Ela está sempre ali. A espreita, rondando seus momentos de felicidade e quando você menos espera ela se senta ao seu lado e te faz companhia. Pergunto quanto tempo ela vai ficar, mas não obtenho respostas.

— Não acredito que está desse jeito por conta do mudinho.  – Sua voz está anasalada devido ao seu nariz quebrado — Sinceramente, sabia que você estava me deixando por outro, agora me deixar por um mudinho? Você estava tentando me ofender, não é?

Ele continua falando merda.

Desde que entrei neste maldito carro Pietro continua falando merda. Ele está dirigindo rápido demais para que eu me jogue do carro sem me matar. Estou decidindo no momento com qual sentimento quero lidar agora. A dor e mágoa por ter sido abandonada por meu namorado depois da melhor noite que já tive, ou a raiva que está tomando conta de mim por estar na companhia dele, por ter que ouvir esse papo preconceituoso e machista.

— E ainda não acredito que ele conseguiu quebrar meu nariz. Mas agora ele está bem fudi… Porra!

O carro sai da estrada ziguezagueando pela pista molhada. Continuo puxando o volante na minha direção enquanto ele puxa para direita e pisa no freio, o carro roda na pista vazia até que para atravessado no acostamento.

Fica obvio com qual sentimento eu escolhi lidar.

Antes que ele comece a falar estou fora do carro.

Já estou reconhecendo as árvores e a entrada do bairro onde moro, mas ainda sim será uma longa caminhada.

Acabo de perceber que deixei meu telefone no carro dele mas não vou voltar. Ouço a porta do carro bater com força e em instantes o carro está me acompanhando em marcha lenta.

— Você enlouqueceu?! – Ele soa furioso. Se seu precioso Volvo tivesse batido numa árvore ou em um carro, não sei se estaria viva agora. – Entra no carro!

Eu ignoro e continuo a caminhar rapidamente.

Ele abranda o tom – Entra no carro, gata… vamos, ainda falta alguns quilômetros e você não parece bem — Não estou bem – reflito.

Desde que sai daquela pensão não me sinto bem. Minha respiração esta ofegante com poucos passos que dei e sinto como se alguém estivesse me enforcando, engolir a saliva é um trabalho a parte.

Ele tenta de novo.

— Gata…

— Cala boca, Pietro! Eu não aguento mais você! SAI DAQUI!

Ouço alguns pássaros batendo asas para longe, assustados com meus gritos e os poucos motoristas desaceleram bisbilhotando através do vidro fumê de seus carros. Vejo Pietro ficar pálido por alguns instantes e finalmente fecha a boca. Aleluia!

Continuo caminhando e seu carro fica cada vez mais a distância.

Diminuo o passo até que por fim, eu paro. Até que, por fim, estou a quarenta e oito passos da minha casa.

A casa do Jhon.

Estou parada na frente de sua porta e não sei o que fazer. Pela primeira vez estou incerta dos meus sentimentos. Ainda o amo, mas não entendo o que ele sente em relação a mim.
Não. Eu me recuso. Não posso ter me enganado com relação a ele. Ele não é Pietro. Eu não cometi o mesmo erro.

Olho para cima e para baixo na rua e não encontro ninguém. Sua casa nao tem campainha, óbvio que não tem. As poucas pessoas que o visita são de confiança, então sei onde encontrar a chave extra, escondida debaixo dos caquitos que ele cultiva no seu ponto de obervação na sala de estar. Paro por alguns instantes. E o imagino me observando pela janela todos aqueles dias. Balanço a cabeça, se parar para pensar a onda de lágrimas vai me lavar novamente e estou muito cansada para isso.

Entro na casa com o discurso preparado na ponta dos meus dedos. O mínimo que ele me deve é uma explicação. Tem que ter uma explicação. Tenho fé nele. Tenho fé no que nós temos.

Assim que atravesso o limiar da porta sei que ele não esta aqui.
Como ele pode não estar aqui? Adentro os cômodos pequenos e aconchegantes. Seu cheiro esta em cada parte da casa mas não tem o seu calor. Me sento em sua cama, que tomei por minha muitas vezes.

Ele não voltou para casa.

Nunca considerei outra possibilidade. Não pensei que ele não viria para cá. A preocupação me engole e a dor na minha cabeça me abate e deito na cama até a vertigem pare.
Onde ele pode estar? Preciso procurar por ele.

Estou ofegante e sei que não posso ficar aqui, o quarto esta girando e estou prestes a perder a consciência. Vagueio trôpega pelo corredor e saio trancando a porta deixando a chave no mesmo lugar que encontrei.
Preciso chegar em casa. Preciso pegar o carro e ir atrás dele. São quarenta e oito passos mas parecem quatrocentos. Estou piorando a cada passo que dou mas consigo abrir a porta.

E é só isso que consigo fazer.
A casa na penumbra me dá boas vindas assim como a escuridão que embarca meus olhos.

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