Capítulo 6: O Nilo Azul

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Capítulo 6

O Nilo Azul.

Mais alguns dias de viagem passaram, e os dois bravos aventureiros penetraram no Sudão, já estando no Nilo Azul, um dos afluentes do principal rio, ou Nilo Branco. Rumavam para sudeste e logo cruzariam a fronteira da Etiópia, país onde o curso tinha origem no grande lago Tana. Ele era sagrado para os etíopes, pois acreditavam se tratar do rio Gihon mencionado na Bíblia, outro dos supostos rios que nasciam no Paraíso.

A jornada vinha sendo estranhamente calma, e Indy tinha freqüentemente a incômoda sensação de estarem sendo seguidos ou de alguma forma vigiados. O incidente com a dupla de italianos no Cairo o deixara cheio de suspeitas, e ainda acreditava que talvez houvesse mesmo fascistas procurando D. Sebastião assim como eles. Luzia, por sua vez, ficava mais radiante a cada dia. Parecia que quanto mais avançavam por aquelas terras agrestes, a beleza natural da paisagem realçava o encanto da portuguesa, seus lindos cabelos e rosto bem iluminados pelo sol, sua pele ganhando aos poucos um aspecto mais bronzeado. E era essa imagem que motivava constantemente Jones a continuar.

Numa dada manhã, porém, a moça acordou menos animada do que de costume. Passou boas horas sentada no barco, muito pensativa e aparentemente aflita em relação a alguma coisa. O arqueólogo fingiu não perceber o estado da companheira, até que não pôde mais se manter alheio e indagou:

–       Luzia, está tudo bem?

–       Sim, Indy... – ela respondeu, olhar vago e distante. – Só estou pensando a respeito de algo...

–       E o que seria, para te envolver tanto assim?

–       Pode parecer besteira, mas... Será que nós devemos realmente trazer as relíquias de D. Sebastião de volta para Portugal?

–       Como assim?

–       O mito do Sebastianismo se baseia na crença do rei desaparecido voltando vivo para fazer de sua nação novamente um poderoso império. Isso tem inspirado as pessoas e dado esperanças a elas por séculos, Indy. Mas se ao invés de um líder pronto para comandar seus súditos de volta ao apogeu, retornassem apenas seus restos mortais, todo o encanto da lenda seria quebrado, o sonho da espera chegaria ao fim. D. Sebastião estaria definitivamente morto no coração de todos, seu corpo tendo propriedades milagrosas ou não!

–       Eu entendo o que você quer dizer... – murmurou o professor, coçando um dos cotovelos. – Pensa que talvez fosse melhor não encontrar as relíquias, deixando o mito em aberto...

–       Sim, isso mesmo, mas... Eu não sei...

A jovem estava confusa, e com razão, pois seu raciocínio fazia pleno sentido. De que adiantaria repatriar um rei morto, se a expectativa geral era de que voltasse vivo e triunfante do exílio? Isso lembrava um episódio interessante do passado de Portugal, narrado inclusive na obra “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões, que, lançada em 1572, fora dedicada justamente ao rei D. Sebastião. Tratava-se da história de D. Inês de Castro, “aquela que depois de morta foi rainha”, ocorrida no século XIV.

O príncipe Pedro, então herdeiro do trono português, apaixonou-se pela jovem Inês de Castro. Porém, devido a ela não possuir sangue real, coisa mal-vista tanto pela corte quanto pelo povo, o relacionamento dos dois foi alvo de intensa contestação, até que o rei D. Afonso IV, pai de Pedro, tomou a medida drástica de mandar assassinar Inês enquanto seu amado saíra em viagem. Inconformado com o que ocorrera, o príncipe foi tomado de intenso ímpeto de vingança contra todos em Portugal. Além de ter sido, depois de subir ao trono, um dos monarcas mais violentos da história da nação, ordenou, segundo a lenda, que o corpo de Inês fosse desenterrado, coroou-lhe rainha e obrigou todos os súditos, sob pena de morte, a beijarem a mão do cadáver. E foi daí que surgiu o ditado: “agora Inês é morta...”.

Indiana Jones e as Relíquias de D. SebastiãoOnde histórias criam vida. Descubra agora