Crianças

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Sentado no meio fio, olhava os garotos maiores se acotovelarem e correrem atrás da bola de futebol. Ele aguardava sua vez de jogar impacientemente, afinal, a rua não era só dos meninos grandes e ele nem era tão pequeno_ já alcançava a primeira prateleira da estante.
Um dos jogadores do time sem camisa caiu e machucou feio, esfolando o rosto e os joelhos.
"Malditos buracos no asfalto!"
"É culpa da prefeitura!"
"Ei, criança. Você mesmo, baixinho, entra no jogo."
"Não sou criança, já tenho sete anos."
"Há, essa é boa! Entra logo no jogo garoto."
O pequeno se levantou, caminhou com orgulho até a rua, tirou a camisa e se preparou.
O jogo voltou a acontecer, todos os garotos corriam e gritavam. Iam todos atrás da bola deixando o campo atrás de si desprotegido. O homenzinho de sete anos, com suas curtas pernas, não conseguia acompanhar o time.
"Ei, pra mim!!!"
Ninguém ouvia. Talvez fingissem não ouvir. E o garotinho continuou correndo e gritando. Enfim chutaram para ele, estava perto do gol. O craque do time estava um pouco a frente, agitando os braços freneticamente. O pequeno fingiu que não o viu e correu para o gol, chutou a bola com toda força e...foi fácil para o goleiro de camisa pegar a bola.
"Por que não passou a bola?"
"..."
"Ei, garoto, estou falando com você!"
"..."
"Sai do jogo moleque. Vá para casa."
"Não."
"Não?"
"Não."
O maior dos meninos chegou, encarou o pequenino nos olhos e o mandou ir embora. Mais uma vez, o herói catarrento se negou a fazê-lo. Isso durou mais alguns minutos até que alguém deu nele um soco, bem na boca do estômago.
"Ei! Ele é só uma criança!"
Agora um soco era desferido contra o autor do primeiro golpe e, de repente, a briga começou. Os garotos que antes brigavam pela bola agora se debatiam no chão, lutando uns contra os outros. Socos, chutes, mordidas e pontapés. No meio de tudo isso, o garotinho lutava como podia, apanhando e batendo.
De repente, ele ouviu um barulho familiar. Se virou para ver. O garoto do primeiro soco segurava algo brilhante e apontava para um outro menino. O pequeno entendeu o que estava prestes a acontecer. Ele já tinha visto isso antes, lembrava-se exatamente dos olhos do pai, cheios de ódio, do sangue no chão, da mãe no hospital dizendo que tudo ficaria bem.
Então ele correu o máximo que pôde e entrou na frente da lâmina.
"O que você fez, seu idiota? Ele é só uma criança!"
"Ele entrou na frente!"
"Você o matou!"
"Claro que não!"
"E agora?"
"Se vira."
Foram todos embora. O jovem com o canivete foi o último, não queria que seus companheiros o vissem deixar o corpo ensanguentado sozinho na rua.
O pequeno ainda não era um corpo. Continuava vivo. Viu todos irem embora, um a um.
Sozinho, deitado no meio de campo da rua, com toda a dor, ele se lembrou de sua mãe dizendo que só criança quem chora por bobagem e que iria ficar tudo bem. Então ele engoliu o choro, fechou os olhos e sorriu, afinal, não era uma criança, já tinha sete anos.

ÍntimoWhere stories live. Discover now