Eu não consigo dormir. Não paro de pensar. Quando durmo, acordo de madrugada. Não entendo o porquê. Sempre dormi bem.
Acho que é essa cidade. Talvez seja o ventilador. Quiçá seja a solidão.
Papai acha que passei as férias dormindo no quarto do meu irmão porque o meu quarto estava sendo feito de depósito. Mas a verdade é que me assusta a ideia de estar sozinha.
Esse quarto não é escuro, não o bastante para eu fazer da escuridão uma amiga. Não é silencioso, tampouco barulhento. É ótimo e completamente vazio.
Vazio esse que preencho com teorias e paranóias, com histórias e conversas inventadas, com personagens e narrativas, com a minha imaginação fértil demais para alguém de dezesseis anos.
É que a realidade é complicada. Mas, ultimamente, a fantasia também tem sido, de modo que não sei bem para onde ir.
Falta-me tempo para ler e encontrar mundos melhores. Falta-me tempo para desenhar as ideias da minha cabeça oca.
Não, não é tempo que falta. Um amigo uma vez me disse que o tempo é infinito, nós é que não sabemos usá-lo.
Falta-me ânimo. Ou talvez, falte-me o ócio.
Quiçá não falte nada e, na verdade, o problema seja ter muito de tudo.
Ou não há problema algum.
Mas por que minhas mãos sangram?
O mundo e eu, eu e o mundo, somos o problema. O mundo ou eu sou o problema, eu ou o mundo é o problema.
A velha lógica aristotélica.
E, ou, e, ou.
Mas e se?
Não, não, não!
Chega de possibilidades. Eu disse que iria parar com os "e se".
Tudo dá certo no final. Aprendi isso quando era pequena, vendo meus pais se desesperarem e sorrirem no fim.
Mas e se o fim demorar?
PARE COM ISSO, MENINA!!!!
E o que é demorar? Cinco minutos são muito quando só se tem dez.
Dez minutos são pouco quando se tem uma hora.
Rápido e devagar e sempre e nunca e fim.
Fim?
Não sei se há. Meu irmão diz que tudo acaba quando a gente morre e então não existe mais nada. E do pó viemos e ao pó retornaremos e acabou.
Acho que tem algo depois do pó. Tenho fé no Paraíso ou medo de ser tão insignificante a ponto de acabar junto com meus sinais vitais?
Hoje acho que tenho fé. Em parte porque prefiro pensar que aquele senhor de olhos azuis vai para um lugar melhor, em parte porque vi um pôr do sol tão lindo que me fez pensar que Alguém muito especial pintou esse mundo.
Então amanhã eu vou duvidar, porque aquele homem vai estar envolto nas mesmas cobertas, deitado na mesma esquina perto da banquinha que vende discos antigos. Mas se chover eu vou sorrir olhando para o céu. E mesmo que não chova, vou agradecer antes de dormir. Porque a vida é linda e dura, complicada e interessante, fácil mas nem tanto e, principalmente, cheia de pessoas incríveis.
E vou duvidar e crer, muitas e muitas vezes. Como faço com tudo e com todos nessa dificuldade que tenho em confiar.
Mas é Quarta-Feira de Cinzas e não comi carne. Hoje é um dia de acreditar que, mesmo achando estar sozinha, Ele está aqui em algum lugar.
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Íntimo
PoetryO mundo através dos meus olhos de vidro, embaçados pela confusão de coisas que sinto.