Oito

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São quarenta candidatas para apenas duas vagas disponíveis para o próximo semestre. A audição é feita a portas fechadas em um dos auditórios da Julliard.

Os cinco professores são bem exigentes e nos dividiram em grupos de 10 pessoas com apenas 30 minutos para montar uma coreografia. Nosso grupo foi o segundo a se apresentar e nos saímos muito bem. Estamos todas no mesmo nível e disso não resta a menor dúvida, principalmente agora que as apresentações são individuais e em ordem alfabética. E como sempre serei a última a me apresentar.

Parei de assistir na oitava apresentação para o meu nervosismo não aumentar, já basta não ter dormido direito a noite por conta da minha grande ansiedade.

Letícia, uma bela loira alta e que parece caminhar sobre as nuvens, entra no camarim com um sorriso de desdém nos lábios pintados de vermelhos. Acabou sua apresentação sem ao menos suar ou com um fio de cabelo fora do lugar. Ela pega uma garrafinha de água mineral e senta em uma poltrona afastada de todas. Seus modos são de uma pessoa esnobe e que se acha a melhor do mundo.

Garotas vão e voltam até que me chamam. Respiro fundo e faço o sinal da cruz antes de entrar no palco.

Os professores estão em seus lugares lá em baixo e me posiciono. Quando a música soa, deixo-me levar para um mundo só meu, no qual a dança e a música vibram desde a raiz de meu cabelo até chegar aos dedos mindinhos de meus pés. Cada nota, cada som e cada harmonia se infiltra em meu coração, tornando-se uma parte de mim. Sinto como se meu corpo fosse um instrumento musical, afinado e tocado como o instrumento mais delicado do universo.

Termino minha apresentação e alguém sentado no fundo do auditório levanta e começa a aplaudir. Sinto meu rosto pegar fogo ao ver o homem loiro e alto, de ombros largos, feições fortes e marcantes se aproximar da mesa dos professores sem desviar os olhos de mim.

Pisco algumas vezes antes de me retirar do palco sem olhar para trás. Trombo com Letícia, que me lança um olhar mortal.

"Você é uma gracinha. Parece uma boneca de porcelana prestes a quebrar na primeira ventania mais forte. Mas não se ache demais apenas porque o dono da Joffrey Ballet Theatre te aplaudiu, iso não significa que é a melhor daqui." Ela sibila entre dentes e se afasta balançando os longos cabelos loiros.

Troco de roupa e sinto um alívio ao soltar meus cabelos.

Dez minutos depois nos chamam no palco e a medida que vão eliminando as candidatas, minhas mãos vão suando e me seguro para não morder o lábio. Restam apenas três candidatas, então, uma das professoras chama o nome de Letícia, informando-a que ficou em segundo lugar. Seu sorriso não me engana e tenho certeza que ela está explodindo de raiva por dentro por não ter conseguido o primeiro lugar.

O homem loiro desta vez está sentado perto dos professores e tem um sorriso contido. Sinto-me nervosa sob seu intenso olhar azul e não consigo encará-lo por muito tempo, pois é como se ele pudesse ler a minha alma.

"Essa foi uma competição bem acirrada e me surpreendi muito com o nível de vocês, mas como sabem, ser dançarina requer muito mais que práticas e ficar perfeitamente equilibrada nas pontas dos pés." A professora não tem nenhuma expressão em seu rosto, que demonstre qualquer tipo de emoção. "Você nos mostrou técnicas impecáveis, Rebekah, porém, faltou a emoção que a Valentina Evelyn transmitiu em seus passos delicados e naturais. Dançar é deixar a música fluir por todo o seu ser, é esquecer o mundo a sua volta. Parabéns, senhorita Parker. A vaga é sua. Faça-a valer a pena."

Solto o ar que nem percebi estar prendendo e sinto as lágrimas molharem meu rosto. O meu maior sonho se realizando e tudo o que quero é gritar e abraçar minha família. Mas me contenho, pois sei que isso poderia ser considerado bem infantil de minha parte.

Respiro fundo e após assinar alguns papéis, sou liberada para voltar em dois dias para realizar minha matrícula e conhecer a universidade. Bia e Ravena vão adorar me acompanhar.

Com minha mochila nas costas, passo pelas portas duplas do auditório e escuto alguém me chamar. Viro-me e a poucos metros de distância, encontro o misterioso homem loiro, mirando-me com atenção.

"Parabéns pela apresentação. Mas se quiser ser realmente uma grande bailarina, precisará fazer muito mais do que fez naquele palco." Sua voz é forte e rouca. "Tome cuidado com as pessoas ao seu redor." Ele olha para Letícia conversando com um dos professores. "Algumas pessoas costumam ser cruéis para conseguirem o que deseja."

"O que...?"

"Até qualquer dia desses senhorita Parker." Ele passa por mim e só consigo me mexer quando ele desaparece pelo longo corredor, deixando as garotas ali praticamente babando por sua beleza.

Balanço a cabeça e vou ao encontro de minha família, que me espera sentada em um banco perto do portão de entrada. Ravena e Bia são as primeiras a me notarem e as duas vêm correndo e faltam me derrubar no chão ao me apertarem. Meu sorriso já é o suficiente para saberem que fui aprovada e as lágrimas delas são de pura felicidade como as minhas.

Papai me puxa para um de seus abraços sufocantes e cheios de amor. Seus olhos brilham de orgulho por meu sonho se realizando e só sei sentir amor por esse homem incrível, que sempre me carregava para todas as apresentações musicais nos teatros.

Depois vem o abraço mais gostoso e acolhedor de todo o mundo. Nos braços de minha mãe sinto que nenhuma dor pode me atingir, porque ela é a pessoa mais forte e corajosa que já conheci.

"Sabia que conseguiria, meu Grãozinho." Ela beija minha testa e passa as mãos por meu rosto. "Minha bebê está crescendo e só me dá orgulho."

"Crescendo não sei pra onde." Papai brinca com minha altura e não me importo nenhum pouco. "Ainda é o meu toquinho de gente."

"Parabéns, Valentina" Olho imediatamente para frente ao ouvir a voz de Jeremy. Ele tem os cabelos bagunçados, usa uma camisa polo vermelha e calça jeans de um azul claro. Não consigo acreditar que ele veio. "São para você."

Pego o lindo buquê de várias rosas coloridas e o seu cheiro é simplesmente envolvente. Amo flores e sempre tenho algumas em um pequeno jarro em meu quarto.

"Obrigada. São lindas." Agradeço com um sorriso sem saber o que dizer sem parecer uma idiota.

Apesar de saber que não deveria, eu continuo o amando e acho que isso durará até os fins de meus dias. Tento afastar esses pensamentos antes da melancolia invadir minha alma.

Hoje é um dia de felicidades e vitória. Tristeza não deve ter vez.

"Será que você aceitaria almoçar comigo amanhã?" Jeremy parece nervoso e meu coração bobo falta sair pela garganta. "Daqui a pouco terei que trabalhar e gostaria de comemorar esse grande dia com você. Prometo levá-la no restaurante, que tem o melhor bolo de chocolate da cidade como opção de sobremesa."

"Eu..." Olho para mamãe e ela me incentiva através do olhar a aceitar o convite, Bia faz o mesmo. Já Ravena e papai estão de braços cruzados e as caras fechadas. "Tudo bem."

"Ao meio-dia te pego em casa." Ele se aproxima e me beija na bochecha. "Mais uma vez, meus parabéns Pequena. Não tem ideia do quanto estou orgulhoso."

Ele me dá as costas, afasta-se rapidamente e só assim meu coração volta a bater em um ritmo normal.

Série Corações Feridos: O seu lugar é ao meu lado (Vol. 3) ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora