Dezoito

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Hoje é um daqueles dias em que gostaria de ficar quietinha em meu quarto, sem ninguém por perto. Estou triste, completamente melancólica e insuportavelmente sensível. Se alguém me olhar estranho ou falar em um tom um pouquinho anormal, sou capaz de chorar um dilúvio, que inundará toda a América Central.

Não foi boa ideia assistir os vídeos gravados em meu celular, só serviram para me deixar ainda mais triste e sentindo raiva e saudades de tudo aquilo que perdi. Sei que devo superar isso ou, então, entrarei em depressão, mas só que dói na alma e eu por enquanto, tudo o que desejo é vivenciar em paz o meu luto. Pode parecer exagero, todavia, é assim que me sinto e fingir que tudo está bem não ajudará em nada, pelo contrário.

"Simon já chegou. Está lá na academia lhe esperando." Mamãe entra no meu novo e muito mais espaçoso quarto no primeiro andar, totalmente adaptado para que eu possa me movimentar sem problemas. "Ele está mais animado que o normal. Juro que não sei quem é mais criança, ele ou Mia."

Simon tem se mostrado um ótimo profissional e tem ajudado bastante na minha adaptação ao uso de muletas, nas transferências e tomadas de peso e no treino de equilíbrio para que eu possa utilizar minhas novas amigas pelos próximos meses, enquanto me recupero.

Não preciso nem dizer que papai quase montou uma clínica de fisioterapia aqui em casa para o meu tratamento, para que eu não me canse indo todos os dias até ao hospital.

"Temos dinheiro para isso e vamos usá-lo enquanto somos vivos, porque quando morremos, não levamos nada. Se eu não posso usar o nosso dinheiro para cuidar da nossa família, então, não teria motivos para trabalhar. Por vocês, eu faço qualquer coisa, minha filha." Foram suas palavras quando me levou até a academia reestruturada com os novos aparelhos que uso para minhas sessões.

"Não posso faltar só hoje, mamãe? Não estou com vontade de fazer nada." Abraço meu urso e suspiro quando mamãe balança a cabeça e me estica as muletas. "Só hoje?"

"Não mesmo, mocinha. É para o seu próprio bem." Ela me ajuda a sentar e colocar as pernas para fora da cama. "Você melhor que eu, sabe a importância da fisioterapia na sua recuperação."

"Do que adianta se o mais importante não posso mais fazer?" Resmungo e respiro fundo ao forçar os meus braços na muleta para levantar. Mordo o lábio inferior quando minha perna dói. Mesmo sem fazer qualquer esforço nela, qualquer mínimo movimento causa um enorme incômodo. Mal vejo a hora de passar pela próxima cirurgia para retirar essas incômodas hastes externas.

"Poderia ter sido bem pior." Mamãe fala com suavidade e eu começo a andar lentamente, tomando o máximo cuidado para não escorregar e assim causar uma nova fratura ou piorar as já existentes. Meus braços doem por causa do esforço em me locomover com a ajuda das muletas e demoramos uns dez minutos para entrarmos na academia.

Simon ri de Mia que brinca com uma enorme bola de exercícios. Desde o primeiro dia ela se auto-nomeou ajudante de filotelapia e não me deixa um minuto só durante as sessões matinais, que ocorrem de segunda a sexta.

"Dez minutos atrasadas, moça bonita." Simon olha para o seu relógio imaginário no braço. "O que acontece com quem chega atrasada no treino doutora Mia?"

"Faz exercícios pesados e não pode recramar puquê..." Ela coloca as mãos na cintura e olha para Simon em busca de ajuda. "Não ganha lasanha no jantar. É isso!"

"E nem sorvete de sobremesa." Mamãe me auxilia a sentar no banco e pega as muletas, colocando-as ao lado. "Hoje temos alguém de mau-humor. Será a TPM?"

"O que é TPM filotelapeuta Simon?" Mia senta ao meu lado e beijo sua bochecha gostosa.

"TPM é um monstrinho que deixa as mulheres de mau-humor." Simon responde enquanto começa a alongar minhas pernas. Primeiro a boa e depois a machucada. Mordo o lábio inferir e fecho os olhos. É sempre doloroso quando ele toca em meu pé ou na perna, parece que vai rachar os ossos que estão sob a pele. Seus toques são suaves e cuidadosos, mesmo assim, não tem como não doer. Se eu pudesse tomar alguma anestesia durante as sessões de tortura, tomaria sem pensar duas vezes.

Série Corações Feridos: O seu lugar é ao meu lado (Vol. 3) ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora