Cinco

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Quando os últimos acordes soam, escuto aplausos e abro os olhos assustada.

Encostado na porta e com um grande sorriso, Jeremy bate palmas e seus olhos brilham. Engulo em seco e respiro fundo quando a dor volta com toda a força. Sinto o gosto da traição inundar meu coração mesmo que seja algo irracional, já que não sou nada dele.

"Espetacular." Jeremy diz daquele jeito calmo e leve, que costuma usar com a maioria das pessoas.

Respiro fundo, vou até a caixa de som e a desligo. Retiro minhas sapatilhas e as guardo com cuidado dentro da grande bolsa, que carrego para todos os cantos. Calço uma rasteirinha para meus pés respirarem e ajeito a saia preta que uso sobre o collant vermelho.

Mantenha a calma, Valentina Evelyn Parker. Não vá desmoronar. Não vá.

Viro-me e o encontro no mesmo lugar com os braços cruzados e a expressão séria.

"Eu não percebi quando chegou." Falo sem saber direito como começar uma conversa com ele depois do que vi aquele dia.

Meu coração ainda sangra como se inúmeros espinhos estivessem sendo cravados lentamente a cada minuto.

Desvio o olhar e coloco minha bolso no ombro. O que mais desejo é ir para bem longe de Jeremy. É estranho como até alguns dias atrás, tê-lo aqui era o que eu mais desejava. Mas agora ficar perto dele dói de uma forma que me deixa doente.

"Quando você dança entra em um mundo só seu e acaba se desligando de tudo ao seu redor." Jeremy se aproxima e me dá um longo beijo na testa, luto com todas as forças para não empurrá-lo, porque sei que essa demonstração de carinho não significa algo tão especial quanto eu pensava que era. "Você não respondeu minhas mensagens, então vim vê-la."

"Eu estou muito ocupada me preparando para a audição na Julliard." O que não deixa de ser verdade, já que a maior parte de meu tempo fico ensaiando e repassando todos os passos. "Será daqui alguns dias e você sabe como isso é importante para mim."

Por que Bia e Ravena não aparecem logo por aqui?

"Sim, eu sei." Ele abre um lindo sorriso. "Assim como tenho certeza que se sairá muitíssimo bem. A dança faz parte de você, como se fosse seu sexto sentido. Sempre tem um brilho extra quando está dançando."

Sinto meu rosto queimar e sei que estou vermelha. Ele tem que dizer essas coisas tão bonitas quando o que mais quero é não sentir mais esse grande amor?

Se pudesse arrancar esse sentimento do meu coração e jogá-lo no precipício mais profundo do universo, eu faria sem pensar duas vezes.

Eu amo o Jeremy com todo o meu ser e poderia lutar por seu amor, se a outra pessoa envolvida não fosse a filha de meus padrinhos. Se Melissa fosse ao menos uma garota fútil e insuportável, talvez fosse mais fácil, mas não quero mais pessoas feridas. Não quero estar no meio de um triângulo amoroso, principalmente quando tudo está entre família.

Não quero ser a garota da história que para viver um grande amor, necessita ser a outra quando sei que mereço ser o tudo na vida de quem me mereça.

Foi assim que meus pais me ensinaram. Papai mais do que a mamãe na verdade. Quando ele percebeu que a vida de religiosa nos afastaria por tempo indefinido, papai passou a me aconselhar sobre a me amar e a não deixar homem nenhum me usar, ou me fazer sofrer. Ele foi o primeiro a notar meu amor por Jeremy, mas mesmo morrendo de ciúmes, nunca tentou nos afastar.

"Está mesmo tudo bem? Você está pálida e com olheiras." Jeremy segura meu queixo e ele adquire aquele jeito de médico que teve a vida inteira.

"Só não tenho dormido muito bem por causa da ansiedade." Afasto-me de seu toque e sinto um frio no peito por isso. Eu só queria abraçá-lo e ouvir que está tudo bem, que ele me ama da mesma forma que o amo.

"Precisa cuidar da sua saúde, Pequena." Ele me repreende e sinto meus olhos arderem. Sem que eu consiga controlar, as primeiras lágrimas caem. "Não chora." Jeremy me envolve com seus braços e encosto a cabeça em seu peito. "Desculpe, não queria ser grosseiro. Só fico preocupado quando não se cuida direito. Não quero vê-la doente, Pequena."

Se ele soubesse que estou doente da alma, desse amor que se enraiza cada dia mais em todos os órgãos de meu corpo.

Amar deveria trazer paz, felicidade, sorrisos e não essa dor que parece me matar lentamente.

Jeremy acaricia minhas costas e eu me pergunto como pode caber tantas lágrimas dentro de uma pessoa. Quanto mais choro, mais lágrimas parecem brotar.

Depois do que parece uma eternidade, consigo me controlar e me afasto dele, sentindo-me uma estúpida por minha tão grande fraqueza.

"Desculpe. Molhei sua camisa." Passo as mãos no rosto incapaz de olhar na cara de Jeremy.

"Sabe que sou seu amigo, Valentina. Preocupo-me com você. Não gosto de vê-la assim. Chorar não combina com a garota cheia de vida que conheço desde a época em que ainda morava na barriga da sua mãe."

Forço um sorriso e agradeço aos céus quando vejo Benjamin entrar na sala estranhamente sério.

"O que você fez com a minha prima, Gilbert?" Ben me abraça pelos ombros e fuzila Jeremy com o olhar.

"Ele não fez nada, Ben. É que estou muito sensível por causa da apresentação. Tudo anda me fazendo chorar." Meu primo me olha sem acreditar, mas logo abre um sorriso de quem vai aprontar.

"Ah, que bom! Mas não fica triste não, priminha. Esqueceu que mais tarde tem um encontro com o Henry?"

Ben mente na maior cara de pau e eu prefiro me manter em silêncio, pois assim como Ravena, meu primo não aceita ser contrariado. O que ele pretende com isso eu não faço a mínima ideia, a única coisa que desejo é tomar um bom banho e dormir até amanhã de manhã.

"Bom... Tome cuidado. Nos vemos amanhã no jantar de Bodas de Safira de Elena." Jeremy me beija na testa e se despede.

Sinto um alívio que logo é substituído por aquele peso doloroso, que se tornou um desagradável conhecido a me acompanhar sempre que estou acordada.

Estou começando a pensar que deveria ter me insporado nos romances trágicos de Nicholas Sparks. Assim, eu teria me mantido longe do amor, por saber que a vida de uma forma ou de outra costuma nos separar de quem amamos.

Série Corações Feridos: O seu lugar é ao meu lado (Vol. 3) ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora