Um roubo

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"Viagem em família! Fala sério! E ainda viemos pra de outro estado pra essa cidadezinha patética. Aposto que aqueles dois vão passar as férias toda à beira da piscina do hotel largados em espreguiçadeiras. O que tinha de mais irmos pra Fortaleza ou pro Rio de Janeiro? 'Uma cidade tranquila é o que precisamos pra renovar nossas forças' disse a dona Lídia. Goiânia nem é tão agitada e barulhenta assim pra quererem se esconder no meio do nada!"

_ Com licença, moço.

Rodrigo sentiu um leve toque no ombro e virou-se. Era uma moça morena, olhos oblíquos e poderia até passar por uma índia se não fosse os cabelos cacheados. Metida em um bustiê branco e um short sumario que revelavam pernas bem-feitas, a jovem deveria ter a sua idade. Gatíssima. De uma beleza devastadora.

Rodrigo ficou tão sem jeito diante dela que até perdeu a voz. Ela, pelo contrário, não perdeu a voz e nem a pose:

_ Sabe onde se aluga bicicleta aqui no hotel?Me informaram que esse ano eles estão alugando bicicletas...

Alugava-se bicicletas ali? Rodrigo ignorava. Fez apenas um "não" com a cabeça, ainda embaraçado com a beleza da jovem.

Ela sorriu. Sorriso de dentes perfeitos!

_ Ô pateta! Para de babar na menina. O papai está nos chamando, Don Juan!_ ironizou Alisson aproximando-se dele.

A jovem olhou para ele e Rodrigo desengatou a voz respondendo, agora mais encabulado que antes:

_ Minha irmã caçula.

A moça olhou para os dois com um olhar de incompreensão até Rodrigo completar:

_ Meia-irmã.

_ Ah!

Alisson detestava aquilo. Como se aquele motivo bastasse para explicar o fato dela ser negra e o irmão loiro de olhos azuis. Poderiam ter nascido diferentes mesmo se fossem também filhos da mesma mãe, certo?

Alisson resolveu simplificar tudo:

_ Olha, se quiser conversar mais com o bobão aí, é só ligar pro quarto dele que é o 45. Ele se chama Rodrigo. Mas vai por mim, não vale o seu tempo.

A jovem sorriu, parecia ter gostado do que escutara.

_ Sou Ana Regina. Estou no quarto 25. A gente se vê por aí, Rodrigo.

E afastou-se. Rodrigo ainda ficou um tempo olhando para a direção de onde a jovem sumira. Um tempo que seria mais longo se Alisson não estivesse ali:

_ Que azar eu esquecer a câmera fotográfica lá em cima. Daria uma foto linda essa sua cara de pamonha.

_ Dá um tempo, pirralha!

_ Nem vem, moleque. Está me devendo. Acabei de arruinar a vida dessa menina ao informa-la de como encontrar você. Mas não se acostuma não.

Alisson andava na frente de Rodrigo em direção onde seu Clóvis e dona Lídia estavam. Estes tomavam refrigerantes deitados nas espreguiçadeiras e sobre enormes guarda-sóis. Dona Lídia com a cor da pele negra acentuada pelo seu biquíni branco passava bronzeador nos braços e seu Clóvis lia muito atentamente o jornal e comentou com a esposa:

_ Lídia, escuta: "Ainda não foi encontrado a gargantilha de safira e diamantes pertencente a um conjunto de relíquias da Condessa inglesa Embeth Louise Mecdougall. Em visita ao Brasil, a Condessa Mecdougall participou de um leilão na embaixada inglesa destinado a instituições de caridades brasileiras. A gargantilha, herdado da bisavó da Condessa, era o principal destaque do leilão. A policia já conseguiu identificar os ladrões, o casal mexicano conhecido vulgarmente como "Iguanas" por seus inúmeros disfarces e variadas imitações de vozes e sotaques. O casal "Iguanas" entrou na embaixada como convidados disfarçados e conseguiram roubar a joia sem causar rumor. As autoridades nunca conseguiram descobrir a verdadeira identidade do casal de ladrões procurados pela policia a mais de seis anos. O valor da joia da Condessa está estimado em mais de seis milhões de dólares." Não parece coisa de ficção, querida?

_ E eu estou lá pra ficção, Clóvis? Recuso-me a ler revistas ou jornais durante este mês inteiro! Quero ficar longe do contato com o mundo lá fora até acabar essas férias e voltar a lembrar que sou corretora de imóveis e você tenente da policia militar.

Rodrigo e Alisson permaneceram em um silêncio tal diante do dialogo do casal que apenas depois dona Lídia e seu Clóvis o notaram:

_ Nossa! Estão aí parados há quanto tempo? Nem havíamos percebido os dois._ declarou dona Lídia.

_ Desistiram da soneca de tarde?_ perguntou Rodrigo.

_ Maios ou menos. Decidimos relaxar a beira da piscina. Se rolar uma soneca não tem problema._ respondeu o pai. _ Rodrigo, pedimos a Alisson pra trazer você aqui porque quero pedir um favor. Sua irmã quer alugar uma bicicleta e passear pela cidade. Eu deixo. Mas você tem que ir junto.

_ O que?! Se eu soubesse que queria o Rodrigo pra isso não o teria chamado! Poxa, pai, qual é? Eu não preciso de babá! Ainda mais sendo o mala do Rodrigo!_ protestou a filha.

_ É isso ou não sai!_ impôs o pai.

_ Tudo bem, Clóvis. Eu vou com a Alisson._ resignou Rodrigo.

E antes da irmã começar com os protestos, Rodrigo a pegou pelo braço e saiu com ela para longe dos pais. Entraram no restaurante. Ficava na imediação da piscina. Um espaço aberto arejado pelo vento cuja visita se intensificava mais durante as noites.

_ O que deu em você, Rodrigo? Prefiro ficar trancada naquele quarto a sair na sua companhia.

_ Para de cacarejar e me escuta, pirralha. É simples. Saímos juntos e na rua nos separamos. Depois e só ligarmos um pro outro e voltamos juntos, como se nada tivesse acontecido. Entendeu?

Alisson balançou a cabeça desconfiada.

_ Hum, hum. E não pensou um momento em beneficiar-se com isso pra poder procurar a Ana Regina? Ela disse que ia alugar bicicleta, né?Quer saber? Tanto faz. Vou me arrumar e já volto.

_ Como é? Deixa disso, garota! Você já está pronta! O que mais falta?

_ Ué, protetor solar, brilho labial, óculos escuros, um boné e algumas pulseiras. Sorte sua que já tomei banho. Agora espera!

Dez minutos depois e Rodrigo estava prestes a desistir, louco de raiva da irmã! Talvez Ana Regina já houvesse até voltado para o hotel! Droga... Pediu mais uma lata de refrigerante e afundou-se mais na cadeira. Observando os hospedes espalhados pelas mesas viu o casal requintado, a moça loira e o homem cabeludo, entrar no restaurante e dirigir-se há uma mesa vizinha da sua. Os dois ainda de óculos escuros.

_ Eu tenho certeza, Mar. Aquela garota escurinha me reconheceu!_ dizia a loira em tom baixo.

_ Qual "escurinha"?

_ Há que estava ao lado do garoto loiro, sentados na recepção. Ficou me olhando como se houvesse me reconhecido.

_ Não reconheceu, Lu. Foi impressão sua. E se reconheceu ela mesma deve pensar que foi coisa da cabeça dela. Quando passaria na mente da menina que um casal como nós iríamos nos hospedar em um hotel sem estrelas?É asseado e arrumado, mas ainda sim não ostenta nenhuma estrela qualitativa.

_ Pare de pensar em hotéis de cinco estrelas e concentre-se na nossa situação!Se nos descobrem aqui ,adeus planos para o futuro!

_ Você está muito tensa, paixão. Me dá um beijo pra acalmar.

Sem saber o porquê Rodrigo estremeceu e ele resolveu levantar-se e buscar Alisson. Estava com um pé fora do restaurante quando quase esbarrou no anão, agora vestido com mais simplicidade mas ainda com a câmera pendurada ao pescoço. Rodrigo notou pela primeira vez a bizarra cicatriz no rosto dele.

"Eu, hein, cada figura estranha nesse hotel."

O caso da joia da CondessaOnde histórias criam vida. Descubra agora