Vida em família

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Seu Clóvis e dona Lídia aproximaram-se do balcão da recepção enquanto Alisson e Rodrigo largavam-se nas poltronas acolchoadas do hotel observando sem muito interesse as pessoas que ali estavam.

_ Documentos, por favor._ pediu a recepcionista um casal risonho que segurava a filha de três anos por cada mão.

Seu Clóvis e dona Lídia esperavam sua vez atrás do tal casal, exibindo sorrisos de comercial dentário desde antes da chegada ao hotel, falando sem parar, fazendo planos para aquelas que segundo eles eram finalmente as "merecidas férias em família". Claro que Alisson e Rodrigo não concordavam nem um pouco com o substantivo "família". Alisson e Rodrigo eram meios-irmãos e não se suportavam. Não eram diferentes apenas na aparência, mas em todos os outros aspectos.

Alisson era mulata, possuidora de um par de olhos grandes e escuros muito expressivo, alta para os treze anos, mas magra demais para "o gosto" de seu irmão Rodrigo. Dona de uma única covinha na bochecha esquerda formada quando sorria, usava dois brinquinhos em cada orelha. Vegetariana, assim como a mãe, dona Lídia, muito feminina e vaidosa, com um hábito de caminhar todos os dias, era amante da natureza.

Loiro e herdeiro dos olhos azuis do pai Clóvis, Rodrigo era dois anos mais velho que a irmã e um "carnívoro" convicto, assim como seu Clóvis também o era, para o inteiro desgosto de dona Lídia e Alisson. Rodrigo vivia em São Paulo com a mãe, dona Celeste, e uma vez por ano era "obrigado" a viajar para Goiânia, "passar um tempo" com o pai e consequentemente com a irmã e a madrasta, afim de não perder o "contato" com o seu progenitor. Um dever tornado ainda mais penoso por conta da presença da irmã caçula, que por falta de convivência diária não o respeitava e nem o considerava como irmão mais velho chamando-o sempre de "moleque" e discordando de tudo o que ele dizia. Ele também não se esforçava para a paz reinar entre ambos chamando-a de "pirralha" e provocando-a sempre que podia-o, o único momento em que se esquecia completamente de sua tremenda timidez.

_ Isso na sua testa é uma espinha ou um vulcão preste a entrar em erupção?

_ Não enche, Rodrigo! Nem estou mexendo com você. Depois não reclama!_ respondeu a garota lembrando-se que não houve maquiagem suficientemente conquistadora do milagre para no mínimo disfarçar a tal espinha.

Seu Clóvis e dona Lídia agora conversavam com a recepcionista enquanto o casal risonho com sua filha afastava-se. Foi neste momento que outro casal, por sinal muito chique, entrou na fila da recepção de mãos dadas. A moça, loira, usava óculos escuros, um chapéu de palha na cabeça, roupas claras e leves, adequadas para o calor daquele inicio de mês de julho. O homem, parecendo ter o dobro da idade dela, também estava de óculos escuros e usava um chapéu panamá, camiseta branca, bermudas e sandálias de dedos exibindo pernas e braços muito cabeludos.

Alisson naquele momento não saberia dizer o que foi, porém, algo na loira chamou a atenção como se já a tivesse visto em algum lugar. Grudou os olhos tão descaradamente para cima da majestosa moça que esta, percebendo a insistência do olhar da garota, ficou nitidamente incomodada.

_ Alisson! Para de ficar encarando os outros dessa forma. Pelo menos disfarça._ recriminou-a o irmão depois de perceber a embaraçosa situação._ Está deixando a moça sem jeito!

Como Alisson nunca o obedecia, nem fez menção de tê-lo escutado, ignorando-o, sem retrucar ao irmão como se ele nem estivesse ali, do seu lado. A garota só parou com a analise para cima da moça quando seus olhos foram atraídos para algo ainda mais digno de sua inspeção: a entrada de um anão carregando uma única valise, também de óculos escuro, porém com roupas menos informais do que esperado para aquele ambiente, com uma câmera profissional pendurada ao pescoço e o que mais espantou Alisson: um arranhão que ia da bochecha direita até a ponta da orelha.

_ Vamos pros quartos, meninos. Finalmente._ suspirou dona Lídia, tirando a filha das divagações.

_ Estou louco por um banho e uma boa cochilada!_ seu Clóvis andava na frente deles carregando malas com a ajuda de Rodrigo e de um dos funcionários do hotel._ Viajar de carro é cansativo. Ainda mais de Goiânia até aqui, Vista Verde. Meu cérebro só consegue pensar em duas palavras:"Banho" e "cama". "Banho" e "cama".

_Então vão dormir o dia todo hoje. Adivinhei?

_ Provavelmente, Alisson. De noite podemos até sair, mas por agora seu pai e eu vamos desmaiar por algumas horas. Que bom termos almoçado pela estrada. Vou fazer como pai de vocês: "Banho" e "cama".

_ Se vocês dois quiserem podem passear aqui por perto. JUNTOS. Nada de "cada um pro seu canto". Entenderam Alisson e Rodrigo?

Como não obtivera resposta dos filhos o pai repetiu:

_ Entenderam??

_ ENTENDEMOS!_ responderam os irmãos quase um atrás do outro, azedos.

_ Ainda bem que o Rodrigo nasceu garoto, ao contrario eu seria obrigada a dividir o mesmo quarto que ele!

_ Se eu tivesse nascido garota talvez você mesma estivesse carregando as suas malas!_ retorquiu Rodrigo._ Assim você teria noção o quanto pesa seus cremes, estojos de maquiagens e o resto das suas tralhadas inúteis!Pra que carregar tanto cacareco se não mascaram uma simples espinha?

Os olhos de Alisson fulminaram o irmão. Entraram no elevador e o pai resolveu por panos quentes naquilo:

_ Já chega! Não quero mais ouvir e nem ver vocês dois brigando! Irmãos não deveriam se provocar dessa formar!

_ Não somos irmãos no sentido completo da palavra._ disse Alisson.

_ Somos meio-irmãos._ completou Rodrigo.

_ Irmãos pela metade ou não, quero que aprendam a respeitarem-se!_ taxou o pai.

O anão entrou no quarto e trancou com a chave. Jogou a valise em cima da cama e foi mirar-se no espelho do banheiro. Sorriu fazendo a cicatriz salientar-se mais. Iria ganhar uma grana e tanto! Depois de tanto procurar conseguira algo que ia realmente render-lhe muita grana. Até o presente momento estava tudo dando certo. Estava no mesmo hotel que eles. Era só passar despercebido e iria conseguir o que queria sem problema e barulho nenhum.

Já se via embolsando o dinheiro.Sorriu mais.


O caso da joia da CondessaOnde histórias criam vida. Descubra agora