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Havia apenas o gosto do álcool na minha boca, sentia descer queimando pela minha garganta e não era só o álcool, havia queimando em mim o rancor, a saudade, havia cada momento em que queria apenas ela e havia quando ela se virou e saiu da minha vida.
De novo.
Havia vontade ali.
Havia também, uma jovem sorridente do outro lado do bar.
Quem mais estaria no bar aquela hora da manhã?
Isso mesmo, pra quem chutou na garota de azul, acertou.
Frente a frente com a Penny, seus lábios rubros e seu corpo tão próximo ao meu.
Havia desejo.
Não era mais álcool o gosto que estava em mim.
Tinha muito mais.
Tinha o gosto da vontade, de imaginar cada parte do corpo dela em minhas mãos.
Tinha anestesia, a bebida deixando meu corpo leve, seguindo instinto.
Havia gosto da fumaça e da música.
Havia o gosto dos beijos que eu não dei.
E depois disso, havia o gosto da boca dela.
Minhas mãos entrelaçando seu corpo e as suas em mim.
Havia seu cabelo voando em nossos rostos e os sorrisos que escaparam.
E então, havia Penny.
Havia eu.
E não era culpa o que estava ali, era só fogo.
Tudo o que podia queimar estava queimando.
A bebida, ela.
Tudo queimava em mim.
E eu queria mais.
Por um instante, quase que senti culpa.
Mas mal pensei nisso e já havia me embreagado demais para lembrar do nome dela.
E nem queria lembrar.
Afinal, ela não pareceu lembrar de mim.
E eu só precisava esquentar.
Eu precisava do calor.
Mesmo que eu tivesse de provar outros corpos que nunca seriam o dela.
Às vezes a gente tem que morrer pra sabermos que estávamos vivos.
Tudo queimava.
E era exatamente assim que eu queria.

Eu não me lembro o que houve no restante do dia.
Acordei no chão de madeira do bar da esquina, com um Andy preocupado me olhando nos olhos, perguntando se eu estava bem.
Me levantei num pulo e a minha visão escureceu quase que completamente, sentido a dor de cabeça de toda a música que eu não ouvi hoje cedo, estava doendo e muito.
- O que houve?
- Ela... Ela foi... Embora.
- Meg?
- Sim.
Ele, já cansado disso, abaixou a cabeça e então colocou meu braço sobre seu ombro, tentando me carregar pra fora.
Andy era um menino muito bom.
Ele tinha seus surtos as vezes, mas ele era muito bom.
- Vamos dar uma volta, Al.
Ali, no banco daquela praça, a mais próxima do bar porque obviamente meus 60 kg não eram pouca coisa para o menino de 14 anos, bem ali, frente com uma fonte, eu, mesmo sabendo que ela não era bem "dos desejos" fiz um pedido.
E foi no lançamento daquela moeda que eu me prometi algo.
Eu a ouvi estralando e espalhando água quando se bateu contra ela, podia ouvir também o meu coração.
Sai de lá, deixei Andy em sua casa e fui correndo abrir o e-mail que eu havia ignorado.
A um mês atrás, enquanto Margareth ainda estava acordando do meu lado todos os dias, eu recebi um e-mail da faculdade de Letras, de Londres.
Estudante aceito.
Eu tinha até hoje para responder e sinceramente abandonar tudo aqui não estava nos meus planos.
Mas eu precisava disso.
Minha vida não pode se basear nos amores que eu já vivi.
Eu preciso de mais, eu sou mais.
E eu aceitei.
Com as mãos tremendo, soltei o mouse.
Ainda na fonte, num sussurro qualquer, se ouvia as minhas palavras:
"Eu desejo... Eu preciso... Mereço... Mais"

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