Capítulo 22

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  — Quantos anos seu amigo tá fazendo mesmo? — pergunto a André.
  Sentado no banco da frente do carro de aplicativo, ele olha por cima do ombro.
  — Não é aniversário, só uma social mesmo.
  Troco um olhar com Ana na janela oposta.
  Ela havia me convidado para acompanhar os dois nessa tal festinha. Reservada para jovens. Eu já imaginava o que esperar...
  — E acertei — suspiro. Volto o rosto para minha prima, o namorado dela seguia na frente em busca de conhecidos. — Sabe que não gosto de beber, né?
  Ana estala a língua.
  — Ninguém precisa disso pra se divertir.
  Varro o lugar.
  — Todo mundo parece pensar o contrário.
  — Mas tu não, é só ficar no refrigerante e suco. — Dispara de volta. — Fica perto da gente. Cuidado com os doces que oferecem.
  Engulo em seco.
  — Se me trouxe...
  — Tu não vai morrer, bicha. — Passa um braço ao redor do meu ombro. — Relaxa. Agora sorria.
  Os passos dela ficam mais leves conforme passamos pelas pessoas. Uma boa quantidade de gente se aglomerava perto do som, controlado por um Dj, os mais tímidos dançavam no canto.
  Mas todo mundo sabia as músicas e coreografias de cor.
  — Só pros apaixonados! — anuncia o Dj antes de colocar um brega para tocar.
  A música falava sobre a dor de um término, mas casais dançavam agarrados, remexendo lentamente os quadris. Quase se esfregando.
  Noto a mão de um rapaz repousando na bunda da moça conforme ele a puxa o máximo que consegue para junto de si.
  Outros pares já não esperavam mais e trocavam beijos pelos cantos.
  Desvio o olhar daqueles quando percebo que despertam uma saudade enterrada em mim.
  Noto um grupo comentando a dança alheia, parte deles comemoravam a junção de duas pessoas que finalmente parecia acontecer.
  Finalmente André nos chama para sentar num conjunto de cadeiras junto dos seus amigos.
  Cumprimentamos todos. Não dou muita bola, nem sabia o que estava fazendo ali.
  Por acaso onde estava com a cabeça quando aceitei o convite? Deus permita que Ana não me abandone para ficar com o namorado.
  A música troca para uma batida ao mesmo tempo esmagadora e contagiante. Reconheço o brega funk que fizera sucesso anos atrás.
  Os pares se separam e enquanto a maioria das garotas demonstram sua destreza ao rebolar, os rapazes fazem qualquer movimento ritmado com os pés.
  Percebo um instante depois que havia um tipo de troca, cruzar de pernas e punhos cerrados seguindo o som.
  — Esse — aponto — é o tipo de música pelo qual vim. Nada de agarrados pra uma solteirona.
  Ana bufa.
  — Pelo amor de Deus — dispara, pegando um copo de bebida alcoólica oferecida por André. Aceito o refrigerante que ele indica logo depois. — Terminou faz pouco tempo.
  — Parece que foi há um ano.
  Ela aponta o copo que André acabara de me passar.
  — Acaba logo isso aí.
  Recuo desconfiada.
  — Pra quê?
  — Não te trouxe pra ficar sentada no canto.
  Dou um sorrisinho e concordo.
  Fazemos careta quando a única brisa que consegue atravessar o lugar quente e agitado é aquela trazendo a fumaça de cigarro capaz de apodrecer pulmões sadios.
  — Será que um dia conseguiremos um total de zero fumantes no mundo?
  Ela balança a cabeça.
  — Vai ser substituído por outra porcaria que dirão não fazer mal.
  Estremeço de leve. Devia ser um ciclo infinito.
  O gás me faz apertar o rosto quando coloco o refrigerante todo para dentro.
  Deixo o copo de lado e encaro minha prima.
  — Bora?
  Ela apenas se vira para o namorado, repousando a mão sobre a dela que descansava em sua coxa.
  — Cuida do meu copo... — ouço por cima da música. — ... indo dançar.
  André troca um breve olhar comigo, dou um sorrisinho enquanto assente.
  Minha prima levanta e seguro a mão que estende. Caminhamos juntas para o espaço que encontramos junto dos outros corpos dançantes.
  O pisca-pisca confunde minha visão, mas identifico onde estou e Ana diante de mim.
  Cantamos com o resto da massa desconhecida, rebolando quando não sabemos a mesma coreografia.
  O brega funk vai de um para o outro, depois para um brega que fala sobre traição e novamente, corpos se unem. Ana me puxa para dançar com ela.
  Seguimos a cantoria fingindo ser o casal em discussão.
  Ana quebra nossa atuação.
  — Obrigada por ser minha prima. Eu te amo.
  Franzo o cenho.
  — Tu nem terminou o primeiro copo.
  Ela dá de ombros.
  — Tô falando sério.
  Engulo em seco, balançando a cabeça. Paro de dançar e por um instante.
  — Desde painho, aprendi a ter medo de declarações feitas assim.
  Minha prima faz um movimento breve de cabeça, seguido de um leve bufar.
  — Devia ter aprendido que a vida é curta demais pra guardar tudo pra si.
  Estreito os olhos.
  — Não é o tipo assunto que eu quero conversar no meio de uma festa.
  Ana passa um braço ao redor do meu pescoço, nos balançando com a música.
  — Foi você quem começou. — Ela faz uma pausa, preenchida pelo brega. — Mas por quê, medo?
  Dou de ombros para disfarçar o leve estremecer só de pensar.
  — Vai que é uma despedida da qual só a pessoa sabe o destino?
  Dessa vez, não há zombaria ou qualquer outra coisa em seu semblante.
  Funk toma o som e voltamos a dançar separadas. André se junta a nós na metade da música, trazendo o dois copos.
  Ele entrega o da namorada. Ana molha a garganta com a bebida sem parar de remexer o corpo.
  — Tem espetinho no bar — conta André para mim, gritando por cima da música.
  Relanceio a direção que aponta e agradeço.
  — Num arrumou ninguém pra você?
  Nego suavemente, seguindo a música enquanto balanço a cabeça de um lado para o outro.
  — Não tô à procura.
  — Tem gente bonita que só aqui — diz, olhando ao redor.
  Recuso outra vez. Apertando os olhos de leve para evidenciar a minha falta de vontade.
  — Tô de boa.
  — Por que não trouxesse teu amigo?
  Faço uma pausa pensando no motivo pelo qual eu nem sequer fizera o convite a Rodrigo.
  — Ele tava bem ocupado. Mas aposto que nem é de festa.
  Ana leva o olhar preso em mim ao namorado.
  — Combina com ela, né?
  Faço uma careta repreensiva.
  André me observa atentamente. Desço o olhar para nossos joelhos, focando em requebrar.
  Não achava que ela lhe tinha contado sobre o beijo e preferia que continuasse assim. Quanto menos gente lembrando o tempo todo daquilo, melhor.
  Meu olhar recai sobre uma dupla dançando perto de nós.
  No entanto, faria mal nenhum ter um amigo ali para dividir a minha vela quando Ana esquecesse do senso de presença alheia, certo?
  Se eu apenas tivesse mais alguém...
  Bem na hora, o Dj troca para um sertanejo apaixonado.
  Meus ombros caem em desânimo e reprimo um xingamento.
  André puxa minha prima para dançar com ele.
  Cutuco o ombro dela e aponto com o polegar para a direção da qual viemos assim que consigo sua atenção.
  — Vou descansar, ok?
  Eu já girava os calcanhares para me dirigir àquela direção quando Ana abana a mão numa dispensa. Remexendo o corpo colado ao dele.
  Sento na cadeira, distante dos amigos de André e uma completa sombra naquele montão de gente se apertando.
  Exalo pesadamente e cogito pegar o celular.
  Para quê?
  Guardo o dispositivo na bolsa sem nem acender a tela.
  Observo os casais se movendo no ritmo da música. Alguns mandavam ver, outros tentavam.
  Eu adoraria ter alguém para dançar agarradinho. Uma pessoa da qual eu gostasse não por ser da família e que tocasse amorosamente meu coração. Do jeito que Miguel foi por tanto tempo.
  Mariana, você tem mais o que fazer focando em sua carreira.
  Mas Ana não falou algo sobre a vida ser curta? E se fosse desperdício focar tanto um aspecto e esquecer o outro?
  Procuro um rostinho bonito dentre todos. E se eu apenas tentasse ficar sem intenções de conhecer? Apenas pela diversão, contrariando todos os meus ideais?
  Encaro minhas mãos. Com certeza uma coisa daria errado.
  Levanto o queixo. Deu certo com Rodrigo.
  Engulo em seco. Deu mesmo?
  De relance, percebo que a atenção de um amigo de André pousava em mim de instante em instante.
  Antes que o súbito enjoo se espalhasse de vez, o namorado da minha prima volta com um sorriso no rosto.
  Aquele sorriso. De bobo apaixonado, quem tinha certeza de que ganhou o mundo por meio de um beijo. Era de me sentir assim que eu tinha saudades.
  E não de um beijo qualquer.
  — Cadê Ana? — indago.
  — Foi no banheiro, jájá vem.
  Levanto rápido demais, sentindo uma leve tontura pelo movimento rápido. Semicerro os olhos para suportar o giro na cabeça.
  — Vou atrás dela — anuncio.
  Queria mais era fugir dali antes que o amigo dele se aprumasse para conversar com André e acabar trazendo o papo a mim.
  Paro por um instante rodando a cabeça, buscando a localização do sanitário.
  Desço o olhar meio sem graça para o rapaz que indica uma direção.
  — Fica pra lá. Entrando na casa, tem placa lá dentro.
  Dou um sorrisão.
  — Obrigada.
  Desvio de gente.
  E paro a fim de me soltar de uma mão masculina que ousa segurar meu braço. Faço cara feia para meu captor, mantendo qualquer reclamação inútil para mim. Ele nem ouviria mesmo.
  A julgar pelo estado de seu rosto também não registraria muito daquilo. Saio dali ágil como uma catita por entre os buracos que encontro.
  Encontro minha prima esperando na porta do banheiro. Parecia impaciente, tentando segurar qualquer rio que sua barriga contivesse.
  Ela olha para mim com desespero.
  — Não me diga que precisa ir também.
  Nego com um menear. Apoio a palma na parede perto de sua cabeça.
  — Só vim te acompanhar.
  Ela pisca, fingindo encanto.
  — Vai segurar minha mão enquanto faço xixi?
  Abro um sorriso gentil.
  — Por que não?
  Ela sacode o corpo com veemência.
  — Vou fazer nas calças.
  A usuária abre a porta. Viramos o rosto ao mesmo tempo.
  Paraliso ao passo que Ana se apressa para entrar, a calça já desabotoada.
  Notei a antipatia da garota ao alternar um olhar entre nós duas tanto quanto notei que eu a conhecia de outro lugar...
  Das redes sociais.
  Pior, das páginas de Miguel.
  De costas, Yasmin nem percebe que eu a sigo com o olhar. Balançando os cabelos loiros de um lado para o outro enquanto rebola para algum canto da festa, ainda perto da casa.
  Aproximo da porta de madeira e toco duas vezes.
  — Ana?
  Sua voz abafada quase se perde contra a música estrondante.
  — ... quêêê?
  Se ela... Miguel estava aqui?
  Olho ao redor, desesperada.
  — A bicha que saiu agora... — ouço seus ruídos lá dentro e logo após, a voz perguntando. — Era a ex de Miguel. Ex ou atual, não sei como tão. Mas era ela.
  A porta abre e Ana me encara sem parar, deixando o sanitário.
  Ela olha para o banheiro com certo nojo.
  — Acho que ela mija rodando.
  Consigo emitir uma risada breve e balanço a cabeça, aproveitando para olhar ao redor.
  — Acha que ele tá aqui?
  — Importa se tiver?
  Lanço-lhe uma expressão de desespero.
  — Claro que sim!
  Minha prima dá de ombros.
  — Só vai saber se descobrir pra onde ela foi.
  Hesito.
  — E se ele me ver?
  — Tomamos outra direção.
  — Ele vai vir atrás de mim.
  Ana segura meu braço, puxando-me de volta para a festa.
  — Só observar sem de fato ver. Qualquer coisa a gente finge que nem o viu e foge dele.
  — Vou querer ir pra casa.
  — Mari... — ela para e se vira para mim. — Quer saber se ele tá aqui ou não?
  Confirmo com um menear. Ela volta a me puxar soltando um "então, bora".
  Recolho minha mão, recebendo um olhar atravessado.
  — Vou voltar pra André e você não vai descobrir se Miguel veio ou não.
  Crispo os lábios e indico a festa.
  — Uma chama menos atenção que duas.
  Ana ri com escárnio.
  — E tu espera que eu confie que não vai toda estabanada procurar a menina e acabar esbarrando de novo nela?
  Franzo o cenho, levemente irritada.
  — Não sou estabanada. — Ana faz sinal de indiferença e prossigo: — E tu nem saberia dizer quem é ela. Eu prestei atenção.
  — E também é louca o bastante pra ter gravado o rosto das vezes que viu numa foto com Miguel. — Minha prima faz menção de partir. — Vou esperar no mesmo lugar.
  Assinto e encaro o chão.
  — Ana! — A jovem me encara com impaciência. — E se ele tiver?
  — Já disse... a gente foge.
  Mordo o lábio, desviando o olhar para uma parede creme.
  — E se eu quiser falar com ele?
  Ana pende a cabeça de lado. O semblante exausto. Por fim, meneia a cabeça.
  — Você simplesmente não vai. — Deixo os ombros caírem. — Tu ia odiar se tivesse saindo com ele e a ex chegasse pra conversar.
  E como ela tinha razão.
  Apago o fogo de querer ver Miguel e me aproximo de Ana, mudando de ideia.
  — Deixa pra lá, vamos ficar quietinhas.
  Ana emite um aleluia baixinho e caminhamos juntas de volta para o lugar onde André aguardava.
  Porém, assim que eu saí, não pude evitar olhar para a direção que Yasmin tomou.
  Para minha surpresa ela continuava mais perto do que eu previa. E para minha surpresa o jovem a quem provava os lábios não era Miguel.
  Cravo os dedos no braço de Ana. O olhar preso na direção, se a garota só percebesse que alguém a observava descaradamente...
  Ana resmunga incomodada com as unhas no braço.
  — O que é, menina? — reclama.
  Viro o rosto para minha prima.
  — Achei que ela e Mi tivessem namorando.
  — Talvez só estejam ficando.
  — Mas ele postou um story todo amoroso com ela hoje cedo.
  Ana estreita os olhos.
  — E tu ainda acompanha os posts dele?
  Mordo a bochecha.
  — Acha que...
  Ana começa a me puxar.
  — Não tenho que achar nada, nem você. Deixa quieto.
  — Mas...
  Deixo que ela me leve, relanceando a direção que Yasmin estava. A garota tinha a boca do menino, mas continuavam trocando carícias.
  Me sinto desconcertada e enjoada com a cena.
  Bem... talvez isso explicasse a insegurança de Miguel.
  — O que tu faria se visse Miguel me traindo?
  Ela demora a responder.
  — Contaria, óbvio.
  Após desviarmos de dezenas de corpos suados, alcançamos André e seu grupinho.
  — E se o mesmo tiver acontecendo com Mi? — pergunto, inclinando o corpo para sentar. — Devo contar a ele?
  — Pode ser que não tenham nada. Ele pode tá postando pra te atingir, tanta coisa, Mari.
  — Ele também veio atrás de mim rapidinho depois que terminou com ela.
  — Não merece nenhuma das duas.
  — Mas merece levar gaia? — Encaro Ana. — Miguel pode ser tudo, mas infiel, não. Se ele tá tendo algo sério com ela, acho complicado ver e não avisar.
  Ela exala alto, aceitando o copo que André oferece e o espetinho de carne. Pego mais um refrigerante.
  — Sei lá. Faz o que tu quiser, mas vê se pergunta a que pé eles tão antes de falar besteira. — Afirmo com um menear lento. — Agora, pelo amor de Deus, esse assunto morre aqui por enquanto.
  Concordo, silenciosa outra vez.
  Amanhã. Assim que eu acordasse, ligaria para ele. Deixaria claro que era nada mais do que um aviso, que não haveria retorno ainda para nós.
  Meu coração mal sentia a dor do término agora. Era uma sensação boa e renovadora. Será que fiquei mais forte?
  Em alguns aspectos, com certeza. E não apenas por causa de Miguel.
  Cada parte do ano teve seu dedo. Foi difícil, mas eu estava cruzando a linha de chegada para mais uma aventura.
  Fixo o olhar na pista de dança.
  Dessa vez seria com novos personagens e os antigos que me eram essenciais.
  Troco o copo entre as mãos e abraço minha prima de lado. Ana deita a cabeça em meu ombro.
  Abro um sorrisinho e devolvo com sinceridade:
  — Eu também te amo.

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