Capítulo 13

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  Os olhos de Rodrigo brilham com o que pareceu temor quando bato os pés até ele.
  — Vai abrir o jogo comigo ou esconder? — disparo. O questionamento chama a atenção alheia. — O que tá fazendo aqui? O que tá acontecendo contigo? Se eu tô bem era pra não me preocupar, te encontrar numa delegacia certamente ajuda.
  Ele segura meus braços e olha em meus olhos.
  — Mas eu tô bem...
  — Tô tentando ser sua amiga, Rodrigo. — A revolta se transforma em lágrimas ameaçando cair de meus olhos. — Você tá...
  — Não deveria — diz com plena convicção.
  Bato um pé teimoso no chão.
  — Por quê?
  A garganta do rapaz oscila quando relanceia uma porta fechada.
  — É o meu tio.
  Pisco confusa e recordo espaço e tempo.
  — Não vou deixar de gostar de você porque seu tio foi preso.
  Ele balança a cabeça.
  — Tu não tá entendendo, meu tio...
  Uma porta se abre e esqueço de tudo quando Rômulo deixa a sala escoltando um homem pequeno e magro. Pelo caminhar e silhueta, reconheço como o sujeito capturado pelas câmeras.
  Perco o controle do corpo, tomada pela ira. Em instantes Mirtes e Rodrigo me detinham. O homem passava por nós cabisbaixo, levado algemado para outro lado do prédio.
  — O que meu pai te fez?! Você destruiu minha família, seu canalha! — As lágrimas rolam rapidamente. — Ele era um pai de família, não um bandido. Nunca faria mal a ninguém!
  Eu não sabia bem se o homem registrava minhas palavras. Os olhos dele vagam sem rumo pela sala quando erguem.
  Esse maldito nem tem coragem de olhar na minha cara!
  Me debato contra os braços ao redor do meu corpo, incapaz de controlar. Eu partiria para cima dele ali mesmo.
  O abraço imobiliza tronco e braços. Não era Mirtes, ela balbuciava enquanto observava o homem caminhar.
  — Me solta — ameaço morder as mãos. — Eu vou pegar ele!
  — Por favor, não — a súplica envolta de dor na voz me fez parar aos poucos.
  Rodrigo.
  Os policiais param com o homem de frente à grade de uma cela.
  Ele olha por cima do ombro na minha direção e seu rosto grita arrependimento. Um pedido de desculpas ali. Um que eu não aceitaria.
  — Ele falou que ia ser de leve, moça. Não achei que ia acontecer isso.
  Volto a espernear, frustrada. Rodrigo me mantém por perto. Mexo o tronco ameaçando adotar cotoveladas.
  Rodrigo emite grunhidos.
  Os policiais abrem a porta da cela.
  — Ele quem? Ele quem?!
  — Eu precisava do dinheiro pra sobreviver!
  O preso é levado para dentro da cela e algemado a uma barra de ferro lá dentro. Logo depois a escolta sai e tranca a grade.
  — Elvis! Onde ele tá? — Mirtes avança até a grade.
  O preso a olha com desprezo e vira o rosto.
  Assassino. Canalha. Estrume. As palavras açoitavam na minha cabeça quase me escapando.
  O aperto de Rodrigo afrouxa e volta a apertar assim que tento investir na direção da cela. Lá, Mirtes continuava insistindo ao homem que chamava de Elvis para obter uma resposta de onde estava qualquer que fosse a pessoa que ela procurava.
  Elvis. Como se aquele assassino merecesse um nome.
  Rodrigo consegue me arrastar para longe.
  — Para, me solta! Eu preciso ir atrás dele.
  — Ele já tá atrás das grades, o que vai fazer mais?
  — Por que está defendendo aquele assassino?
  — Ele é meu tio.
  Paro e minhas forças se esvaem junto com qualquer traço de humor.
  Giro os calcanhares.
  — Por isso você se afastou, você sabia esse tempo todo?
  Tristeza verdadeira toma seu rosto.
  — Eu tava o convencendo a se entregar.
  Meu corpo murcha e dou um passo para trás. Contraio o rosto na minha própria tristeza.
  — Por que não me contou? — minha voz falha.
  As súplicas de Mirtes soam mais altas agora. Ouço trechos por cima da voz de Rodrigo:
  — Faria de tudo... pra conhecê-lo... me diga onde estão.
  — E dizer que minha família destruiu a sua? — Ele sacode a cabeça. — Eu não conseguiria, preferi colocar um ponto final nisso.
  — Fingir que não existo consegue, né?
  Dou-lhe as costas e caminho para perto da minha mãe. Meu tio a abanava com a ajuda de uma pasta. A mão pálida dela segurava um copo d'água.
  — Eu ia me sentir culpado sabendo que tava falando com você e escondendo a verdade enquanto consertava tudo.
  Dou meia-volta.
  — E quanto a como eu me senti? — retruco. — Miguel tinha razão. Tu não merecia um segundo do tempo que gastei ligando ou tentando conversar. Você só liga pros próprios sentimentos e ideias.
  Rodrigo se indigna.
  — Eu o quê?! Quantas vezes me dispus a te ouvir? Não abra a boca pra dizer uma coisa dessas, o que mais fiz foi te ouvir. Eu só não quis contar o que eu sentia.
  — Coisa que tinha a ver com tudo o que eu tava sofrendo — acuso.
  — Eu não sabia até soltarem nos jornais!
  — E depois? O que impedia de chegar até mim?
  — Você ouviu alguma coisa do que eu disse ou só se importa em ouvir os próprios sentimentos?
  Rodrigo finaliza estreitando os olhos.
  Minha mão fervilha junto com a raiva, mas meu tio chega antes.
  — Algum problema?
  Desvio o olhar com sede de sangue do dele Rodrigo e encaro meu tio.
  — Vai ficar tudo bem assim que ele sumir da minha vista.
  Marcho para longe dos dois e despenco no assento ao lado da minha mãe.
  Meu tio troca umas palavras com Rodrigo. O rapaz me lança um último olhar e vai embora.
  Bufo e afundo na cadeira. Minha mãe abaixa a cabeça.
  De perto percebo melhor seu estado. Ela devia ter desmaiado e ainda se recuperava.
  — Rodrigo não tem culpa das decisões do tio.
  — Eu não o culpei por isso — rebato.
  Ela levanta o queixo e encara a saída.
  — Ele se culpa.
  Cruzo os braços.
  — Problema é dele.
  Mirtes surge da sala. A decepção estampada em seu rosto.
  — Ele não vai contar. — A recepcionista ocupa o assento ao meu lado e ergue o olhar para o teto. — O que foi que eu fiz?
  — Quem você tá procurando? — procuro saber.
  Ela mantém o olhar na porta.
  — O meu ex tem uma coisa muito valiosa minha. Elvis é irmão dele.
  Engulo em seco. Mais uma vez aquele homem destruía a vida alheia.
  — A culpa não é sua...
  — É sim — rebate e quando percebe, pede desculpas. — Aonde vão levar ele?
  — Daqui pro presídio — mainha conta. — Vou ficar pra saber do resto da investigação.
  — Já que tá tudo bem. Vou voltar pro escritório...
  Minha mãe a observa e balança a cabeça.
  — Vá pra casa se não estiver em condições. Asseguro sua ausência.
  Mirtes assente e nos abraça com uma despedida antes de partir. Sou embalada de lado pela minha mãe e ficamos em silêncio.
  Meu tio volta de um lugar.
  — Tava falando com o delegado. Tem mais gente por trás. — Cláudio relanceia a direção que dava para a cela. — A participação dele foi por dinheiro. O mandante ofereceu duzentos pra ele cortar os freios.
  Bufo audivelmente.
  — Duzentos? A vida de alguém vale duzentos?
  — Não vale. — Minha mãe me olha. — Mas ele achou que a própria liberdade valia. Tava precisando desse dinheiro pra qualquer que tenha sido o motivo.
  — Você o está defendendo?
  Minha mãe me dirige um olhar enviesado.
  — Estou tentando acreditar que ele tinha razões pra fazer isso e não por seu pai simplesmente existir.
  Minhas palavras soam frias e cortantes:
  — Se lembre que as razões dele levaram à morte do meu pai.
  Ela olha para mim e se volta para o irmão.
  — Leva a gente pra casa, por favor.
  — Mari, ajuda a segurar um braço de Luana.
  Minha mãe levanta devagar, os olhos estreitos por alguma dor.
  — Estou bem. Consigo andar.
  — Consegue mesmo? — Meu tio questiona.
  Ela assente veemente e saímos da delegacia. A imprensa volta a se amontoar ao redor, perguntando diversos detalhes do caso.
  Tio Cláudio faz um esforço empurrando os repórteres para longe e dispensando as perguntas. Eles insistem até chegarmos ao carro quando policiais se juntam a nós.
  Minha mãe cutuca o irmão.
  — Eles não vão parar até conseguir algo. Precisa ir lá, Mari fica aqui comigo. Só diga o sentimento, sem dar mais detalhes. Deixe pensarem que tá resolvido por enquanto.
  O homem alterna o olhar entre nós duas e o amontoado, por fim assente e nos deixa sozinha para ir falar com a imprensa.
  — Mexer com família é coisa séria — diz minha mãe.
  Mantenho a atenção presa no aglomerado enfiando microfones no rosto do meu tio.
  — Seu amigo entende isso.
  — Ele não é meu amigo.
  — Seu amigo viu sua revolta e luto. Ele pode adorar o tio, mas também estar mais magoado e arrependido do que o próprio Elvis. — Aperto os dentes. — Ele se culpa por tudo o que a própria família nos causou e se sentiu sujo por isso. Pode não o considerar seu amigo, mas num momento Rodrigo chegou a ser e o sentimento era recíproco.
  — Bastava dizer tudo o que sabia, eu entenderia.
  Minha mãe se vira no assento e me encara.
  — Entenderia mesmo?
  Meu tio retorna e me poupa de uma resposta.

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