Capítulo 11

32 4 0
                                    

  Meu sorriso abre e some para brilhar de novo.
  Sinto as pernas virando papel.
  — Oficializar?
  Ele dá um aceno e apoia uma palma no meu joelho.
  — Ia acontecer uma hora ou outra, porque adiar mais se já é real? Tenho certeza do que sinto e sei que tu também. — Seus dedos contraem de leve e confirmo com a cabeça. Coloco a mão sobre a dele. — Quero voltar te chamar de minha namorada, postar mil fotos, trocar status de relacionamentos...
  Ronco uma risada e coloco mechas esvoaçantes do meu cabelo atrás da orelha.
  — Que brega.
  Ele devolve o sorriso e se inclina para perto.
  — Quero tudo isso, você não?
  Afirmo veemente e salto para um abraço, passando os braços ao redor de seu pescoço.
  Sempre quis que Miguel fosse parte de meu futuro e vendo o que aconteceu com meus pais, não queria perder um segundo a mais.
  — Eu amo tanto você...
  Ele devolve a declaração e me aperta contra seu corpo.
  Cutuco-o.
  — Pode gritar pro mundo agora se quiser.
  Me acomodo de volta na canga e recebo o beijo na bochecha que vai para o cantinho da boca e depois direto sobre ela.
  Enterro uma mão nos cabelos macios e pressiono o peito esquerdo dele com a outra. Seus batimentos batiam a mil por hora ou talvez estivessem combinados com os meus.
  Nos separamos para tomar fôlego e encosto a testa na dele.
  — Preferia ter mais de Ana e não cair na rede assim tão fácil.
  Estremeço de leve, tanto pelo som da sua risada quanto pelo roçar de dedos afastando as mechas teimosas do meu rosto.
  — Seria uma tortura pra mim.
  Trocamos mais carícias até eu me ajeitar e puxá-lo de volta ao meu colo.
  Miguel fecha os olhos quando inicio um cafuné.
  Tento trançar o cabelo terminando com fios que se desfazem rapidamente.
  Desisti e sigo apenas penteando as madeixas com os dedos.
  — Por que cortou o cabelo? — pergunto tentando conter a frustração. — Era tão lindo... não que agora esteja feio, não tá.
  — Yasmin deu a ideia e achei que pudesse ser legal. Mas se era lindo, posso tentar voltar.
  Nego com a cabeça.
  — Fica bonito de qualquer jeito. Só escolha o que te faz se sentir melhor.
  Uma breve pausa se faz enquanto encaramos um ao outro sem dizer nada. Ele sorrindo para mim e eu devolvendo o gesto.
  — Como me arrependo de ter te deixado.
  Inclino o corpo para depositar outro beijo na boca macia.
  Levanto o olhar para o mar e encaro o horizonte, não era possível ver um traço dos arrecifes na maré-cheia.
  Lembro dos muitos planos que fizemos para chegar ao momento da minha partida e ele me deixar.
  Foram meses até entender que não valia a pena ficar chorando por ele.
  Eu deveria estar seguindo os conselhos de Ana e jurando não me deixar levar tanto pelas palavras de Miguel. Mas...
  Abaixo o olhar.
  Todos erravam e ele voltou, não? Às vezes era fácil encontrar uma razão na vontade dele de terminar.
  Miguel poderia ter pensado que o namoro me privaria de curtir o intercâmbio, no entanto não me conhecia o suficiente para saber que jamais pensei nesse tipo de curtição lá.
  Os gringos mal tinham me chamado a atenção.
  Você não deveria se preocupar com isso, Mari, ele está aí e parte da vida vai voltar aos eixos. Literalmente, se declararam um para o outro minutos antes. Agradeça por essa certeza.
  — Mi, eu te quero até o fim. — Os olhos avelã se prendem nos meus. — Não pense que eu possa preferir curtir minha vida a ficar com você. Quero estar do seu lado.
  Seguir os passos dos meus pais e tudo o mais. Guardo os planos para não assustar o rapaz.
  Ele aperta a minha mãe que repousava em seu peito e pisca demoradamente.
  — Pois a partir de hoje, tu que vai decidir quando vai ser o fim.
  Por mais que me doesse uma pitada dizer, me atrevi:
  — Então, até que a morte nos separe.

  Decidimos retornar para minha casa quando o céu já havia escurecido. Uma lua crescente e amarelada subia os céus acima do mar e seu brilho derretia nas águas.
  — Acha que eles já foram? — Miguel indaga.
  — Tô tentando descobrir. — Digo ao mesmo tempo que envio uma mensagem para mainha perguntando exatamente aquilo. Levanto o olhar. — Vai ficar pra jantar com a gente?
  — Pode ser.
  Meu celular apita, mas a mensagem que recebo não é a resposta da minha mãe.
  Na verdade, era a de alguém que eu esperava há horas.
  Rodrigo.
  Tô passando por problemas familiares.
  Franzo o cenho e começo a digitar uma resposta.
  — O que ela disse?
  Abano a mão, pedindo a ele para esperar um segundo. Miguel trata de amarrar a canga na alça da bolsa.
  Tu tava aqui quando precisei, eu realmente não vou medir esforços pra te ajudar se preciso.
  Ele visualiza e começa a digitar, depois parar. Fica nessa por tanto tempo que dá tempo de minha mãe responder.
  Já foram faz um tempinho. Glória tá arretada porque tinha preparado a janta e não ficaram.
  Pego a bolsa das mãos de Miguel quando a estende e pendurou no ombro.
  Tô levando Miguel.
  Vou avisar a ela.
  Ainda checo a conversa com Rodrigo, mas ele parou de digitar e não voltou mais.
  Jogo o celular na bolsa, tentando conter a frustração.
  — Podendo ser ou não, você vai comer lá em casa — defino. — Glória fez muita comida à toa.
  — Bichinha... — lamenta batendo a areia dos chinelos.
  Faço o mesmo com minhas sandálias e caminhamos de volta ao calçadão, papeando sobre o jantar.
  Minutos mais tarde, tínhamos lavando pés e mãos para saborear pratos de cuscuz recheado.
  Estava divino.
  Eu mantinha um ouvido na conversa, a comida na boca e um olho no celular.
  — Finalmente decidiram voltar pra mesma página?
  Confirmo com um menear e um sorriso brilhante.
  — Mais um dia separados e levaria todo mundo à loucura.
  Rio baixo.
  — Mas é como tu disse. Só faltava oficializar, de resto tava tudo certo.
  Minha mãe acena com aprovação.
  — Que bom que tem dado certo, então.
  — A gente já pode voltar a jogar videogame, então? — Gui indaga.
  Arregalo os olhos, alternando o olhar entre todos na mesa.
  Miguel engasga com a risada.
  — Ninguém nunca proibiu isso!
  — É, mas Miguel nunca veio depois que vocês acabaram.
  Guilherme não havia mentido.
  — Ai, Deus... — troco um olhar com meu namorado e assinto. — Óbvio que sim, Gui.
  Solto o garfo quando meu celular apita.
  Vejo o autor da mensagem e me dirijo à mainha:
  — É importante.
  Ela só assente e continua a conversar com o genro. O rapaz só me dirige um olhar curioso antes de se concentrar na sogra.
  Leio a mensagem de Rodrigo, estranhamente curta para quem tinha começado a escrever muito mais cedo.
  — Eu também senti falta de jantar com vocês — Miguel alega.
  Valeu, mas não preciso de ajuda.
  — Mentiroso — resmungo.
  — Mari? — minha mãe chama.
  Ergo o olhar envergonhada. Todos me encaravam e Miguel certamente pensava que eu me referia a ele.
  Abro um sorriso amarelo.
  — Eu não tava falando de você, Mi. — Relanceio o celular no colo e volto a comer. — Mas, e aí? Do que você sentiu falta?
  — Jantar com a gente — minha mãe explica. — É bom ter mais alguém preenchendo a mesa.
  — Se a senhora quiser, venho todo dia pra isso.
  Minha mãe ri.
  — Não precisa, menino. Seria um prazer te receber todo dia, mas não se sinta obrigado. Estamos bem.
  Concordo com um aceno e foco em limpar o prato para sair da mesa.
  A conversa entra por um ouvido e sai pelo outro. Economia e legislação, a administração da empresa depois que meu pai partiu.
  Eu só pensava numa forma de arrancar informações de Rodrigo para ajudá-lo.
  Assim que acabo de comer, empurro o prato e levanto da cadeira.
  — Mariana, espera teu corpo digerir a comida — minha mãe pede.
  — Preciso fazer uma ligação.
  — Aconteceu alguma coisa? — pergunta estranhando toda a pressa.
  — Nada, só não vou conseguir dormir se não alimentar a alma com fofoca — concluo para deixá-la despreocupada.
  Vou para uma parte remota do jardim e ligo para Rodrigo, insistindo a cada chamada recusada.
  — Ah, mas você vai me atender. Nem que eu vá...
  Rodrigo aceita a ligação.
  — O que você quer?
  — Pare de mentir pra mim — exijo. — Se acha mesmo que vou aceitar esse papinho de não precisar de ajuda...
  — Eu não quer...
  — Escuta, claro que você não teria como achar qualquer responsável pela morte do meu pai, mas pelo menos tava lá e me incentivando a continuar. Posso não te levar à solução, você nem precisa me contar o que é, só quero que deixe eu estar do seu lado pra ajudar como for.
  A ligação fica tão quieta que checo a tela para ver se Rodrigo havia desligado o microfone ou a internet parado de funcionar.
  Tudo normal.
  Prossigo com mais calma.
  — Te considero tanto que você devia se orgulhar por conseguir isso em pouquíssimo tempo. — Mais silêncio, lanço um olhar para a casa. — Eu poderia estar dentro de casa, acolhendo meu namorado, mas tô no meio do jardim tentando te chantagear de mil formas e esperando uma resposta. É tudo o que preciso, Rodrigo. — Limpo um fiapo de lágrima que se acumula no canto do olho. — Um sinal de vida seu, é meu único amigo do momento e pode parecer que tô bem, mas não tá nada legal. Esse silêncio tá me deixando louca, só preciso que...
  Seu tom soa divertido.
  — Tá namorando?
  Abro um sorriso.
  — Voltei com Miguel. — Sumo com o sorriso e fecho a cara. — Não mude de assunto.
  Ouço o seu pesado exalar.
  — Já disse tudo o que precisava, Mariana. São problemas familiares, vou passar dessa, não precisa carregar mais peso do que já tem.
  Uma risada incrédula.
  — Vocês, garotos e essas ideias doidas de pensar que sabem o que a gente precisa. — Estalo a língua. — Seja o que for, pelo menos me responde. Há dias tento contato e tá mais fácil alcançar o Japão do que você. Por que é tão difícil lembrar de mim?
  — Acredite, não é nem um pouco. — Crispo os lábios. — Mas tô falando: não preciso de...
  — Tá me fazendo sentir inútil.
  — Mas eu não tô pedindo sua ajuda, Mariana, você que tá insistindo. Tire da cabeça essa ideia de saber o que eu preciso.
  Vejo Miguel se aproximar e diminuo o tom.
  — O problema é que sinto isso, a mentira ou omissão em suas respostas. Isso machuca. — A linha fica calada e desisto da discussão quando Miguel chega mais perto. — Encerramos aqui, então. Quando precisar de mim, me procura.
  Desligo a chamada com certa brutalidade e enfio o aparelho no bolso do short.
  — Conversa difícil?
  Cruzo os braços.
  — Poderia ter sido mais fácil se as pessoas fossem mais abertas.
  Volto a caminhar na direção de casa. Miguel me alcança e toca meu braço.
  Dou meia-volta.
  — Qual o problema?
  Contraio os lábios e olho para o chão.
  — Falta de comunicação.
  — Daquele boy?
  Levanto o olhar e assinto devagar.
  Miguel dá um passo para perto e roça as costas de uma mão contra a bochecha. Com a outra, pega a minha. Ergo nossos dedos entrelaçados.
  — Ele cometeu o erro de jogar fora uma pessoa linda dessas. — Um pequeno sorriso brilha em seu rosto conforme passa um braço ao redor da cintura. — Faltou minhas lições e agora perdeu.
  Dou risada e viro o rosto quando se inclina para me beijar. Sua boca encontra minha bochecha.
  Ele desiste da investida e solta meu corpo.
  — Preciso ir antes que fique tarde — declara. — Se quiser que eu tenha uma conversinha com esse cara...
  Reviro os olhos.
  — Pare de bancar o machão. Não combina contigo. — Inclino a cabeça de lado, sorrindo simpaticamente. — Minhas amizades são problema meu, lembra?
  Miguel confirma com um menear e se encosta nossos lábios rapidamente.
  — A gente se fala pelo Whats.
  Seguro sua mão e puxo o rapaz num abraço apertado.
  — Tchau, Mi.
  Esperava que a conversa com ele tivesse o poder de me acalmar, mas a madrugada começou a virar e eu ainda estava acordada no escuro do quarto tentando compreender a discussão com Rodrigo para descobrir o que tinha causado a mudança de comportamento.
  Viro para um lado e o outro. Senti como se tivesse dado um cochilo de meia hora quando bateram na porta do meu quarto.
  — Mari? — minha mãe chama. Levanto a cabeça o máximo que consigo, desnorteada. — Vou sair com Claudio, quer ficar na casa de Ana enquanto a gente tá fora?
  Olho o telefone.
  — Ela não tem aula hoje?
  Noto o balançar de sua cabeça.
  — Passou mal a noite inteira.
  Faço careta. Devia ter bebido para caramba em alguma noitada com amigos.
  Há tempos não ia para uma, voltara do intercâmbio esperando ter a oportunidade, mas a vontade tinha morrido.
  Afasto o edredom.
  — Vou me arrumar pra ir.
  Horas mais tarde eu tinha forçado um chá de boldo para dentro de Ana e ajeitara um travesseiro para que deitasse com a barriga sobre ele.
  Minha prima soltava um som agonizante intercalado com resmungos.
  — Nunca mais... — viro para ela de onde paro na porta.
  — Nunca mais o quê?
  — Vou comer fritura igual ontem.
  Dou risada e saio do quarto para ir buscar o pratinhos de comida que a funcionária deles havia preparado.
  — Maaaaari — respondo ao chamado em forma de choramingo enquanto luto para não derramar a comida no corredor. — Pega o óleo de hortelã na rack.
  Empurro a porta com o ombro e adentro o quarto.
  — Come primeiro.
  Ana reluta.
  — Vou vomitar se...
  — Vai ficar enjoada igual se não comer. Aos pouquinhos, não precisa ir tudo de uma vez. O chá ainda tá fazendo efeito. — Ela senta ainda agarrada ao travesseiro. — Quer que eu faça aviãozinho?
  Minha prima recusa de imediato e aceita o copo de suco de laranja, bebendo devagar. Seu apetite se abre mais e ela come algumas rodelas de banana.
  — Só faltava ter feito um rostinho — zombo da banana partida e aperto a bochecha de Ana. — Termina aí, vou pegar o óleo.
  Deslizo para fora da cama.
  — Tá na gaveta da direita, dentro de uma caixinha. Hortelã-pimenta.
  Vou à sala e me agacho diante da rack cheia de lembrancinhas de viagens. Algumas das quais nós tínhamos ido também.
  Os planos para novas viagens em grupo não haviam acabado até meu pai falecer.
  Abro a gaveta e encaro a caixa cheia de frascos com óleos essenciais.
  — Minha nossa Senhora — solto e começo a verificar vidrinho por vidrinho.
  E tia Rosa bem que havia tentado arrastar mainha para a vida de testemunha de óleos.
  O problema era que Luana Bragança já era a louca dos chás e frutas.
  Era de surpreender que soubessem as funções de cada óleo e eu tinha de admitir, o apartamento dos meus tios era de longe o mais cheiroso que eu havia entrado em toda a minha vida.
  Encontro o frasco correto e fecho a gaveta voltando ao quarto. Passo direto para o vaporizador na mesa de cabeceira.
  — Vai precisar me ensinar como usar essa coisa.
  Ela dita o procedimento e sigo sem muita dúvida. Levo a louça suja para a cozinha ao terminar e retorno para me deitar com Ana.
  Sintonizo a televisão num canal de amenidades e abraço minha prima.
  Junto ao vaporizador seu celular notifica mensagens sem parar.
  Ana solta um ruído emburrado, pego o celular no lugar e leio as mensagens em voz alta.
  — "Dé" mandou... — tomo um momento para não mangar do apelido seguido de coração no contato. — Tás melhor? Conseguiu dormir? Posso ir cuidar do meu bebê? — Faço uma pausa e narro: — Carinhas de cachorrinho sem dono.
  Ela bate uma almofada da cama em mim.
  — Para com isso.
  — O que respondo? — Indago e continuo antes que possa responder, abrindo a conversa. — Deixa já sei. — Recinto a mensagem enquanto dígito. — Dava pra vir, mas minha prima tá aqui, hmmm... — faço uma pausa para pensar — aliás, vem, ela já vai embora. Carinha sugestiva, carinha sugestiva, carinha sugesti...
  — Mariana! — Ela senta com uma careta de dor e aperta a barriga, estendendo a outra mão. — Tu não vai pra canto nenhum e André não passa daquela porta.
  Apago a mensagem e entrego o celular. Apoio o queixo na mão.
  — Qual o problema com ele?
  — O problema sou eu passando mal.
  Bufo alto.
  — Até parece que só você vomita.
  Ela cai de cara no travesseiro.
  — Isso é humilhante. — Seus dedos empurram o celular de volta para mim e ouço a voz abafada pedir: — Diz que tô bem e descansando.
  Pego o celular e inclino a cabeça de lado.
  — Posso dizer que sou eu?
  — Tanto faz.
  Inicio uma mensagem de voz e aproximo o microfone do rosto.
  — Bom dia. Sou médica de Ana Bragança — seguro o riso quando minha prima vira o rosto para mim, lábios retorcidos e olhos estreitos. — A paciente precisou passar por uma cirurgia para reparar as paredes do esôfago e agora tá despertando dos efeitos analgési...
  — Só diz que eu tô bem, tabacuda.
  Rio e envio o primeiro áudio.
  Encaro-a de forma jocosa.
  — Como eu chamo? André? Dé? spertar de amor?
  — Me dá essa droga — resmunga e apalpa cama em busca do aparelho que continua em minhas mãos.
  Começo outro áudio.
  — Ana pediu pra avisar que está tão bem que nem pode enviar um áudio ainda. Tô brincando, ela vai ficar, tá se cuidando. Mais tarde vocês se falam.
  Finalizo a mensagem de voz e largo o telefone sobre a mesa de cabeceira.
  — Valeu... — recosto na parede e fixo o olhar na televisão. — Como vão seus problemas com garotos?
  Solto o ar.
  — Ele tá tão estranho. Não sei o que aconteceu.
  — Combinamos de passar longe do assunto Miguel.
  Encaro suas costas, franzindo o cenho.
  — Não é Miguel. É Rodrigo.
  A cabeça de Ana levanta de imediato.
  — Quem? — Ela se senta. — O gigante tá acordando? Finalmente?
  — Meu relacionamento com Mi, sim, o gigante reatou.
  — Ah — solta com desânimo.
  Contraio os lábios e cruzo os braços.
  — Liguei pra Rodrigo ontem de noite. Sei que tá passando por problemas familiares, segundo ele mesmo e eu queria ajudar de alguma forma... sem me intrometer, só estar ali por ele. Animar, fazer o que tiver no meu alcance, igual...
  — Ué e o que te impede?
  — Ele. — Ela volta o rosto para mim me olhando de um jeito que perguntava "como assim?". Continuo: — Disse que tava tudo bem e não precisava de ajuda, que era mais peso do que eu precisava carregar e...
  — E se ele tiver razão? — Meu semblante expressa a incredulidade. — Tu tá passando por muita coisa agora, Mari e sabe que num tá nem um pouquinho bem. — Ana indica o pouco entre o polegar e o indicador. — Esse problema dele pode ser algo normal já, que ele saiba lidar. Sei lá, briga dos pais ou ele contra os pais.
  — Ele só tem madrasta — interrompo.
  Ana dá de ombros.
  — Tanto faz. Esse boy deve estar de boa, só precisa de uns dias pra resolver a vida e pronto.
  — Já fazem dias.
  Ela faz uma pausa.
  — Não tira o fato que você tá com a vida cheia e não precisa de mais. Seja grata que nem todo mundo tem esse tipo de filtro e derrama tudo de ruim sobre os outros sem pensar que a vida deles tá tão ruim quanto.
  Abaixo o rosto.
  — Eu faço isso contigo?
  Ana suspira.
  — Não, não faz. E quem sabe, ele também sinta desconforto em falar sobre seus problemas com conhecidos.
  Uma ideia me surge.
  — E se for mesmo algo normal pra ele? Acha que os outros amigos já viram e sabem como agir?
  Ana me olha com cansaço.
  — Tenta. Custa uma amizade se intrometer na vida alheia, por que não se joga na ideia?
  Abro um sorriso retorcido.
  — Ele não seria tão ranzinza assim. Vou falar com Ellen, preciso conversar com ela de todo jeito.
  Ela volta a se deitar.
  — Você que sabe.
  Deito colada nela e afasto os cabelos do seu rosto.
  — Tá melhorando?
  Ela balança a cabeça de leve, murmurando uma resposta afirmativa. Aperto-a num abraço.
  — Quero conhecer esse André — decido.
  — Assim que me apresentar Rodrigo.
  — Se eu importar para ele até lá, em breve.
  — Para de drama.
  Rio baixinho e nos silenciamos ao mesmo tempo.
  Deslizo para longe dela quando percebo sua respiração lenta e pego meu celular dentro da bolsa.
  Procuro a conversa com Ellen.
  Amiga, tem conversado com Rodrigo?
  Nenhum sinal da jovem. Deixo o aparelho de lado, enquanto verifico o que está passando nos outros canais. Nenhum filme ou programa me chama a atenção e continuo no mesmo sobre reformas. Ana adorava assistir aquele tipo de programa.
  Meu celular apita, mas não é a resposta de Ellen que chega.
  Bom dia, meu amor.
  Sorrio com a mensagem de Miguel e devolvo o desejo rapidamente.
  Hoje tô de babá de Ana. Ela andou comendo besteira na noite passada.
  Ele me envia emojis de encrenca.
  Já vi que não será um dia fácil pra tu. Quer pegar um cineminha esses dias? Tô doido pra ver velozes e furiosos.
  Pondero sobre o convite.
  Acerta a data e a gente vai.
  Carinhas de comemoração sobem na tela e não seguro o sorriso.
  Outra mensagem chega. De Ellen, corro para nossa conversa.
  Tenho, por quê?
  Mordo a boca.
  Ele deu uma sumida, achei que tivesse morrido.
  A jovem começa a digitar e leva um minuto para sua mensagem chegar.
  Sumida? Ele tava me perseguindo esses dias todos pra reclamar da série que recomendei.
  Pisco devagar. O problema era comigo?
  Eita, já deixa o nome aí pra eu não assistir. Vou falar com ele. Alguma notícia das visitas nos hospitais ou Neno?
  Não reconheço a série que ela manda o nome.
  A gente ainda tá vendo dias pra se reunir e preparar tudo, mas Jana já tem um roteiro começado. Vai ser tudo a gente, Neno tem outros projetos pra trabalhar.
  Estalo a língua.
  Ok. Qualquer coisa avisa.
  Ignoro sua última mensagem e busco o chat com Rodrigo.
  Encaro em silêncio a última conversa.
  Valeu, mas não preciso de ajuda.
  Talvez eu estivesse sendo mesmo inconveniente em insistir.
  Eu disse para ele me procurar quando precisasse, mas duvidava que o faria.
  — Cadê você, cadê você... — murmuro para mim mesma.
  O vazio me responde e apago a tela do celular.
  Se ele tinha tempo para Ellen e não para puxar papo comigo, assim deixaria. Eu tinha uma vida a tocar, um namorado e família para amar, um assassino para torcer pela captura e não devia perder tempo com alguém que não estava nem aí.
  Por mais que doesse pensar que num dia estávamos tão amigos e no outro meros conhecidos.
  Nunca achei que fosse ter e perder uma amizade em tempo recorde como aquela.
  Esperava que fosse a primeira e última.

DestinadosOnde histórias criam vida. Descubra agora