Capítulo 1

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Um girassol

Hospital Obstétrico de Copacabana - Rio de Janeiro, 2020.

O novo presidente do Brasil inaugurou múltiplos hospitais em cada estado do país para gestantes. A desculpa que ele apresentava era que com isso, a qualidade de vida dessas gestantes e de suas crianças aumentaria. O aborto seguro era também um tratamento especial desses hospitais, sendo um dos temas mais discutidos em protestos, rádios, programas de televisão e em algumas igrejas.

Contra o aborto e pouco religiosa, Dona Rosane, mesmo depois de ser largada quando ficou grávida, optou por conceber o bebê. Não por falta de dinheiro, pois Rosane era filha de um dos mais aclamados Major do Brasil, mas por opção. Quando Rosane chegou no hospital para fazer seu pré-natal, recebeu uma oferta para participar de um novo projeto. Disseram-na que faria parte de um experimento. Um experimento que contaria com a ajuda de várias outras mulheres do país para testar novos anestésicos para ser usado durante o parto. Como muitas das novas mamães não podiam pagar por um tratamento de qualidade, o presidente propôs que em troca de um bom parto elas deveriam aceitar fazer parte desse teste. Além de um parto de qualidade, as mamães ganhariam um acompanhamento médico grátis até o primeiro ano de vida de suas crianças. Agora, imagino que vocês devem estar se perguntando: E Rosane, o que fazia no meio de tudo isso?

O noivo de Rosane era um marinheiro, um grande mergulhor, porém, um dos defeitos dele era ser paquerador, mas Rosane fechava os olhos para isso. Os olhos de seu talentoso noivo não eram só bons para encontrar relíquias e tesouros nas profundezas do oceano, seu olhar explorava toda a cidade perseguindo todos os exemplares de mulheres. Em 2020, quando havia começado o projeto das gestantes, e por um simples acaso foi o mesmo ano em Rosane entrou em "estado interessante", como uma vez disse a Imperatriz Leopoldina, o Jovem Leonel abandonou a senhorita Rosane assim que notou sua silhueta mudar. Forjou a desculpa de uma viagem de trabalho que levaria meses fora no mar. Cartas eram mandadas por ele no começo. Mas Rosane, após ficar 3 meses sem receber qualquer notícia de seu noivo, notou que já havia o perdido. Sua situação financeira estava uma ruína, foi despedida da empresa que trabalhava como gerente. Rosane pega o telefone e liga para seu pai, o Major Almeida.

- Papai, estou precisando de ajuda.

Inacreditável, ao receber a notícia e o pedido de ajuda, o senhor Almeida se entristeceu e se recusou a ajudá-la. Ele disse para Rosane esquece-lo como pai e que daquele dia em diante, não receberia mais sua mesada de 5 mil reais. Com a ausência de sua última fonte de esperança, com a perda do seu único emprego e o desaparecimento repentino de seu noivo, ela ficou a deriva, "a ver navios".

Para o seu próprio bem, sua casa era própria, e por tal motivo, pagar o aluguel era um problema a menos com o que se preocupar. A sua única e maior preocupação era criar e cuidar de uma bebê e sustentá-lo. Rosane começou trabalhos temporários, e graças ao seu diploma em informática, conseguiu um emprego perto de sua casa. O salário que ganhava no supermercado não era de grande quantidade, não chegava nem perto dos rios de dinheiro que ganhava no seu último emprego, mas era o suficiente para se manter e pagar os impostos, a crise no país ainda não havia se diluído por completo e o desemprego ainda er era um problema, qualquer emprego era melhor que nenhum. Seu quarto mês de gestação estava próximo, Rosane se encontrava sentada em uma praça da qual não se lembrava o nome, tomando um sorvete de casquinha e sujando sua calça jardineira, ali mesmo naquele momento ela notou um post colado a um poste: '''MAMÃES DE TODO O BRASIL, SE INSCREVAM NOS POSTOS DE SAÚDE MAIS PRÓXIMOS DE SUA CASA OU ATÉ MESMO EM NOSSO SITE PARA O MELHOR PROJETO DO SÉCULO, PRÓ VIDA PARA O BRASIL, CORRAM, AS INSCRIÇÕES SÃO POR TEMPO LIMITADO'''. Logo abaixo havia uma imagem de uma gestante com sua barriga assustadoramente enorme, e escrito em negrito no canto inferior do post estava o site. Rosane logo agarrou seu celular nos dedos e visitou o site. Ela se inscreveu para fazer parte do programa e para ser usada no teste das novas morfinas. Vinte anos de idade e nunca teve a experiência de ter um filho, pensava que qualquer medicamento que a fizesse não sentir tanta dor na hora do parto era muito bem aceito.
Com o passar dos tempos, Rosane aceitou o fato de que agora ela teria que viver humildemente na sua nova vidinha pacata. Conheceu seus vizinhos, leu livros que comprava na promoção das lojas online das editoras mais famosas e ouvia seus CDS musicais enquanto limpava a casa sozinha, sem a ajuda de sua antiga empregada. Alguns meses se passaram, faltava apenas mais um mês para o nascimento de seu filho quando ela recebeu uma ligação.

- Alô, boa tarde. Gostaria de falar com Rosane Almeida Gonçalves, por gentileza. - disse a agente de com uma simpatia duvidosa.

- É ela mesma, quem deseja? - disse Rosane, do jeito mais simpático possível, pois sua personalidade transbordava simpatia.

- Aqui é do HNO (Hospital Nacional de Obstetrícia) de Copacabana. Doutor geral Daniel Peixoto pede-lhe que compareça até o fim da semana ao hospital para que seja feita a internação da senhora para dar início aos procedimentos da aplicação das novas drogas.

- Que estranho, achava que fariam as aplicações durante o parto.

- Errado, senhora. Assim como os testes, esse procedimento pode ser extensivo, logo, não podem ser aplicados durante a adrenalina do parto.

- Sim, entendo.

- Quando estiver pronta, antes do fim da semana, procure a recepcionista no primeiro andar. Lá você entregará seus documentos, que são: identidade, CPF, o número do prontuário e o número de seu quarto que é o 5587. Os enfermeiros farão a internação imediatamente. Tenha uma ótima tarde!

O pensamento de desistir dessa promoção que o governo ofereceu passava a toda velocidade na cabeça de Rosane, mas sua inscrição no HNO foi feita a meses, voltar atrás não era mais uma opção viável. E também não teria condições de cuidar de sua criança depois do nascimento. Chegando ao hospital, falou com a recepcionista, tentando não se esquecer do número de seu quarto.

Depois que a encaminharam para o 5587, os enfermeiros a pesaram, mediram sua pressão e batimentos cardíacos, fizeram exame de sangue e por fim a deitaram. Seu corpo estava repleto de agulhas fininhas, e com um senso de humor bem aflorado ela pensou: "estou fazendo acupuntura". Os enfermeiros fecharam todas as janelas, a sala ficou iluminada pelas pequenas luzes decorativas e confortáveis que haviam no recinto. Começaram a aplicar um soro verde, e logo após outra agulha foi posta em seu braço direito. Colocaram uma máscara de nebulização em seu rosto. O soro corria por suas veias e Rosane começava a entrar em estado de sono graças ao nebulizador. Com muito sono mas ainda pouco consciente, Rosane conseguia enxergar o lado esquerdo da sala. Havia ali um criado mudo, e encima dele um jarro de vidro num formato tradicional, um pouco mais robusto na parte de baixo e fino na parte superior com bordas abertas. Dentro do jarro, havia um vivo e brilhante girassol.

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