18 de dezembro de 1988, 23h46
Adria dormia um sono profundo quando a maçaneta do quarto da camareira girou. Os passos que foram dados até a cama onde dormia a mulher foram sorrateiros, silenciosos. Ela estava alheia à situação, talvez estivesse sonhando com Idália ou com o filho Anderson, já que arqueava levemente os lábios num sorriso. Mal sabia quem a espreitava.
Ele a olhava dos pés à cabeça, mas demorava-se nas partes de seu corpo que estavam mais à mostra. Não se usavam cobertores nessa época do ano, especialmente em um quartinho precariamente arejado. O homem tocou nos dedos da mão de Adria, percorrendo toda a extensão do braço, demorando-se nos ombros. Sentou na cama, agora acariciando as coxas. Quando tentou avançar para debaixo da camisola da mulher, ela acordou assustada.
– Seu Altamir?
O homem colocou o dedo indicador sobre os lábios, pedindo silêncio. Adria estava aterrorizada. Fez menção de gritar, mas Altamir se apressou para tampar-lhe a boca. Ela arregalou os olhos.
– Não quero te machucar. É só você ficar quietinha, não vai demorar muito. Ninguém vai saber o que aconteceu aqui esta noite. Mas fique quieta, está bem? Nem um pio.
Adria se debateu, tentou argumentar, mas o velho apertou seu maxilar com uma força descomunal. A outra mão estava envolta do seu pescoço, pronta para agredi-la. Ela cedeu.
– Não vou te machucar, meu amorzinho.
Adria chorou. Chorou do início ao fim, repudiou aquele homem como fez com Baltazar, condenou-o ao Inferno. Ele tirou-lhe a camisola, apalpou-lhe os mamilos, percorrendo as curvas do abdome até alcançar a virilha. A mulher sentia-se enojada a cada toque do velho Altamir, ao fitar seus olhos que brilhavam de modo sádico. Seu corpo inteiro tremia, tamanho o ódio que crescia dentro dela.
Ninguém irá saber o que aconteceu naquela noite, ele dissera. De fato, ninguém soube. Adria não fechou os olhos nem por um segundo sequer durante toda a madrugada. Era toda prantos e cólera. Na manhã do dia seguinte, assim que os primeiros raios de sol apontaram no horizonte, ela partiu. Levou consigo o filho, a mesma peça de roupa que havia trazido há dois meses e algumas economias que conseguiu juntar do trabalho. Na bagagem emocional, rancor e desespero. O pouco de fé que lhe restava evaporou. Naquele dia, ela não rezou, nem nos outros que se seguiram. Poderia haver um Deus no mundo, mas não para ela.
Abandonada à própriasorte mais uma vez, Adria caminhou. Os passos ávidos por percorrer longosespaços desapareceram. Ela não tinha pressa. Não sabia qual caminho seguir. Oabismo sob seus pés tornava-se profundo demais para a escalada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amiúde
Short StoryFinal dos anos 80. Resistência. Adria possuía estrelas nos olhos e alma de poeta. Sonhava com a morada nos astros cintilantes que tanto observava no céu noturno, com a coragem para compreender o mundo e com o Amor. Quando faltou-lhe coragem e o Amo...