Capítulo V

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14 de março de 1987, às 18h00

– Você vai casar sim! – O velho berrou. Suas bochechas caídas balançavam à medida que ele esbravejava, tomado pela fúria. – E isso vai ser o mais breve possível! Moça direita tem que casar, não ficar de namorico no meio da rua.

Adria ouvia calada o sermão do pai. Detestava todos os seus pensamentos e seu jeito sórdido de impor as coisas para as mulheres da casa. Eram em três. Adria, sua mãe e a irmã, Aurélia.

Aurélia alegava ser professora, mas ninguém a via dando aulas. Mal saía de casa. Estava perto dos trinta e cinco anos e era solteira. O pai sempre a condenava, chamando-a encalhada, velha demais para satisfazer os prazeres de um homem. A filha, entretanto, vivia em suas páginas amareladas, lendo e escrevendo histórias, embriagando-se com o cheiro dos livros. Era moderna demais para sua época, sua mãe dizia, desde pequena foi assim. Adria foi educada por ela, uma vez que não teve a oportunidade de frequentar uma escola. Desse modo, para ela, Aurélia era mãe, não apenas irmã.

– Ou quer acabar como sua irmã? – O senhor Nunes apontou o dedo enrugado para a filha solteira. – Velha, feia e encalhada. Hein?

Aurélia riu baixinho, debochando da acusação do pai, mas foi repreendida por dona Isabel, que também permanecia calada durante a discussão.

– Desaprendeu a falar, menina? – Gritou o velho. Segurou com força o punho de Adria e o sacudiu com força. Ela choramingou um pouco, envergonhada e enraivecida. – Responda!

Adria soluçou. Pediu ajuda à mãe, mas esta desviou o olhar. Aurélia, ela sabia, não possuía moral para responder o senhor Diógenes Nunes.

– Farei o que me pede, papai.

– Fale mais alto!

– Eu casarei. – Dessa vez, ela quase gritou. O pai soltou seu punho e saiu da sala inflando o peito, satisfeito. Adria caiu em prantos nos braços da irmã, afundando a cabeça em seu peito.

– Ele será um bom marido. – Dona Isabel não se atreveu a tocar na filha e esta não cobrava demais de sua mãe, pois sabia que ela não tinha voz naquela casa. Sempre fora submissa ao seu esposo, sempre assumira o papel de criada, sem direito algum a objeções.

Adria esperava que as palavras da mãe se tornassem verdade, uma vez que ela estava fadada a casar tão jovem. A moça amava seu futuro esposo, Baltazar, é claro que amava, mas ela herdara de Aurélia a modernidade e o desejo de sentir-se livre para escolher o que fazer e em que momento. Entretanto, naquele instante, este poder fora dela tirado – se é que algum dia realmente o possuiu.

Ela amava o senhor Borges, de fato, mas tinha medo que seu casamento se tornasse um fiasco como o de seus pais e que ela fosse delegada a ser apenas a submissa da casa. Adria tentava acreditar com todas as suas forças que Baltazar era seu príncipe, seu homem perfeito, e que ambos viveriam submersos em flores e estrelas.

Um mês depois, elasubiria ao altar. 

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