Capítulo 3 - O Ceifador de Almas

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O dia cinza e frio que chegava em Castle Hill deixava claro os estragos feitos pela tempestade que aconteceu na madrugada, árvores centenárias caíram e semáforos pararam de funcionar. A cidade estava congestionada. Assim como os policiais estariam no apartamento de Robert quando a namorada dele entrasse no lugar e olhasse o corpo atlético e sem vida do namorado todo ensanguentado e furado. Queria ser onipresente para ver a cara dela e, provavelmente, os berros que deu ao vê-lo no chão.

     Caminhar sem rumo começava a se tornar cansativo para mim, queria voltar para casa, conversar com mamãe e resolvermos tudo civilizadamente, mas, estava com medo e intrigado com o que vinha acontecendo comigo desde então. Matar Robert era um sinal que eu não estava bem, estava fora de mim, e eu podia ser perigoso para vó e mamãe. Mas ficava imaginado como elas estavam, provavelmente enlouquecidas, com o coração apertado e pensando no pior, de fato estavam certas, o pior aconteceu comigo, ou com Robert, no caso. A imagem dos olhos castanhos escuros suplicando por piedade e o sangue dele espirrando em mim, invadiram minha mente, me deixando um pouco atordoado. Matei-o a sangue frio, pensei.

     Algo dentro de mim não estava bem, uma forte dor no estômago me fez berrar de dor, chamando a atenção das pessoas que passavam por mim. Comecei a vomitar no chão, um líquido vermelho, parecido com sangue, mas coagulado. Um casal de senhoras se aproximaram de mim, perguntando o que eu tinha, e não deu tempo de responder. Vi o rosto delas duas girando, o céu girando, o mundo girando, e senti meu corpo tornando-se leve como um papel, chocando-se contra o chão, a vista ficando embaçada e por fim, escuridão.

Acordar da escuridão foi igual sair do caminhão de lixo para o lixão. Eu sei que eu estava vivo, mas, o lugar que me colocaram era apertado, acolchoado, frio e sufocante, caso eu respirasse. Bater na tampa e gritar por socorro era inútil, mas eu tinha que sair dali de algum jeito. Continuei a esmurrar a tampa até que esta rachasse, não parei até quebrar toda a tampa e um montão de terra preta cair sobre mim. Foi nesse momento que entendi que eu havia sido enterrado vivo, ou morto, ou tanto faz, não compreendia mais nada ali: a única coisa que queria era sair daquela terra nojenta. Lutando para escavar, consegui por a mão para fora e movi meus dedos limpando a terra dos mesmos, depois a outra, e então a cabeça, em seguida, todo o corpo. Daria um grande suspiro, mas os meus pulmões pareciam estarem com defeitos.

     À noite, ao contrário da anterior, estava calma, com céu límpido e com algumas estrelas em evidência. Como era bom está na superfície novamente. O que eu mais temia quando morresse era não poder mais ver o sol nascendo, a lua iluminando os campos de Castle Hill, as flores nascendo da terra, o vento bagunçando meus cabelos... a evolução. Perder-me em meus pensamentos era fácil, principalmente quando se tratava de assuntos mais tensos, como esse. Mas, talvez eu estivesse morto mesmo, e por alguma ironia ou desejo de nunca morrer, eu tenha ganhado uma segunda chance. Pelo menos foi o que eu pensei.

     Desvincular-me dos meus pensamentos, como disse anteriormente em outras palavras, era difícil, mas, eu precisava entender como havia parado naquele túmulo. Os primeiros passos foram difíceis e lentos, mas não demorou muito para que eu estivesse fora do lar dos mortos. O cemitério Éden se localizava no centro da cidade, várias pessoas importantes de Castle Hill foram enterradas nele no passado, e eu só fui enterrado ali porque a vó tinha uma cova sobrando, senão fosse ela, mamãe me enterraria em algum campo, não tínhamos dinheiro o suficiente para comprar uma cova em um cemitério.

     Eu fingia não prestar atenção, mas, as pessoas reparando em mim já estava me incomodando. Ok, eu também repararia em um adolescente de quinze anos pálido, usando um terno e todo sujo de terra, e na pior das hipóteses, riria dele. Entretanto, era eu que estava na situação, não dava para rir, e agora entendia como as pessoas ficavam quando as outras as julgam com o olhar e cochicham, provavelmente falando mal de você.

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