Capítulo 3.1 🇺🇦

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De tempos em tempos, o que eu diria ser cerca de três semanas, caminhões chegavam para buscar os que estavam apresentando melhoras, e aqueles que mais precisavam de cuidados, tais como cirurgias. Está não era uma guerra como as grandes, por mais sofrimento que houvesse ali, ainda existia a possibilidade de "ajuda". Quantos não estariam vivos se houvesse esquemas como este nas grandes guerras mundiais? Amanhã era dia, mas tudo indicava que iríamos mudar nosso lugar, a guerra estava avançando cada vez mais, e logo todos ali estariam em perigo. Notei a falta de Lara, uma das voluntárias estrangeiras, quando adentrei a nossa tenda de repouso. Resolvi procurá-la. Ela foi uma das que ficou enquanto os grupos eram divididos, já deveria estar descansando. Caminhei, como quem não quer nada, olhando com atenção dentre as tendas. Foi quando Samir me chamou a atenção.

¹— تبحث عن شيء؟      

Franzi o cenho por nada entender, por isso nada respondi. Ele parecia bastante sorridente para quem estava com o exército quase arruinado no local onde a guerra realmente acontecia.

— Ele perguntou se esta procurando, por algo — Zayn me ajudou a traduzir. 

— Obrigada — sibilei para o mesmo, intrigada com aquela pergunta.

Samir já tinha voltado aos seus aposentos quando voltei a caminhar em direção ao local de onde ele parecia ter saído. Ele não era uma pessoa fácil de lidar, muito pelo contrário, queria todos abaixo de seus pés. Era evidente o que estava acontecendo, mas não queria acreditar. Caminhei entre os destroços até chegar a uma parede de tijolos, já era possível escutar alguns soluços.

— Ei... Eu sinto muito.

— Eu imagino que sim — apressou-se a dizer em inglês, não acreditando em minhas palavras.

— Não foi a primeira vez, não é mesmo?

Ela apenas negou com a cabeça.

— Vamos para dentro, eu vou cuidar de você.

Seus soluços se tornaram mais altos, assim como seu choro, o qual ela tentava abafar com as mãos. Ousei abraçá-la, e a acariciar seu braço com uma das mãos, tentando acalmá-la.

— Eu não posso nem me lavar. Tenho que dormir suja como uma porca — confessou com a voz carregada de nojo, de ódio, e de culpa.

— Tudo vai ficar bem — a quem eu queria enganar? Já tinha passado por isso em circunstâncias diferentes.

Levantei e estiquei a mão para que fizesse isso também. 

— Amanhã será um novo dia, vamos orar para que tudo se resolva, para que Deus ponha um fim a esta guerra.

— Deus, Deus... ele esta pouco se lixando para nós.

— Você sabe que não é verdade...

— E por que ele deixou que isso acontecesse comigo? Por que? — voltou a chorar.

— Vamos, acalme-se. Deus faz as coisas certas por linhas tortas. Se você realmente crer nele, saberá que está falando besteiras.

— É fácil falar quando você não foi obrigada a abrir as pernas para ninguém — cuspiu as palavras.

Suas palavras me atingiram em cheio. Ela estava totalmente errada sobre essa conclusão, mas não iria revelar este ocorrido. Eu guardei o fato no fundo do meu ser, e detestaria ter que revivê-lo outra vez.

Dois dias se passaram sem que eu conseguisse dormir, talvez fosse a ansiedade batendo. Troquei de turno com Lucas, para que ele fizesse companhia à voluntária Lara, já que um homem, infelizmente, apresenta mais segurança. Não havia notícias sobre o caminhão que estava para chegar. As bombas estavam cada vez mais próximas, fazendo o chão estremecer a cada uma delas. Somente à noite Samir passou o aviso de que caminhões já estavam a caminho para nos levar a um lugar mais distante e seguro. 

Iémen - Amando em tempos de guerra [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora