Capítulo 5.2 🇱🇾

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Ele ergueu o dedo para que eu tivesse paciência, como aqueles adestradores de cães.

—  Quem não podiam ultrapassar eram os homens em guerra, os feridos, ou aqueles com alguma doença que pudesse ser transferida as pessoas da cidade — eu abri a boca como quem fosse comentar, mas ele continuou, me impedindo. — Eu fui buscar água, todo aquele barulho estava me deixando inquieto. Quando cheguei ao Oásis aconteceu. Fui arremessado para dentro d'agua, por isso não tive nada sério.

—  Conta tudo — Peço, querendo entender realmente tudo o que aconteceu durante esse tempo.

—  Achei que todos estivessem mortos. Não foi uma bomba como a de Hiroshima, do contrário nem Oman estaria em pé. Com a explosão, todos os cantos desmoronaram, pessoas foram arremessadas as aguas ja mortas. Tinha sangue para todo o lado, era como se houvesse um exército de mortos vivos na terra. Pessoas sem membros — a medida em que Lucas falava, eu me arrepiava. — Pessoas com o rosto deformado, com a pele a derreter. Você teve sorte, foi uma das primeiras a ser encontrada — ele fez uma pausa — Lógico que foi a primeira depois de duas horas de espera, foi o tempo que levaram para ter certeza que o exército Árabe não atacaria aqueles que achassem estar vivos.

—  E, quando... quando vamos para casa? — toda aquela informação foi como um choque para mim, era como se eu voltasse a reviver tudo novamente, como se meu consciente me obrigasse a lembrar daquilo uma vez após a outra.

—  Calma. Eu nem disse quem foi que causou a explosão.

—  Nem precisa, já sabemos que foram os inimigos.

—  Ai que você se engana. Não foi nada mais e nada menos que Samir!

Respirei fundo absorvendo tudo aquilo, acho que é muita notícia para um dia só.

—  Vou dizer-lhe então a última, para sua pergunta não ser va. O Rei Ali vai premiar os soldados, claro, aqueles das patentes mais altas. Assim como aqueles que saíram de seus países para ajudar os outros, declarando como ele prefere paz a guerra —  ele revirou os olhos e quando me fitou percebeu que já não estava tão bem, emocionalmente. — Vou chamar sua enfermeira, não durma. Não vá em direção à luz!!!

Tudo o que consegui fazer foi assentir, mesmo que suas últimas palavras tenham soado engraçadas.

Foram administradas agulhas nas minhas veias, tanto na mão quanto no braço. Injetaram alguns líquidos no tubo dos soros e, a última coisa que me lembro de ter visto com clareza foi Zayn, usando uniforme Sunita na televisão, então tudo se tornou pontinhos claros e escuridão.

Lucas fora a única visita que recebi. Minha enfermeira era exclusivamente brasileira, para meu delírio. Ao que tudo indica, ela cuidava exclusivamente de mim, de mais ninguém. Eu estava sozinha naquele quarto hospitalar. A enfermeira, que descobri chamar-se Victoria, me disponibilizou umtabletpara que eu pudesse me comunicar com a minha família. Logueiem minhas redes sociais e busquei por meus pais. Meu e-mail continha mais de mil e seiscentas mensagens não lidas. Imaginava como deveria estar meu Whats App. Meus pais não estavam online, ainda assim enviei uma mensagem.

"É cheia de vida que venho a dizer que a guerra acabou. Eu estou com tanta saudade de vocês!!!! Não vejo a hora de poder abraçá-los e de passar o dia inteiro os olhando e admirando. Vou ser breve, pois preciso acertar algumas contas pendentes. Só quero mesmo que saibam que estou bem e com saudades. Vou logar assim que possível em busca de respostas. Amo vocês!!"

Após enviar a mensagem, procurei por notícias online.

"Os diversos confrontos ocorridos nesses um ano e oito meses leveram cerca de 80 mil pessoas à morte, sendo 78% destes, civis. Dentre os 78% estima-se que ao menos 30% foram crianças. Pelo menos 20% dessas mortes foram por asfixia devido às bombas de gás, 50% carbonizados devido aos homens bombas, e 7% morreram por consequências de doenças, mas tudo indica que toda a população estava a ser atacada por aqueles males, devido a grande quantidade de radiação no país, consequência das armas químicas.

O número de refugiados já chega a 5 milhões. (....) Além disso, 70% da população não tem acesso a água potável, uma em cada três pessoas não consegue suprir as necessidades alimentares básicas. Mais de 2 milhões de crianças não vão à escola e uma em cada cinco indivíduos vive na pobreza. Ambas as partes em conflito tiveram complicado ainda mais a situação ao recusar o acesso das agências humanitárias aos necessitados. (...) O destino daqueles soldados que perderam a guerra era bastante claro, vão tornar-se sem teto. Um a cada seis em 3 milhões de mendigos são veteranos de guerra, e menos de 10% recebem algum auxílio. Eles não causam apenas um problema econômico no país, mas principalmente psicológico. Eles foram treinados para matar, mas agora vegetam."

Mais alguns dias e tudo o que eu conseguia sentir era nojo dessas pessoas que ansiavam pela guerra, que acreditavam unicamente que aquilo era a solução para seus problemas. Eu saí diretamente do hospital para um hotel. As mídias brasileiras estavam em massa na capital em busca de notícias e flashes. Eu tinha juntado informações e pensado sobre o que faria logo a seguir. Por mais que não quisesse mais ser uma figura pública, ela me perseguia.

Através de diversas notícias, como o mesmo declarou, descobri que minha visão sobre Zayn estava longe de ser a verdadeira. Ele ocupava um cargo elevado no exército Árabe Sunita.

Hoje acontece a cerimônia de medalha de honra. Não era obrigada a ir, tão pouco queria, mas não poderia deixar Lucas e Nilza sozinhos, tão pouco negar o pedido do Rei. Nilza estava em cadeiras de rodas, mas com uma boa dose de fisioterapia voltaria a andar. No closet havia ao menos 7 vestidos. Optei pelo mais longo, de estampa tridimensional, onde as cores verde e amarelo prevaleciam. Somente após vesti-lo, notei a longa fenda que vinha da coxa até embaixo. Entre os seios havia uma tela em tom pastel, mostrando minha pele e o desenho dos lados do meu seio, as costas eram cobertas por quatro tiras, deixando boa parte dela nua. Optei por um salto agulha. As madeixas foram soltas logo que a maquiagem foi feita. Após me olhar no espelho e não me reconhecer, saí do quarto de hotel.

Ao me deparar com dois seguranças voltei a me lembrar de como era aquela vida, e de como eu não a queria. Ainda assim descemos o elevador. Chegando ao térreo vários repórteres estavam a espera e se aglomeraram ainda mais com minha presença. Saímos do hotel cercados.  

— Angélica, como foi sua experiência com a guerra...?

— É verdade que você passou fome?

— Há relatos de que você foi estuprada, é verídico?

— Angélica...

— Angélica...

— Angélica...

Meu nome era a única coisa que conseguia escutar até adentrar ao automóvel que me levaria ao Quartel General do Exército, onde aconteceria a cerimônia.

Ao chegar no local, desci do carro e subi os degraus da escadaria. Ali, a aglomeração era ainda pior. Muitos olhavam com reprovação para mim, enquanto outros com desejo e até admiração. Lá dentro, encontrei-me com Lucas e Nilza. A mesma parecia me odiar ainda mais por eu não estar em uma situação pior ou semelhante a dela, mas eu a abracei com carinho e amor, e acho que ela sentiu, pois pareceu relaxar.

— Vamos, já vai começar — disse Lucas, guiando a cadeira de Nilza, e eu o acompanhei até o nosso lugar.

O espaço era simples, mas enorme. Havia várias fileiras de cadeiras colocadas calculadamente. Todos os voluntários ficaram destinados a ocuparem as cadeiras das fileiras da frente, em cadeiras laterais, como as que padrinhos costumam ficar no altar durante uma cerimônia de casamento. Havia um palanque a frente e fileiras de cadeira ao lado esquerdo e direito. Depois que todos permaneceram sentados, seguindo a ordens do orador, os soldados começaram a marchar para seus respectivos lugares. Meus olhos cruzaram com os de Zayn, que estavam frios como um iceberg. Eles continuaram a marchar até que os soldados fossem divididos entre os lados direito e esquerdo. Logo que chegaram, o Marechal gritou:

— Sentido!

Os soldados tomaram primeiro a posição de sentido, permanecendo rígidos, com os peitos estufados, as mãos espalmadas juntas às coxas e os braços ligeiramente curvados. Entre seus pés havia uma abertura de 30°. Os olhos estão a mirar para frente, paralelamente ao chão, então ergueram a mão direita, espalmada com os dedos unidos em um ângulo de 45°, com as pontas dos dedos voltadas para a cabeça na altura da pala do gorro.

O Rei Ali chegou. Estava acompanhado de mais pessoas, provavelmente do seu comitê. Foi cantado o hino nacional, o que me fez bocejar. Ato que fez Zayn vacilar e encontrar meu olhar, mais uma vez.

Iémen - Amando em tempos de guerra [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora