VII -Dave

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Dave sabia que algo estava errado. Eram seis horas da manhã de um domingo. Ninguém deveria ser acordado tão cedo num domingo. Maria chacoalhou os filhos com uma animação assustadora, repetindo "Acordem, meninos, acordem!", como se domingo de manhã fosse legal. Dave estava confortavelmente sonolento. Sonhara mais uma vez com a menina de cabelos roxos e o pega-pega no campo verde. Era um sonho intrigante, pois nunca conseguia alcaçar a garota, mas sentia uma paz incrível quando estava lá.

-Vamos, Dave, me ajude com essa mala –ela falou.

O menino piscou algumas vezes para a luz e bocejou várias vezes antes de se pôr de pé.

-Que mala mãe? O que está fazendo? –Ele perguntou.

Na semana anterior ela e Lorena conversaram bastante sobre malas. Arrancaram grande parte das roupas do armário de Dave e arrumaram em duas malas e uma mochila. A prima saíra para trabalhar apenas alguns dias antes. Era como um ritual em família: Madalena preparava um almoço especial e abraçava e dizia palavras de incentivo para a filha. Dave desejava-lhe boa sorte, mesmo não sabendo o porquê. Naquele dia em questão ela disse ao primo:

-Não vai ser tão ruim quanto eu sei que você pensa que será. Se quer saber, tenha um motivo para voltar. Ajuda bastante.

Então ela foi embora. O menino não entendeu. Não tinha entendido até ser acordado às seis da manhã de um domingo. E não um domingo qualquer. Domingo, primeiro de Outubro, exatamente um ano após a tulipa roxa crescer no apartamento de Madalena.

-Escova de dente, meias, toalha... –A mãe pensou em voz alta. –Acho que está tudo certo, não é mesmo? Rick! Acorde a-go-ra.

-Mãe, por favor, para –ele achou que todos tinham esquecido. O ano passara muito rapidamente, e as menções ao reino de Érestha cresceram, mas ninguém falava sobre o teste. -Não vai começar essa história de novo. Por favor, estou te pedindo de verdade, por favor, pára. Sabe que isso é ridículo, sabe que não passa de um conto de fadas, eu sei que...

-Já chega! –Ela gritou e fez o filho se calar. – Chega Dave. Não é um conto de fadas. Só por quê nunca viu uma coisa não significa que ela não existe. Você vai para lá, e vai para lá hoje!

O menino se manteve calado. Não pronunciou uma palavra sequer durante o café, nem mesmo quando Rick fazia um comentário direcionado ao irmão. Tomou alguns goles de seu leite e foi para a varanda do apartamento. Ele relera a carta do pai diversas vezes. Ainda não fzia sentido para ele. De uma forma ou de outra, suas malas estavam feitas e ele estava indo para algum lugar. Seria aquela a última vez que ele veria aquele pedacinho da cidade de São Paulo? Para onde sua mãe estava realmente o levando? Ficou inalando o odor da manhã até ser envolvido por um abraço com cheiro de morango e cor de caramelo. Um abraço molhado de lágrimas.

-Por que não me disse antes? –Nicolle soluçou no pijama dele.

-Eu...não...- ele não sabia o que dizer.

Ela disse que estava brava por ficar sabendo tão encima da hora, mas ao mesmo tempo desejava-lhe boa sorte. Disse que seria uma experiência ótima e que sentiria falta dele. Disse também que o esperaria para o Natal. Ele não fazia ideia do que a mãe havia dito para a menina, mas já não importava. Um motivo para voltar? Ele pensou nas palavras da prima. Agora ele entendia o que Lorena dissera e Nicolle seria muito mais do que isso. Seria algo para manter sua sanidade, se possível. Ela era uma garota incrível, Dave sentiria sua falta. O seu jeito de ver o mundo e contar histórias, suas coleções de pedras que ela achava interessante e principalmente seus olhos castanhos e brilhantes. Eles conversaram por bastante tempo. Quando ele finalmente saiu da varanda sua mãe lhe entregou uma carta carimbada com um 'É' na cor verde.

Érestha- Castelo de Vidro [LIVRO 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora