C2- Alinhamento maldito.

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Alinhamento, ato ou efeito de pôr-se em linha reta. Vulgarmente falando, alinhar significa colocar tudo nos trilhos, deixar tudo nos eixos, preencher as lacunas que nós mesmos criamos. Depois de uma conturbada semana, finalmente era a hora do aguardado alinhamento, em fim... paz?
Porém, talvez a linha reta traçasse um caminho diferente do qual todos esperavam, talvez ela reservasse surpresas.

-Eu estou bem.-Mentia para o médico que a atendia após em fim acordar daquele desmaio, ela havia sido levada para o hospital, apesar de não se lembrar de como chegou lá.

O medico que a atendia explicou a ela tudo o que havia acontecido, e também a deixou atualizada sobre o estado da pessoa que a levara ao desmaio, acalmando-a, ninguém passava mal.

-E agora?

-Calma, está tudo bem. Vou te passar alguns medicamentos, sua cabeça deve estar doendo um pouco, é normal, volte para casa e descance, vamos cuidar bem dela não se preocupe.- Respondeu o médico, um homem quase gordo com cabelos grisalhos e óculos redondos.

Victoria pegou seu celular e checou, eram 13;46 da tarde. Sua barriga cobrava alimento mas ignorar sua fome naquele momento foi tão normal quanto respirar.
Ela saiu do hospital olhando ao seu redor, talvez buscando referências para não enlouquecer. O principal medo de que o pior tivesse acontecido já havia sido abafado, ela ainda tremia um pouco, mas estava menos apavorada.

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Com uma mão ela segurava seu celular, e com a outra uma maçã mordida. A caneca de café sobre a mesa estava cheia, quase que até derramar, e por mais que maçã com café fossem uma combinação deplorável, ela não misturava as duas coisas na boca, o que conformava seu paladar.

Celular, maçã, café, nessa ordem ela revisava sua atenção, até ter de voltá-la completamente para a mulher que chegou na cozinha.

-Oi.- Seca era a voz emitida pela mulher que colocava café em uma xícara minúscula.

-Bom dia pra você também.

-Filha, hoje teremos um jantar especial.

-Mais um? Sabe... quando algo passa a ser rotineiro, deixa de ser especial, entende?

-O seu pai precisa desse jantar, vai vir gente importante pra recandidatura dele, os votos não vão brotar na urna.

-E eu devo forçar um sorriso e parecer feliz por quanto tempo até meu pai ganhar os votos que precisa?

-Não precisa fingir, tudo vai maravilhosamente bem, deveria sorrir de verdade.

-"Verdade"...tá aí uma coisa que a gente deveria por em prática nessa casa, e principalmente fora dela.

-Nossa vida é um livro aberto.

-As drogas que você usa estão em que parte do sumário?

-Victoria...- Aquela única palavra gerou alguns segundos de silêncio, dos quais Victoria aproveitou para estudar a postura de sua mãe naquele momento.

-Você sempre faz isso.- Concluiu após a análise, quebrando o silêncio.

-Isso o que?

-Quando você perde o argumento.

-Quando eu perco?

-Você diz meu nome e me olha como se eu fosse incapaz de entender o seu ponto de vista, como se eu ainda precisasse amadurecer para um dia me por no seu lugar, como se estivesse com pena de mim.

-Eu... -Olhou para baixo apenas com os olhos, e franziu a testa, até render-se.- Talvez vocês esteja certa Victoria...

-Certa no que?

-Talvez eu seja uma viciada. É o que pensa que eu sou?

-É o que eu queria que não fosse.

-E dizer que não sou, não será o bastante para te convencer, você não confia em sua própria família, não é mesmo?

-Pelo amor mãe! Não comece com esses seus joguinhos! Pare! Isso é ridículo.

-Você é ridícula. Sua incapacidade de...

-Chega! Tá vendo? "Sua incapacidade...", é sempre assim!-Interrompeu Victoria.

Sua mãe nada respondeu, apenas levou a xícara até a boca, devagar, mas Victoria não podia se conformar com o silêncio.

-Por que você me olha desse jeito tão vazio?

-Eu olho assim para qualquer um, filha.

-E é exatamente esse o problema, mãe.- Fitou friamente os olhos da mãe antes de levantar-se e ir para qualquer lugar longe dali, ter de comparecer a um jantar "especial" só para transmitir uma imagem de "família feliz" para a recandidatura de seu pai, não era o seu plano para aquela noite. Victoria desbloqueou seu celular, e enviou uma mensagem para seu mais novo projeto de amigo, Loyal, que a respondera com a confirmação de uma noite longe de todos seus problemas. Victoria por algum motivo inexplicável confiava em Loyal, ele a trazia conforto de alguma forma, na frente dele, ela experimentaria não ser a filha do senador, e sim, ser apenas a Victoria.

Pegou seus fones de ouvido, jogou as sobras da maçã no lixo, conferiu o relógio e prosseguiu para mais uma caminhada.

Ela gostaria de ir para longe, sonhava em sair daquela cidade e ir para qualquer lugar em que o sol brilhasse mais, e isso não seria difícil. Ela sempre teve tudo sob controle, suas notas, sua popularidade, ela passava a imagem de pessoa perfeita, mas pobre Victoria, viver presa no papel de um personagem realmente era o que ela precisava?

Não se preocupava muito com seu futuro, até por que isso já estava garantido. Seguiu sua caminhada sem rumo, regredindo algumas horas depois

Victoria era incapaz de crer no que seus olhos viam, seu coração tremia em desespero, seus pensamentos fizeram tantas perguntas ao mesmo tempo que pararam de funcionar por um instante. Enquanto chegava de sua caminhada matinal que naquele dia começara mais tarde, eis que ela se deparou com o mais desolador dos cenários que poderia imaginar. Era sua mãe naquele carro branco completamente amassado, sangrando pela testa com os olhos fechados no banco do motorista, a emergência fechava o transito enquanto a retiravam de lá. A policia de longe, fotografava e fazia anotações, alguns curiosos no transito encostavam seus carros para apreciar o sofrimento alheio, Victoria corria em direção a mãe, mas os policiais não permitiam que ela encostasse.

-É A MINHA MÃE!!- Não adiantava gritar nem se contorcer, talvez seu estado de choque pudesse atrapalhar o trabalho dos profissionais de saúde que ali estavam.

Ninguém respondia sequer uma de suas perguntas, quem sabe estivesse agressiva demais pra ouvir os pedidos de calma que as pessoas que a seguravam proferiam. O tempo estava aberto e o sol do meio dia criava um contorno quente na pele das pessoas, o calor, o desespero, a raiva e o medo ceifaram suas forças, cegando sua visão, levando-a a cair aos braços dos políciais que já a retiravam de lá e ficar inconsciente, Victoria estava desmaiada.

Chuva TorrencialOnde histórias criam vida. Descubra agora