C2- Alinhamento mútuo.

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O sol se propagava com sucesso absoluto pelo céu, e também pela janela da casa de Loyal. Sua mãe ainda rejeitava dar o ar da graça por conta da rotina de trabalho escravizante.

Loyal suspirava ansiedade, naquela noite ele teria um encontro com Victoria. Isso por pouco levou para longe os pensamentos quanto a Henrrique, mas Loyal sabia que seria a encarnação da ingratidão se o evitasse por muito tempo, tudo bem, só fazia um dia que ele não ia ao encontro de seu amigo, mas ainda assim era como se não o visse a anos.
A camisa branca que ele usava estava manchada do chocolate quente que caiu em si mesmo deixando também em seu abdômen uma leve vermelhidão, e por mais que não prestasse a atenção, a televisão compunha a trilha sonora daquele ambiente.

Olhando para o teto, jogado no famoso sofá, ele tentava não pensar em nada, mas até quando ele abafaria todos seus delírios?
Levou sua mão até a cabeça deslizando-a por sua testa, ele tinha que por a droga de um ponto final nessa história para que pudesse seguir sua vida.
Levantou-se, tomou um banho, vestiu-se com qualquer peça que caiu de seu guarda roupas bagunçado quando ele deslizou a porta, e partiu;
Rumo ao hospital, ele precisava de seu amigo, e seu amigo mutuamente precisava dele.

O sol esquentava o asfalto, e os contraste entre dias frios e quentes eram como noite e dia no deserto, além do tempo divergente e imprevisível, aquela cidade também ostentava antipatia dentre as pessoas que viviam nela. Henrrique foi uma das poucas exceções, assim como Loyal.
A sua mãe ainda não percebera, mas Loyal já não podia contar com o veículo de duas rodas desde aquele atropelamento, por sorte ele não sofreu grandes consequências, pelo menos não físicas.
Andar a pé até o hospital naquela manhã era quase como passear pelo derredor de um vulcão, mas Loyal não tinha outra opção.

Carros, pessoas, buzinas e calor, eram os elementos centrais daquela paisagem apreciada com tédio por Loyal.

Andando calmamente ele ensaiava o que conversaria com seu amigo. Diria a ele que já sabe de seu estado?
Pediria desculpas? Se sim, isso realmente foi culpa dele?
Nesses contra discernimentos ele ficou até se ver em frente de seu fiel e agora tetraplégico amigo.

-Oi Henrrique.- Seriamente ele falou, chamando-o com seu nome invés de qualquer outra coisa, o que já deixava claro seu tom severo.

-E aí mano! Eu estava pensando em quando receberia mais uma sublime visita sua, esse lugar é bem parado, parece você nas festas- Riu levemente Henrrique ignorando o tom austero vindo de seu amigo, apesar de te-lo percebido.

-Henrrique, eu não sei o que dizer.- Confessou Loyal com seus olhos pesando para expelirem lágrimas, ele torcia em pensamentos para que estivesse errado quanto ao estado de seu amigo, e aceitava ser zoado por aquilo até o fim de sua vida se fosse necessário, apenas desejava estar errado.

-Loyal... É sobre eu não poder andar mais que você quer conversar, não é? Quem te contou?

Um arrepio junto à uma descarga de adrenalina se alastraram pelo corpo de Loyal, fragmentando seus pensamentos, suas esperanças foram devastadas, sua suposição não pudera mais ser chamada assim e uma lágrima ganhou permissão para escorrer em seu rosto ao ouvir aquilo.
Henrrique apenas evitou olhar para os olhos de seu amigo enquanto dizia:

-Loyal. Eu não te culpo por isso, eu jamais te culparia por isso, afinal as circunstâncias me levaram a esse ponto. Seria como culpar um padeiro por ser atropelado ao ir à padaria. - Talvez expressando uma risada no fim da frase que proferiu.

-Henrrique, eu me odeio, eu falo sério quando digo que me odeio, eu não sei o que dizer, e por isso me odeio ainda mais!- A voz de Loyal estava trêmula, e mesmo sem olhar para ele, Henrrique sabia que seu amigo chorava.

-Não se odeie Loyal. Não vale a pena, e você não merece. - Finalmente o olhar de Henrrique foi ao encontro de Loyal.

-Eu não mereço? Henrrique! Eu mereço sim! Eu mereço algo muito pior que ódio próprio! Que merda! Eu juro! Eu te dou a minha palavra que se eu tivesse a chance de voltar no tempo, ao menos uma chance de fazer isso, nem que eu me impedisse de nascer, mas eu não permitiria que isso estivesse acontecendo com você! - Seu tom de voz aumentou, a raiva de si mesmo transparecia-se de forma ordinária na face, na voz, nas lágrimas, nos sentimentos de Loyal. Chovia dentro dele, um temporal ocorria internamente — mais uma vez.—

-Loyal, não pense assim, eu to lidando bem com isso tudo mano. Já estou aceitando a minha nova... vida?

-Não me chame de mano! Eu não posso ser chamado assim! Olha tudo que venho causando nas pessoas!

-Sou em quem deveria estar assim, não você. Se acalma.

-Está se referindo as minhas pernas que funcionam?! Sim eu concordo, eu deveria estar no seu lugar!

-Cala a boca! Você não pode causar "desastres" só por desejar momentaneamente que isso aconteça! Eu fui vítima do destino! Não de suas palavras.- Henrrique também aumentou seu tom de voz, não poderia deixar Loyal se torturar tanto.

-Cala a boca você! E se eu puder!? Como saberei?

-Você tá enlouquecendo Loyal, eu não te contei o que aconteceu comigo porque sabia que você iria ficar assim.

-E SE EU PUDER? - Gritou Loyal. O alarde que sua voz provocara chamou a atenção das pessoas que passavam por perto da porta daquela sala, e também dos seguranças.

-VOCÊ NÃO PODE!- Gritou Henrrique pausadamente de volta com a mesma intensidade, mas com ironia invés de ódio.

-Só tem uma forma de descobrir!
Loyal puxou com toda sua força a cortina que desfocava a luz daquele quarto, dando lugar a rua movimentada. No momento que fizera aquilo, foi quase como se o som da rua aumentasse.

-Loyal você está ficando louco, por favor, pare, eu serei obrigado a chamar os seguranças, amigo, você está me assustando.

-CALA ESSA BOCA E ME ESCUTA!

-Loyal, para por favor.

-TA VENDO AQUELE CARRO BRANCO? SERÁ MESMO QUE EU NÃO SOU CULPADO!?

-Do que você tá falando? Loyal eu vou chamar os seguranças se você não parar com isso agora. O que está acontecendo com você?

-QUE OS FREIOS DAQUELE CARRO NÃO FUNCIONEM NUNCA MAIS!


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Os seguranças acompanharam Loyal até a porta daquele hospital, mal encarado por todos que o podiam ver, ele saia envergonhado daquele lugar. Seu rosto estava corado de vergonha e  arrependimento, talvez um pouco de raiva, Loyal apenas gostaria de pular de um penhasco assim que pudesse.

Mal sabia que ele sua vergonha não havia sido em vão, não é mesmo Victoria?

Chuva TorrencialOnde histórias criam vida. Descubra agora