9. Cuidado

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- Ana, você tem certeza? - Se tem algo que quase nunca tenho nessa vida, é certeza. Em um mundo cercado de interrogações, buscar certezas é dar um tiro no escuro. 

Você não prever o sentir e o querer. Em meio a um clássico romântico dramático, eu me parei em um canto qualquer de São Paulo, deitada no chão de uma sala onde se faz viva a música, nos braços de uma mulher que até então é uma desconhecida, mas que em questão de segundos me fez sentir algo que nunca antes foi sentido e ela mesma ainda vem me perguntar se tenho alguma certeza. Nesse momento, eu não tenho certeza nem do meu próprio nome.

- Certeza eu nunca tenho. Mas, já estou melhor sim. Isso eu posso garantir  - tentei sorrir, mas acho que o tímido sorriso saiu mais forçado do que sincero. Claro, que a intenção não é essa, mas estou apreensiva demais com essa mulher em minha frente. É normal, será? 

- Vamos sair daqui, eu te ajudo! - Minha futura professora de canto, rapidamente levantou do chão e se colocou em minha direção. Prestativa e cuidadosa, me deu todo apoio necessário pra levantar e com o braço firme em minha cintura, me guiou até a sala ao lado.
Na porta, uma pequena placa em letras fortes escrito:

Canto e harmonização. Profª: Vitória Falcão

O céu pra mim tem gosto de paz. Mas, ao entrar naquela sala eu pude sentir o cheiro dela. Nada muito grande, todas as paredes são brancas, a luz que invade o ambiente vêm de uma larga janela de vidro coberta em quase toda a sua extensão por um tecido também branco e muito fino, com algumas rosas bem sutis aparentemente pintadas a mão, o que deixa a mostra uma delicadeza singular. Próximo a ela, um piano de modelo profissional na cor preta com alguns detalhes em dourados e logo em cima da sua tampa superior, dois mini cactos que se encarregavam de trazer um pouco de natureza para dentro. 

- Tu gosta de cactos? - Me perdi sentindo a paz que esse lugar possui e não sei, se por efeito do desmaio, ou talvez seja uma perda repentina na capacidade de definição das coisas, mas a voz de Vitoria Falcão é algo fora do comum. Ela é grave, rouca e forte. Mas, ao mesmo tempo consegue ser delicada, suave e frágil. Como se define uma voz assim? Como manter o foco em todo o resto com Vitória falando tão perto assim de mim? Meu desejo nesse momento é só o de puxar um banquinho e ficar ouvindo, tentando assim buscar entender o efeito indecifrável que essa voz tem sobre mim.  

- Ah, sim. Gosto. Gosto muito. Toda natureza me encanta e com os cactos não é diferente. - Meu corpo luta com um peso excessivo e já sem suportar mais ficar em pé, vasculhei rápido toda sala em buscar de algum lugar para sentar antes que os bracos dela fossem novamente o meu apoio, o que foi em vão, porque tudo em mim rodou junto com o globo terrestre e mais uma vez me vi amparada por ela. 

- Tu ainda está muito fraca, talvez o seu fluxo sangüíneo ainda não tenha se restabelecido por completo, venha sentar um pouco aqui. - A banqueta do piano surgiu como mágica do meu lado, como é possível eu não ter visto ela aqui? Eu realmente devo ter perdido algumas capacidades cognitivas.. Logo me sentei com todo cuidado e apoio de Vitória, que ficou de joelhos na minha frente, com as mãos apoiadas em minhas pernas.

- Você é médica?  - Talvez tenha sido uma pergunta idiota, afinal ela estava tão paralisada quanto eu há alguns minutos atrás. Mas só alguém que conhece mesmo que o básico da arte da medicina, saberia termos e procedimentos como os que ela havia dito.

- Eu? - Sempre acreditei que o sorriso tem o poder de transformar. Um sorriso diz  muito do outro, o que faz seguir a linha dos dois lados sempre. Aqui na minha frente, e depois da minha pergunta boba, Vitória se desfez em um sorriso iluminador que tomou conta de cada canto da sala.

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