32. Domínio

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Eu e minha luta interna e quase que diária entre deixar o coração agir ou ignorar os sentimentos e aceitar que meu cérebro controle toda a situação, estamos mais uma vez em uma disputa acirrada. As situações que enfrentamos na vida nunca é tão fácil quanto parece ser, e aquele 'controle' que você pensa que tem, nada mais é do que a sua própria ilusão diante de uma guerra perdida.

- Por favor, fica!

Elisa dava indícios de que mais uma crise havia chegado, suas articulações estavam inchadas, seu rosto vermelho e quente assim como todo o corpo que queimava em uma febre alta, com dores fortes espalhadas e um enorme cansaço, ela se remexia e se contorcia em agonia bem diante dos nossos olhos. Luís de prontidão ao perceber o mal estar da esposa ligou rápido para seu médico que chegou aqui logo que pode.

É sempre muito difícil presenciar essas situações, mesmo medicada e teoricamente com a doença controlada, vê-lá lutar contra seu próprio corpo é algo que fica marcado mesmo sem quer. Normalmente suas defesas entram em batalhas curtas, mas não menos prejudicial por isso e sempre fica algo para lembrar depois e dessa vez o que marcará mais uma crise será o anúncio do divórcio do seu único filho.

- Fica com a gente hoje, por favor! - Estava diante do corpo inerte de Elisa na cama enquanto Maicon me encaravam e eu podia enxergar a dor e a apreensão brilhar em suas íris. - Você pode ficar no nosso... no quarto. Eu durmo no escritório ou até mesmo na sala, mas fica. Mamãe pode precisar de você, não sabemos como ela irar reagir ao resto da noite. Por favor Ana, por ela.

Não sei se é pior lidar com a consciência ou com a frustação, nada nessa noite saiu como eu havia planejado e para completar o enredo do meu drama particular, estava sendo pressionada por Maicon, e por minhas próprias emoções que gritavam a todo instante que por mais que eu quisesse eu não poderia deixa-lá aqui com todo o seu sofrimento. Sofrimento esse que também me atinge afinal ainda faço parte de tudo isso.

- Maicon não sei se é uma boa idéia, talvez a minha presença só piore toda situação.

Você nunca terá a exata dimensão da dor que é sentida ou causada por você em outra pessoa, normalmente vamos ouvir que cada um tem sua dor e sua forma de expressar ela, cada um senti a sua maneira, mas em nenhum momento paramos pra pensar no que podemos causar na vida do outro. Eu sei que pensar em nós mesmos e fazer aquilo que queremos é fundamental para nossa saúde emocional, afinal viver para agradar o outro é auto-destrutivo, mas até que ponto isso é válido? Até onde passar por cima do outro para atingir os seus interesses é aceitável?

Talvez aqui, sentada nessa cama, diante do corpo febril da minha ex sogra não seja o momento certo para pensar se fiz ou não a coisa certa, afinal tudo aqui está contra mim e contra fatos, não há argumentos. Até a poucos instantes, eu tinha toda convicção do que fazer ou falar sem muito me importar e até mesmo com a incrível sensação do desprendimento, mas agora toda a minha certeza caiu por terra e somente o remorso e a dúvida tem espaço em todo o meu ser.

Dói imaginar e dói mais ainda sentir que algo tão libertador pra um, pode ser completamente devastador pra outro. Luís não consegue olhar nos meu olhos por mais de dois segundos, Maicon apreensivo tenta esconder as lágrimas que caem silenciosas, Elisa se contorce de dor e luta contra suas próprias defesas, e tudo isso está diretamente ligado à mim e ao fato de não ser quem eles queriam que eu fosse.. tudo o que está acontecendo grita por meu nome com o veredito de culpada e já condenada, e toda aquela autonomia de agora pouco deu lugar a angústia e ao medo.

- Sua presença só fará bem, não tenha dúvidas disso. - Antes que eu pudesse pensar em algo para responde-ló sentir o toque frio da mão de Elisa apertar a minha contra o colchão.

- Elisa.

- Ana minha filha... - Sua voz me soou tão baixa quanto um sussurro e a sua dificuldade em formular uma frase era nítida, Elisa não pode se esforçar e eu não pretendo ter mais uma culpa jogada sobre mim essa noite, já basta a que eu mesma estou lançando.

- Estou aqui, mas por favor descansa, você não pode se esforçar.

- Eu preciso entender o que aconteceu entre vocês... Por quê vocês vão se separar? Por acaso tem outra pessoa?... - Seus olhos nesse momento encheram de lágrimas e mesmo com a voz embargada dificultando ainda mais a comunicação ela continuou - ... Vocês se amavam, eu não consigo entender.

Maicon se negou a falar qualquer coisa diante das perguntas de sua mãe e para evitar que tudo isso se prolongasse ainda mais eu tentei ser o mais breve e suscita possível, até porque eu sentia uma dor latente me destrói a cada instante e toda dor causada por mim voltava duplicada

- Eu acho que agora não é o momento mais adequado para essa conversa Elisa, você está cansada e precisa de repouso. Eu sei que não deve está sendo fácil associar tudo, mas eu prometo responder todas as suas dúvidas e te explicar tudo direitinho amanhã, quando você acordar mais disposta e sem dor, tá bom? - Depois de alguns segundos me olhando como se lutasse para entender e assimilar cada palavra dita ela assentiu levemente com a cabeça, apertou novamente minha mão e voltou a relaxar o corpo.

- Amanhã com ela mais calma podemos resolver tudo, vou fazer uma reserva naquele restaurante italiano que vocês gostam e conversamos no almoço.

- Maicon não vamos confundir as coisas, tá? Eu ficarei aqui essa noite somente por ela. Amanhã com ela melhor e mais calma conversaremos e eu vou embora, nada de serimonia ou falso almoço feliz da família tradicional, até porque não somos mais uma.

- Eu sei, e é por ela também que estou fazendo tudo isso. Será que você pensa que eu gosto de toda essa situação? Ana, tudo o que eu não quero nessa vida é vê a minha mãe sofrer e você sabe disso. Se te chamei aqui hoje, se insistir pra que você ficasse foi e é somente por ela.. - Não deveria duvidar, até porque sei do amor e do cuidado que Maicon sempre teve pela mãe, mas estou com a incômoda sensação de que meu coração está me levando para uma direção errada e isso me faz questionar toda e qualquer atitude

- Tá bom Maicon, não vamos entrar em mais uma discussão né? Já tivemos muitas por uma noite.

- Você está certa, vamos deixar mamãe descansar e amanhã resolvemos tudo de uma vez. Se quiser pode ir para o quarto, eu me ajeito em qualquer canto.

- Não vou tirar você do seu quarto, pode ir descansar. Não se preocupe

- Eu é que não vou deixar você dormir em qualquer canto na casa que já foi sua. Fica no quarto, eu fico no escritório sem nenhum problema.

Existe dois tipos claro que manipulação em uma relação, a que consciente ou inconscientemente você manipula pra assim conseguir o que quer, ou a que involuntariamente é manipulado pra sentir a dor que pertence ao outro, o difícil é identificar com precisão quando isso acontece, até porque estamos fadados a enxergar e esperar sempre o melhor das pessoas, coisa que raramente acontece e seja lá como for, tornar o outro refém dos seus sentimentos e impor sua verdade é no mínimo pura pretensão e nessa noite onde todos os meus sentidos estão confusos mais em alerta eu sinto a persuasão nítida que Maicon se impôs a fazer, e eu não sei o que é pior porque conscientemente me deixei levar.

Eu sabia que não seria fácil, sabia que enfrentaria a fúria ou a dor vinda da parte deles e que uma possível crise surgeria, mas as coisas nunca saem como realmente pensamos e advinha só, cá estou eu para uma noite nesse apartamento, no quarto que um dia foi meu, sentada na cama que eu mesma escolhi, olhando as paredes pintadas no tom perolado, enquanto a vida em suas inúmeras variações me trouxe todos os sentimentos possíveis para uma só noite.

E mesmo com tudo sobre os meus ombros, mesmo que a frustação e o queimar do meu corpo me paralise e eu ainda tenho que resolver uma coisa, eu preciso falar com Vitória.










"A manipulação rouba a sinceridade dos nossos relacionamentos."

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