Dói

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Acordo com a voz mansa da minha mãe me chamando, avisando que eu devia me arrumar, pois logo estaríamos indo para a clínica onde eu receberia ajuda psicológica. Foi fácil me tirar do pequeno cochilo em que eu me encontrava. Não dormi direito a noite toda.

Depois que meus pais deitaram, eu passei as primeiras horas pensando em Cody e chorando por toda a confusão, pela a saudade que apertava meu coração cada vez mais. Depois de conseguir pegar no sono em meio ao choro, acordei um tempo depois sentindo estar sendo observada, e tive a certeza que era Cody. Não tive medo, só queria poder vê-lo. Não falei nada para não acordar meus pais, se é que eles tinham conseguido dormir direito com tudo aquilo.

Depois de minutos pedindo em silêncio para que ele aparecesse e perceber o quão estúpido aquilo era, coloquei um casaco e saí pela janela, caminhando pela rua. Não deixei de sentir estar sob o olhar de Cody nem um momento, mas ele não apareceu. Escutou toda a conversa com Roxy e estaria com medo? Eu daria tudo para poder ter acalmado ele e falado que estava tudo bem, eu não ia deixar que nada nos separasse.

Depois de andar por alguns quarteirões, aproveitando bem a sensação de liberdade que seria tirada de mim provavelmente por uns bons meses - como ouvi o psiquiatra garantir para meu pai -, volto para casa, me atirando na cama sem querer trocar de roupa. Pouco tempo depois ouvi minha mãe.

Tomo um banho longo, vestindo minhas calças mais confortáveis e um moletom cinza frouxo. Sei que passarei bom tempo nessa clínica dormindo, já que socializar não era muito meu forte. Eu teria que mudar de personalidade também para aparentar estar menos louca? Isso seria uma completa tortura, mas o vazio que a falta de Cody instalava em mim me fazia simplesmente não ligar para nada. Dane-se, apenas ansiava pela hora que tudo isso acabaria, seja lá como for.

As primeiras semanas naquele lugar doeram como o inferno, mas em pouco tempo eu comecei a sentir apenas tédio e frustração ali. Dormia na maior parte do dia e não falava com ninguém. Recebi visitas dos meus pais quase todos os dias, era quase palpável a culpa que eles carregavam ao me olharem, mas eu não podia fazer nada. A decisão foi deles.

No final daquela tortura, eu acabei engordando alguns poucos quilos pela alimentação saudável que antes não me pertencia e cortei meu cabelo um pouco abaixo dos ombros. Me perguntei se Cody gostaria, já que vivia me puxando a orelha por conta da minha alimentação e sempre falava que eu ficaria ainda mais bonita se resolvesse parar de esconder meu rosto jogando o enorme cabelo para o lado. No final, ao me ver em frente ao espelho depois de três meses, acabei concordando.

A saudade tomava conta de mim, e tudo sobre meu passado não me fez duvidar que Cody era real, nosso sentimento era. Sentimento esse que no tempo que tive sem fazer nada se tornaram cada vez mais confusos, mas acreditei que quando me ocupasse devidamente iria parar de pensar besteiras. Cody era apenas meu amigo.

Aliás, se eu ainda tivesse sua amizade, já tinha um grande lucro.

Esperava meus pais ao lado da médica que cuidou de mim esse tempo. Seu nome era Angel e fazia jus á pessoa que demonstrou ser. Infelizmente, tive medo de falar para ela sobre poder sentir fisicamente Cody. Eu seria mandada para um azilo se o fizesse, ou para um exorcista.

Coloco minhas mãos no bolso do moletom azul bebê que usava junto com a calça moletom cinza, tentando não aparentar estar tão nervosa quanto realmente estava para voltar á "vida normal". Em uma das visitas com meus pais, eles me falaram sobre decidir que estudarei o resto do semestre em casa, decisão essa apoiada pela diretora do colégio em que eu estava. Não fazia tanta diferença, afinal de contas eu não gostava de lá mesmo. Para meu azar isso só duraria por esses meses, e logo voltaria a estudar com todos os outros, como uma adolescente normal. Normal seria a única coisa que eles iam me achar, mas o medo do bullying não era tão grande assim, não maior que o medo de Cody não voltar que no fundo eu tinha, mas mentia para mim mesma que não.

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