Capítulo 15 A hospedaria

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O grupo deslizou às cegas por alguns minutos pelo largo encanamento de cobre, como se estivessem em um tobogã aquático. Ao final do longo passeio molhado, foram despejados como detritos em uma bacia natural que havia se formado abaixo da queda d'água.

Ainda rodeados pela escuridão nadaram para fora da funda lagoa subterrânea de encontro à luz que brilhava bem adiante, e ajudando uns aos outros escalaram uma pequena formação rochosa coberta de limo. Seguiram com água até á altura dos joelhos por um túnel de tijolos escorregadios até uma galeria de concreto repleta de túneis de todos os tamanhos, que como em um labirinto levava a centenas de lugares.

Júlia estava muito preocupada com o livro, e assim que conseguiram um caminho um pouco mais seco, a menina abriu sua bolsa Nuakiniana e com todo zelo verificou se o livro ainda estava seco. Por sorte o presente do príncipe Nuakiniano era impermeável e o livro estava intacto. A garota suspirou aliviada, ela já não se imaginava sem o livro.

O grupo não se arriscou por nenhum dos outros dutos escuros, apenas seguiram o fluxo daquela água verde fétida que corria de encontroa um enorme muro de argamassa. No muro coberto por lodo e imensas rachaduras, havia uma pequena abertura lacrada por barras de ferro já muito enferrujadas por onde a água escoava. Aquela passagem, após Arroto arrancar as velhas barras de ferro que não apresentaram quase nenhuma resistência, os conduziu por uma outra queda d'água. Esta finalmente desaguava em um estreito rio, e pelas margens desse rio o grupo seguiu por algumas horas, até que algo no céu chamou lhes á atenção.

– Olhem! Lá na frente, à baixo daquela colina vermelha! – Disse Davi, apontando à fumaça que subia por uma chaminé. – Aquele lugar está parecendo uma hospedaria – disse referindo-se ao grande casarão verde com dezenas de pequeninas janelas redondas.

– Até que em fim uma boa notícia! – Disse Júlia - vai ser ótimo se pudermos tomar um bom banho quente.

– Sorte dupla minha querida, finalmente matarei a sede que me persegue há dias. – disse Arroto gargalhando, ao avistar a entrada de uma rústica taberna, que havia sido esculpida ao meio do tronco colossal de uma árvore tão grande, que sua sombra se estendia por quilômetros.

– Amigão é melhor que você se esconda na floresta essa noite – disse Arroto acariciando a cabeça de Smilo – não queremos assustar os donos da hospedaria. Cace algo para comer, e fique atento a qualquer coisa diferente que acontecer.

O tigre ronronou baixinho no ouvido do jovem, parecia não ter gostado da ideia de se separar do grupo. Mas mesmo assim, silenciosamente desapareceu entre a relva verdinha.

O restante do grupo desceu em silêncio por um pequeno e estreito caminho ao meio de um verde jardim decorado com flores amarelas, até uma enorme porta de madeira de folhas duplas que estava aberta.

– Olá, tem alguém ai? – Perguntou Arroto, espiando para dentro do salão onde o chão de pisos de madeira, muito bem polidos, brilhava impecável.

– Olá... Queira nos dar licença – continuou. – Estamos entrando! – Gritou quando o grupo seguiu pelo hall de entrada, decorado por um felpudo tapete vermelho que se estendia da entrada até um grande balcão.

Arroto teve que saltar para conseguir tocar a campainha de tão alto que era aquele móvel, bem envernizado, porém muito empoeirado. O som do trim metálico do objeto quebrou o silêncio do lugar.

– Blup, Blup... Já estou indo! Blup... Já estou indo! Tenha calma, Blup! Tenha calma, Blup, Blup!

– Que droga! – Sussurrou Arroto. – O dono da hospedaria é um maldito Blup!

– O que é um Blup? – Perguntou Davi, baixinho no ouvido de Arroto.

– São os seres mais trapaceiros de toda Gaillardia, espero que tenham algo de valor, ou podem dizer adeus à boa noite de sono.

– Blup, algum problema meu rapaz? – Perguntou a criatura verde, que era redondamente redonda com dois pares de braços de cada lado do enorme corpo.

– N-N-Não! – Gaguejou Arroto. – É claro que não!

– Blup, Blup... Muito bem! – Disse a criatura de olhos alaranjados com pupilas roxas, e uma chuva de saliva gosmenta caiu sobre o grupo. – Gosto assim, Blup! Nenhum problema! Blup, Blup!

Arroto gargalhou cinicamente, e balançando a cabeça desencorajou Alice que havia levado a mão ao cabo de sua espada. E nesse mesmo instante, com uma das mãos segurou firme a bolsa Nuakiniana, impedindo Júlia antes que menina tivesse tempo de pegar o livro. E com um sorriso nos lábios, piscou para menina. Júlia baforou, e torcendo o nariz desviou o olhar do jovem que ainda sorria.

– Gostaríamos de dois quartos, nobre senhor! – Disse Alice, dando um passo à frente aproximando-se do balcão. O Blup repousou a enorme barriga verde sobre o balcão, e esticando o pescoço tentou enxergar a menina que desaparecera atrás do móvel.

– E vai pagar como, Blup, Blup? – Perguntou a criatura gelatinosa. – Rúpias Gaillardianas, diamantes ou ouro, Blup?

E se Júlia imagina-se o que viria em seguida nunca, nunca mesmo teria oferecido sua correntinha de ouro como pagamento.

– Isso deve cobrir todas as despesas – disse a garota, e levantando os calcanhares esticou os braços sobre o balcão estendendo a mão que segurava o valioso presente que ganhara de sua mãe.

O Blup apanhou o objeto e o estendeu sobre a palma de sua mão enorme, e retirando uma lupa de dentro da gaveta o inspecionou atentamente.

– Hum, Blup! Não, sei não... Blup, Blup! – Disse franzindo a grossa sobrancelha – Talvez, Blup... Talvez pague por uma noite, Blup, Blup! Mas apenas uma noite, Blup... E nada mais!

– Seu patife! – Gritou Júlia, furiosa. – Como se atreve? Foi um presente da minha mãe! Você sabia?

O ser gorducho não disse nada. Apenas ficou ali parado, fitando Júlia que saltitava de raiva.

– Está tudo bem! – Disse Arroto, que com um puxão nas vestes da garota tomou à frente da conversa escondendo Júlia dos olhares nada agradáveis do Blup.

– Nós aceitamos! – Disse o jovem, que cuspindo na palma da mão esticou os braços, o Blup fez o mesmo e apertando a mão do rapaz ensopou seu braço por completo de baba gosmenta e verde.

– Subam pelas escadas, Blup! Os quartos são no final do corredor... Blup, Blup! A casa de banhos é atrás da hospedaria, Blup! Banhos são permitidos apenas após ao por do sol, Blup, Blup!

– Bom, então estamos no horário – disse Júlia espiando pela janela as três vermelhas luas Guaillardianas brilharem distantes no céu escuro. – Você vem comigo Alice?

Alice disfarçadamente cheirou as axilas, e torcendo o nariz aceitou o convite da prima.

– Enquanto isso iremos ate à Taberna beber alguma coisa – disse Arroto, puxando Davi pela capa.

– Ei, espera aí! – Disse o garoto – eu nunca entrei em uma Taberna!

– Do que isso importa? – Respondeu Arroto, gargalhando. – Tem sempre a primeira vez para tudo!

E ainda com Davi preso pela capa, Arroto saiu pela porta. Alice e Júlia seguiram o longo corredor e saíram pelas portas de trás da hospedaria rumo à casa de banho.

Assim que todos já estavam distantes, o Blup abriu seu enorme casaco feito com a pele de algumas dezenas de raposas, de onde uma enorme serpente negra desenrolou-se.

– Sim, meu senhor? – Silvou a serpente.

– Vá agora, encontre o mestre, Blup! – Disse o balofo, acariciando a cobra – diga a ele que os nascidos do ventre chegaram.

A criatura negra de olhos vermelhos silvou consentindo com a cabeça ,e serpenteando se arrastou porta a fora para cumprir sua missão.

As Crônicas de Gaillardia As Crianças, o Unicórnio e o Bruxo (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora