Zona de conforto

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Não sei quanto tempo fiquei fora do ar. Lembro-me de ter acordado numa espécie de cela, muito limpa, fresca e escura. A única luz ambiente vinha indiretamente das fortes lâmpadas que iluminavam um corredor e uma área circular, anterior às celas.

A área circular é o que Heindall chama alegremente de sua "zona de conforto".

Segundo ele, são mantidas na penumbra por causa da sensibilidade excessiva dos nossos olhos. Um jovem imortal só pode enfrentar a luz quando se acostuma com a nova acuidade visual... E isso leva algum tempo.

Percebi, quando acordei, que a dor havia diminuído quase totalmente. Restou apenas um latejar incômodo pelo corpo todo, e um estranho enrijecimento dos meus membros. A segunda coisa que notei foi que eu estava deitado sobre um catre. Ao me deparar com as barras da grade, logo imaginei que devia estar preso em algum tipo de prisão.

Relanceando o olhar pelo cômodo estreito, notei que não havia nenhum outro móvel ou adorno, exceto pelo pequeno bacio, o chuveiro, e a pia, que estavam cercados por caixas estranhas, feita de grades e rodeadas com grossas correntes.

Heindall me explicaria, depois, que as grades são necessárias porque alguns de nós, os mais desesperados, já haviam tentado mastigar o encanamento. Também mastigaram a cortina do chuveiro... Mas, segundo Heindall, até aí, tudo bem. Plástico é mais fácil de repor do que o encanamento.

Fala sério! Alguém já tentou fugir pela privada?

O primeiro pensamento coerente que me ocorreu é que teria de pedir permissão para aliviar minhas necessidades. Isso foi decadente! Eu sequer imaginava que não haveria mais necessidades a serem aliviadas. Os jovens imortais não fazem xixi nem cocô.

Bem, no começo ainda fazem... Com o tempo, é que esse "processo biológico" se extingue...

Escutei um gemido na cela ao lado e me estiquei com dificuldade, tentando olhar por entre as barras. Para meu espanto e alívio, Sean estava deitado no catre da cela ao lado da minha. Eu me arrastei para mais perto, até que as barras pressionassem o meu peito. Tentei tocá-lo, inserindo minha mão por entre elas... Mas, de repente, ele se levantou de um salto e avançou para mim com a boca aberta salivando - os olhos tão negros quanto dois poços de piche.

Eu recuei, horrorizado.

-É, meu camarada... Ele não teve a mesma sorte que você - disse uma voz, atrás de mim. - Ainda não recuperou a consciência.

O homenzarrão barbudo e com ar de poucos amigos me observava de sua poltrona de veludo vermelha, antiga, mas bem cuidada. Por um instante, pensei como suportava o peso do gigante. Ele se apresentou:

-Sou Heindall, - ele me informou, seco - responsável pelo complexo onde ficam confinados os recém transformados.

Complexo? Confinados? Recém transformados? Aquilo era tudo grego pra mim...

-O homem de olhos verdes disse que se Sean não estivesse consciente, seria... - titubeei, sem perceber que estava pensando em voz alta.

-Morto? - o outro completou, com um toque de cínica indiferença.

-Porque não o eliminaram? - agarrei as barras com as duas mãos, lançando um olhar para Sean. Ele rugia e uivava deploravelmente, do outro lado. Lógico que eu estava aliviado por não o terem matado, porém, queria saber o que teria levado o homem dos olhos verdes a mudar de ideia.

-O cahill Adriano teve piedade de você e decidiu dar uma chance ao seu irmão. - O barbudo torceu os lábios, enquanto se levantava de sua poltrona. Ele parecia não concordar com a decisão do outro, mas resignava-se.

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