Eu não conseguia acreditar no que Clara estava me dizendo. Eu não aceitava. Eu não queria. Era como se eu estivesse tendo um pesadelo real. Aquilo não poderia ser verdade. Meu pai? Morto? Não era possível. Logo naquele momento em que ele estava tão bem? Quando ele estava conseguindo iniciar uma vida nova, longe da bebida.
Eu havia lutado tanto para vê-lo feliz, recuperado, tendo uma vida decente. E uma coisa dessas, uma estupidez de um imbecil irresponsável, acabara com tudo. Fiquei em estado de choque. Minha cabeça parecia uma bomba relógio. Clara tentava me acalmar. Ela chamara Marisa para cuidar do menino.
Aos poucos fui aceitando a verdade. Então, ela procurou me persuadir a tomar um calmante e dormir um pouco. Recusei enfaticamente. Eu precisava ver minha mãe. Como ela teria reagido a essa notícia? Eu sabia que a relação dela e de papai não andava muito boa havia muitos anos, por conta do vício dele. Mas mesmo assim, fiquei muito preocupado com ela.
Clara me acompanhou até a casa de mamãe. Maria Eliza chorava desesperadamente. Mamãe, não. Ela falava para mim: "Diga logo, menino... Quem é Clara?". Eu não entendia. E ela insistia: "Anda, diz!". Pensei que ela estivesse em estado de choque e falei naturalmente: "É minha esposa, mamãe. Procure se acalmar!".
Ela insistia: "Se você não disser, vou lhe dar uma surra. Ela é a amante de seu pai? É isso? Aquele cachorro! Tomara que ele vá direto para o inferno. Aquele safado! Não vou derramar uma só lágrima por ele...". Depois de dizer essas palavras, ela saiu da sala e se trancou no quarto.
Eliza dizia: "Por que você não contou a ela? Quer que ela fique pensando essas coisas de papai, é? Você não entendeu o que eu disse? Papai morreu! Ele acabou de sofrer um acidente de carro e morreu! Você está me ouvindo?". Eu não estava. Minhas vistas haviam escurecido e meu corpo todo formigava. Ou está formigando agora? Em alguns segundos desabei no chão.
Clara gritava. Mamãe chorava. Eliza me puxava. Mamãe não ouvia. Eliza gritava. Mamãe perguntava a Clara: "O que está acontecendo com ele, minha filha? Pelo amor de Deus! Os dois de uma só vez, não. Eu não vou suportar tanta dor!". "Calma! Fique calma. Ele só desmaiou. Está muito abalado. Vou chamar um médico. A senhora me desculpe o grito. Eu levei um susto muito grande.". Eliza pegou o telefone. Mamãe permanecia no quarto.
Para surpresa de Clara, eu não acordei do desmaio, como seria natural. Eliza batia fortemente na porta do quarto e aos berros procurava convencer mamãe a sair. Ela saiu. Eliza disse que já havia chamado o médico. Mamãe correu para me ver. Clara estava ao meu lado, segurando minha mão. Eu podia sentir o seu cheiro. Podia sentir o toque suave de suas mãos. Mamãe não a via. Ou não queria ver. Ela perguntou mais uma vez, chorando: "Quem é Clara?" O médico chegou. Clara permaneceu ao meu lado.
Não vi o meu pai morto. Nem mesmo o seu enterro. Por isso talvez eu ainda acredite que um dia ele voltará. Talvez tudo não tenha passado de um pesadelo. Não sei. Clara dizia que pensava que eu não conseguiria me recuperar. Ela passou todos os dias ao meu lado. Dormiu todas aquelas noites no hospital. Saía somente por uma ou duas horas para dar uma olhada no menino, que continuava sob os cuidados de sua irmã Marisa.
Foram duas semanas de coma profundo. E o diagnóstico havia sido um tumor no cérebro. O momento do desmaio havia sido apenas uma coincidência. Papai era muito importante para mim, mas não foi a morte dele que me levou ao hospital. Era algo que já estava prestes a acontecer.
Veja só como a nossa vida é imprevisível. Por isso não podemos ficar adiando tanto as coisas importantes que temos a fazer. Como, por exemplo, expor nossos sentimentos às pessoas que amamos. Eu não costumava fazer isso muitas vezes. Depois do que me aconteceu, mudei muito... Clara é testemunha disso.
Bem, estou cansado agora. Acho que vou dormir um pouco. Amanhã continuo a te contar as minhas memórias. Antes que seja tarde demais.
Ah! Não se preocupe com o seu amigo narrador. Ele está bem. Mas chegou a hora de eu assumir as coisas por aqui. Prometo que, no fim das contas, você vai entender o porquê de tudo isso. Mas preste muita atenção. Algumas respostas já podem ter sido reveladas, ou não...
É... Parece que o Quem resolveu assumir de vez o comando da mente do nosso protagonista. E aí, o que você achou desse capítulo? Se você gostou, aperte a estrelinha do votar! Se quiser, deixe o seu comentário, a sua dúvida ou qualquer outro sinal de vida, ok?
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Memórias de Quem
Mystery / ThrillerEle só conseguia se lembrar dos olhos de Clara. E, ainda assim, não podia afirmar que eram mesmo suas lembranças e nem se Clara de fato existia. Quem havia misturado informações em sua mente, a ponto de apagar o nome de seu melhor amigo e criar novo...