3 - TOXITUS

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Um dia, dei de cara com um homem negro plantado à frente da porta do apartamento
com uma caixa nos braços. Éramos quatro ainda dividindo o apartamento de Hamburgo, mas
os músicos estavam frequentemente em turnê, no estúdio ou fazendo shows. Quando isso
acontecia, eu ia por alguns dias para a casa de Miriam e Guido, não querendo ficar sozinha,
nunca gostei disso. E o negro que eu desconhecia estava plantado ali, querendo falar com
Miriam e Guido, sem falar mais nada nem se identificar.
Eles não estavam.
Aparentemente, disseram ao cara que poderia deixar uma caixa no sótão. Fazer o quê?
O sujeito estava ali, olhando para mim. Tive certo medo e deixei que levasse a caixa para
cima.
Depois ele foi embora com um “tchau” e tratei de esquecer aquilo.
Mas me perguntava o que podia haver na caixa. E um dia minha intuição se confirmou.
Indo visitar Miriam e Guido, encontrei-os na cozinha. Guido estava sentado à mesa,
tendo diante dele uma folha desdobrada de papel alumínio como os de pacotes de café. O que
se chama paper. Raspava o pó marrom que havia em cima. Explicou não ter entendido direito
que o negro, seu conhecido do bairro, estava falando de heroína quando perguntou se podia
usar o sótão deles para guardar uma caixa.
Como o cara tinha sido preso, por prudência, Guido e Miriam verificaram o que havia lá.
Levaram um susto. Não queriam história com heroína. Mesmo agora que estava ali, aos
quilos, não queriam vender. Mas não se pode jogar algo assim na lata de lixo, então a caixa
voltou ao sótão.
Além do apartamento de Hamburgo, onde estávamos a maior parte do tempo às voltas
com música, Alexander Hacke e eu dispúnhamos de outro bem pequeno em Kreuzberg, só
nosso. Frequentemente íamos e voltávamos, mas, no fundo, eu muitas vezes estava sozinha.
Os rapazes, Klaus Maeck e os outros, frequentemente viajavam. Eu tinha então voltado a
passar um tempo com Guido e Miriam. Durante o dia eles trabalhavam, ganhavam a vida
como músicos, ou seja, estávamos no mesmo meio.
Na falta do que fazer, um dia subi ao sótão.
Não saberia dizer por quê.
Era como se meu inconsciente quisesse aproveitar a oportunidade e descarregar a
pressão que há semanas vinha sentindo, desde que encontrara aquele desconhecido.
Primeiro tentei enganar a mim mesma. Li o jornal Bild que estava em cima da mesa da
cozinha e tingi o cabelo de vermelho-acastanhado, porque naquela noite ia a Berlim encontrar
Alexander e queria estar bonita. Não conseguia decidir o que fazer. Parte de mim queria a
todo custo uma picada, mas a outra parte sabia perfeitamente o sofrimento e a merda que
aquilo provocaria. Enfim, o que dizer? Pouco depois subi e botei alguns gramas no bolso. Há
cinco anos que eu estava limpa.

Mas não toquei nessa heroína por um bom tempo. Duas ou três semanas depois,
voltando à casa de Guido e Miriam, a droga continuava no meu porta-níqueis e nem posso
dizer que fui muito forte e resisti à tentação. Não. Apenas nem pensei nisso. Estava encantada
com Igor, meu cachorro, um chow-chow que Kai Hermann me deu quando cheguei em
Hamburgo.
Igor e eu fomos um caso de amor à primeira vista, e supliquei que Kai o deixasse comigo.
Ele recusava e eu nem tinha motivos para ficar zangada. Mas insistia toda vez que ia visitar
ele e a mulher no sítio em que moravam em Lüchow-Dannenberg. E um dia — eu estava há
pouco tempo em Hamburgo — acabaram cedendo:
— Para que não se sinta sozinha na cidade.
Foi um dos melhores presentes que já ganhei na vida.
Os animais sempre foram uma família substituta para mim. Começou com Ajax, o dogue
castanho que se via no início do filme.
Agora havia Igor, e o pobre sofria muito com um inchaço na próstata. Com isso, por um
momento, me desviei das minhas próprias fraquezas.
Então, quando entrei na cozinha de Guido e Miriam, havia meio grama de pó marrom em
cima da mesa. Tinham jogado a heroína na pia, mas havia sobrado um pouco no papel que
eles rasparam, para uso próprio.
— Não custa nada, afinal, experimentar um pouco — disse Guido.
Em seguida, misturou o pó escuro com o branco e começou a cheirar.
Miriam fez o mesmo e não hesitei nem um segundo. Estava morrendo de vontade e
tentava me tranquilizar: uma vezinha só, que mal poderia fazer?
O pó entrou pela narina esquerda e queimou forte. O gosto era amargo, o cheiro,
metálico, e imediatamente me senti mal. Em menos de um minuto, tive que correr e me
debruçar na privada. Estava tão limpa que não aguentava mais nada. Vomitei sem conseguir
parar, mesmo com o estômago já completamente vazio. Era bílis que saía, mas não cheguei a
ficar sem ar.
“Genial, é genial demais!”, eu pensava a cada espasmo. Não há orgasmo que se compare.
Como aquilo tinha me feito falta por tanto tempo.
As batidas do coração e a respiração ficaram mais lentas sob o efeito, as funções gástricas
e musculares, mais fracas, o corpo todo se acalmou. Isso por causa da secreção de endorfinas,
como quando gozamos ou reprimimos a dor. Medo, frio, fome, não sentia mais nada que era
negativo. Primeiro as dores sumiam e depois vinha um estado de doce euforia.
Entendo, pode parecer maluquice: você põe as tripas para fora e, ao mesmo tempo, tem a
impressão de ser a mais bela sensação do mundo.
Havia muito tempo não me sentia tão relaxada, longe do aqui e agora, pesada e leve ao
mesmo tempo. Miriam e Guido também se sentiram mal e vomitaram na pia da cozinha.
Esvaziaram tudo que tinham no estômago e se sentaram à mesa para enrolar um cigarro
e abrir umas cervejas. Fiz companhia, me esfregando como louca com uma escova de cabelos,
pois tinha coceira em tudo que é lugar: na bunda, nos braços, nas pernas. Conhecia aquilo.

Era o sangue que deixava de circular direito nas veias.
Mas era outra sensação divina, como um formigamento pelo corpo todo. Coçava muito e
mesmo assim era incrível.
Foi uma noite formidável. Só terminou quando dormimos na sala, diante da televisão.
Quando fui embora, não me preocupei com o que acabava de acontecer. Estava segura de
não voltar a cair na dependência. Tinha sido bom demais para isso.
É quando você começa a precisar se picar que perde todo o controle. Quando se sente
forçado a alimentar a besta, vem o vício. Por não sentir mais o barato de antes, é obrigado a se
picar ainda e cada vez mais, só para ficar normal e lutar contra a abstinência. É onde começa a
merda.
Restava ainda alguma, mas quase nada. O embrulhinho no porta-níqueis tinha mais ou
menos 1 grama. Quando você começa, precisa de cerca de 10 miligramas para uma picada. Se
for fumar ou cheirar, de repente umas 25 miligramas. Na época da estação do Zoo, eu
precisava de até 4 gramas por dia para não estar mal, repartidas em seis ou oito seringas. Pela
minha experiência da época, 1 grama nem contava. Vinte e quatro horas depois de ter deixado
Guido e Miriam, não restava mais nada. Havia apenas um apartamento vazio que me
esperava em Berlim. Alexander estava em turnê ou algo assim. Quando chegou, dois dias
depois, eu não conseguia nem ficar contente, de tão chapada. Tinha voltado aos lugares
antigos — era melhor do que estar sozinha.
O que chamávamos de reduto da droga há muito tempo ultrapassara os limites da
estação do Zoo e se espalhara pela cidade. Havia drogados e traficantes em várias estações de
metrô, na Kurfürstenstraße, no parque de Hasenheide de Neukölln ou no parque Görlitzer.
Mas, para escapar das perseguições da polícia, cada vez mais os junkies tinham
começado a consumir heroína em apartamentos particulares. Havia alguns com mais de
trinta pessoas se picando juntas.
Hoje em dia chamam isso de gallery shooting. A vantagem é que um cuida do outro.
Beate me levou a um desses apartamentos, perto de Hasenheide. Ela era uma conhecida
da época da estação do Zoo, uma menina seca, pequena. Tinha apenas um metro e meio. Aos
20 anos já estava coberta de inflamações horrorosas e feridas no corpo inteiro. Parecia ter 40,
mas ainda ganhava dinheiro suficiente com a prostituição para pagar o vício.
Além de Beate, quem andava conosco também era Hatice, uma turca adorável que, sete
anos antes, já pesava entre 80 e 90 quilos e havia ganhado ainda uns vinte ou trinta a mais.
Quando ria, parecia o gato de Alice no país das maravilhas.
E Hatice ria com frequência desde que tinha se livrado do marido.
Gordinho, também turco, ele era traficante, batia nela e ainda a obrigava a se virar na
rua.
Hatice tinha só 30 anos e nada mais além do vício. Então continuou morando com o
déspota.
Provavelmente também não aguentaria o estresse da separação, sendo ainda bem
possível que o cara não a deixasse ir embora tão facilmente. Mas um traficante rival o matou
e, a partir daí, Hatice ia bem melhor.

Como seu corpo suportou tudo isto continua sendo um mistério para mim. Bebia muito,
fumava e consumia, além da cocaína, qualquer droga que passasse pela frente. Era agora uma
quarentona, vivia de um auxílio-desemprego e estava muito doente. Mas tinha humor e ria
muito. Dizia sempre: — Se é para morrer, que eu pelo menos vá bem estragada.
Mas parecia cada vez mais satisfeita. Era legal estar com ela.
Havia também Joséphine, uma garota paupérrima que, pelo contrário, não conseguia se
livrar do marido, igualmente violento. E o sujeito nada tinha de especial, era só idiota e muito
agressivo. Um troglodita de 1,90m que vivia num abrigo para sem-teto em Friedrichshain.
Um inútil nojento, que perturbava o dia inteiro, xingava todo mundo aos berros e batia muito
nela.
Um dia, Joséphine se desmanchou em
lágrimas na plataforma da estação Schönleinstraße.
Estava arrasada.
Não aguentava mais — e não por querer largar o carrasco, mas só porque, apesar de tudo,
tinha medo de que ele não a amasse como gostaria.
Era tão dependente da droga quanto ele.
Ninguém por perto ofereceu ajuda. Ela que contou, eu não estava lá. A maior parte das
pessoas tem medo dos junkies. E via-se claramente que Joséphine era uma. Tinha a pele
esbranquiçada e seca, olheiras, e mal chegava a 50 quilos, com 1,70m. Os bonitos cabelos
compridos e ruivos eram um monte de nós, pois, de tanto sofrer, ela se esquecia de pentear.
Quando começaram a ficar tão embaraçados que repuxavam o couro cabeludo, foi preciso
raspar.
Heiko, que batia nela, estava sempre nas paradas. Passava a maior parte do tempo
sentado com a gente num banco da estação de Anhalt ou no parque de Hasenheide, onde
fumávamos cigarros juntos, à tarde. Ficava ali sentado, reclamando de tudo por qualquer
motivo, xingando as pessoas pelas costas. Fedia de dar nojo, uma mistura de suor velho e
álcool que saía por todos os poros. Tinha as unhas sujas e compridas. Lavava o cabelo de
quatro em quatro semanas, e olhe lá.
Não faço ideia do que Joséphine via nele.
Queria uma família, gostaria de ter um filho.
Mesmo depois da crise, ela não conseguiu largá-lo. Em vez disso, afogava a tristeza no
álcool. Desde cedo pela manhã estava tão bêbada que não conseguia andar nem falar.
Tinha sempre uma lata de cerveja na mão.
Depois da primeira picada do dia, ficava no chão, completamente chapada ou vomitando.
Não passava dos 32 anos, mas não tinha escapatória.
Estavam sempre presentes também dois amigos, Paco e Fritz, bons rapazes, de 20 e
poucos anos. Como eu, se mantinham limpos e bem-vestidos. Para se sustentar, vendiam o
Motz, um jornal de sem-teto.
Mas como evidentemente isso não bastava, pois precisavam de 600 a 700 marcos por dia

para alimentar a besta, se prostituíam. Na Joachimstaler, na estação Turmstraße e no Zoo.
Ainda hoje são pontos de prostituição homossexual.
Muitos desses caras são chamados agora de callboys: andam na rua, mas vão também à
casa do cliente, que faz contato por celular. Hoje em dia, na estação do Zoo, são
principalmente garotos bem moços, da Europa Oriental, que fazem ponto.
Nesse meio-tempo, a heroína ficou bem mais barata. Agora 1 grama custa apenas
40 euros, no máximo, e na época era o dobro disso.
Alexander estava frequentemente fora, mas mesmo assim rapidamente viu que alguma
coisa estava estranha em mim. Em menos de duas semanas, passei a precisar de 3 a 4 gramas
por dia. Acho agora que tudo se encaminhou dessa forma porque eu tentava preencher o
vazio de que tinha tanto medo.
Alex estava com 17 anos. Era um sucesso, se apresentava em vários países. As mulheres
faziam fila para chegar perto dele. Estava se tornando uma estrela, jovem e bonito. Teria sua
própria carreira, e eu sabia que não tinha como impedir.
Uma noite, cheguei em casa bem mais tarde. As luzes estavam apagadas, e eu sabia que
ele já estava na cama. Fui ao banheiro, preparei uma picada para a noite e me deitei. No dia
seguinte, ele disse que me perguntou onde eu tinha estado, pois se preocupara, e eu nem
ouvi. Estava tão desnorteada que não notei.
Devo ter entrado no quarto como um zumbi, de olhos abertos, mas ausente. Geralmente
é o que acontece. Não prolonguei a conversa.
Alguns dias depois, ele arriscou: — Christiane, quantos gramas está usando por dia?
A voz dele tremia.
— Nada que fuja do controle — respondi da forma mais neutra possível, tomando um
gole de chocolate.
Ele explodiu, desesperado. Chutou os dois sacos de ração que estavam por perto e
espalhou comida de cachorro pelo apartamento todo. Depois se sentou no sofá, exausto, de
olhos fixos e triste. Era um adolescente, completamente inexperiente, ao contrário de mim.
Compreendi que estava estragando a juventude dele.
Como o amava, não pude simplesmente ir embora. Continuamos a gravar músicas e
ainda fomos aos Estados Unidos. Os Neubauten se apresentariam em turnê por lá e eu quis ir
junto, é claro. Acho que ainda tinha alguma esperança de salvar nossa relação. Mas foi um
desastre, porque comecei a fumar ópio pela primeira vez.
Várias vezes desci muito baixo na vida, mas provavelmente nunca como naquela viagem
aos Estados Unidos. Quando peguei o avião, estava tomando 60 pílulas e 4 gramas de heroína
por dia. É incrível, muita gente morre com menos do que isso. Realmente, não tenho a menor
ideia de como sobrevivi. Mandava para dentro Rohypnol como se fossem balas, e Mandrax,
Stadas, Valium. Eram os de praxe. Essa apatia letárgica é o que se procura. Mas para quem
está com você é horrível. Hoje em dia eu sei.
Alex não conseguia mais administrar isso.
Lamento muito por tudo que o fiz passar. Ele gritava:

— Você passa o tempo todo deitada! Pior, parece que está em estado vegetativo! Não é
possível nem mesmo falar com você!
Quis então largar toda aquela merda. Para voltar a ter os pés no chão, comprei codeína no
mercado negro; era como a gente se desintoxicava na época. Não havia ainda tratamentos de
substituição, somente antálgicos que tornam a crise de abstinência mais suportável. No final,
eu era dependente de tudo.
Para os Estados Unidos, eu tinha levado comigo 5 gramas de heroína, mas no final de
dois dias já havia consumido tudo. Nesses voos, um coque me servia de esconderijo para as
seringas preparadas com antecedência. Na época, meus cabelos eram bem cheios e podiam
facilmente esconder duas seringas. A vantagem é que você pode se injetar rapidamente, em
caso de necessidade.
Eu tinha ido antes, sozinha, para ter alguns dias para lidar com a abstinência, pois estava
decidida a parar. Por Alex, por mim, por nós.
Mas as coisas se desenrolaram de outra forma.
Hospedei-me com Rick e a namorada na casa deles.
Minhas boas intenções se desmancharam rapidinho. Hector Coggins morava bem ao
lado, um artista muito bonito que fazia instalações: cabelos escuros, rosto juvenil, ombros
largos e óculos. A parte de cima do corpo brilhava de suor e graxa, pois trabalhava em suas
obras na garagem.
Esse lado braçal e sujo me atraiu imediatamente.
A porta estava aberta. Como achava tudo aquilo bem excitante, entrei. Hector era
realmente legal e tentou me explicar sua arte.
“My work represents destruction, pain and death.” Minha obra representa destruição,
sofrimento e morte, foi como definiu.
Nem preciso dizer que logo percebemos estar na mesma sintonia. Ele explicou que suas
instalações exprimiam a pulsão que levava muita gente a se sentir mais viva, experimentando
coisas que podem, na verdade, matá-las. Exaltavam-se com escolhas que no fim as
derrubavam.
— Quando as pessoas se confrontam com a morte, muitas vezes ficam mais
intensamente ligadas à vida.
Até então eu nunca tinha pensado muito nos motivos que me levavam a consumir drogas
que afinal só me faziam mal e por que o mórbido me fascinava. E Hector me fascinava.
Eu também o fascinava, podia sentir isso.
A vida comum provocava em mim uma sensação de vazio. Inconscientemente eu
procurava sempre a excitação para me sentir mais viva — e depois os meios de voltar a descer.
E Hector era excitante. Na sua presença eu me sentia numa grande pirueta em estado de
embriaguez. Dava-me vertigem, sentia um rebuliço na barriga. O corpo dele era de aço, com
as obras que fazia. Achava isso supersexy e queria muito ir para a cama com ele. Saímos da
garagem pela porta dos fundos e fomos diretamente para o quarto. Fico achando agora que fiz
isso me dizendo que Alex acabaria me traindo também. Sabia que não conseguia engolir o

fato de eu ter voltado a me picar.
Sabia que não salvaríamos a nossa relação. Era jovem demais para toda aquela merda
psicológica. Ia me largar por outra. E foi o que aconteceu.
Ainda fomos juntos a São Francisco. Ele a trabalho e eu só perambulando e encontrando
pessoas — limitava-me às que me interessavam, é claro. No final de uma longa noitada numa
boate, fui parar na casa de uma gente estranha num apartamento esquisito. E fumei ópio.
Quando saía sozinha, acabava sempre, de um jeito ou de outro, encontrando junkies.
Uma vez, cheirei coca a noite inteira com os Van Halen, o grupo americano de hard rock.
Parece que Jump ainda está entre uma das músicas mais influentes da história do rock —
e eu estava ali quando essa história foi escrita. Foi numa noite organizada pelo AC/DC num
castelo pomposo da Califórnia.
Rodney Bingenheimer foi quem me levou e havia um monte de outros músicos famosos.
Estava na moda usar como penduricalho grãos de arroz com o nome gravado. Grãos de
arroz, dentro de uma garrafa de miniatura, pendurada num fio de couro, era algo comum de
se ver no pescoço de várias pessoas. Os caras do Van Halen tinham essas garrafinhas, mas
não com arroz, e sim cocaína. Achei criativo.
Um ano antes, o cantor do AC/DC tinha morrido sufocado no próprio vômito, depois de
uma noitada de muito álcool e muita droga.
Isso é tão normal no meio dos músicos quanto no das drogas. Desde então o grupo tinha
outro cantor, Brian Johnson, e todos ficavam alucinados quando resolviam dar uma festa.
O guitarrista, Angus Young, usava um uniforme de aluno de escola, o que virou a marca da
banda.
Naquela mansão decorada com estuques, douraduras, tapetes felpudos e pisos de
mármore, ficavam tão alucinados quanto no palco — faziam headbang e dançavam
freneticamente, muitos seminus.
Outros não paravam de falar. Sob efeito da cocaína ganham-se ímpetos enormes de
energia. Você fica ligado numa bateria, metralha o falatório e, quanto mais a noite avança,
mais desanda a falar qualquer coisa. Por isso não me lembro bem do que conversavam.
Dançar também não era o meu barato, mas gostava de observar aquela zona toda.
Para compreender melhor o quanto os universos dos cheiradores de pó e dos usuários de
heroína são opostos, deve-se entender que há vários tipos de junkies. Os que se picam não
são tão agressivos e, ao contrário dos cheiradores, em geral nada têm a ver com o crime
organizado. Bater a carteira de um pedestre, tudo bem. E podem sair no tapa por um pedaço
de chocolate. Mas os dependentes de heroína não são cafetões nem contrabandistas. No
máximo, se prostituem para pagar o material de que precisam. O pessoal da cocaína, pelo
contrário, assusta e está sempre disposto a qualquer coisa para garantir o pó. Você começa a
cheirar e não pode mais parar.
Com a heroína, o barato é outro. Você se pica porque, se não fizer isso, a dor física é
insuportável. Os da coca querem ter sensações fortes e se sentir poderosos; os da heroína
querem a paz.

Os viciados em cocaína são um tipo de gente bem diferente, realmente não fazem meu
gênero. Uma noite, em outra boate, uma mulher um pouco mais velha do que eu se
aproximou e perguntou:
— O que você prefere, heroína, coca ou ecstasy?
— Não conhecemos isso na Alemanha — respondi.
Realmente não conhecemos. Comprei o material em pó por 7 dólares, é o preço de uma
viagem de LSD. O pó vinha dentro de uma cápsula, como um medicamento. Houve uma
época em que se fazia isso também com heroína, eu achava ótimo porque dava para calcular
precisamente a metade.
Em todo caso, experimentei ecstasy pela primeira vez. O efeito chega mais ou menos
meia hora depois e se prolonga por algumas horas. A vontade de dançar cresce irrefreável.
Você se sente incrivelmente forte, sem cansaço, frio ou calor. Ao contrário da heroína, o
ecstasy faz com que você fique pilhado a fundo, mastigando e fazendo caretas de maneira
descontrolada. Você acha todo mundo ótimo e quer que saibam disso. Todas as inibições
desaparecem e você sente cócegas na barriga, nos braços, nas pernas, no peito dos pés, em
todo lugar.
Não era o meu negócio. Prefiro as drogas que assentam e não as que ligam. Na época,
porém, eu estava sempre à procura da próxima onda. Curtições mais fortes do que o meu
coração partido. Isso quase me matou. Mais tarde, na Alemanha (Helmut Kohl acabara de se
eleger chanceler), contei a meus amigos sobre a nova droga, o ecstasy. Pouco depois, um
deles foi aos Estados Unidos e trouxe uma mala cheia. Naquele tempo, essas substâncias
ainda não haviam sido proibidas na Alemanha. Era o início dos anos 1980 e davam-se festas à
base de ecstasy. Vendia-se também.
Numa das viagens que fez, Alex conheceu Tessa, uma bonita moça de Viena, sem
nenhuma relação com os mundos da música e das drogas. Era bonita, cheia de saúde, e ele
ficou encantado.
Mesmo que estivesse esperando por isto, não suportei a ideia de ser abandonada. Agi
contra a dor até não poder mais. Desmaiava o tempo todo e ficava em casa, encolhida num
canto. Não comia nem bebia. Só me enchia de álcool.

Eu, Christiane F., A vida apesar de tudoOnde histórias criam vida. Descubra agora